manga com leite

 

n. 3 – leveza do pensamento

É preciso ser leve como o pássaro, e não como a pluma.
Paul Valéry

"Podemos dizer que duas vocações opostas se confrontam no campo da literatura através dos séculos: uma tende a fazer da linguagem um elemento sem peso, flutuando sobre as coisas como uma nuvem, ou melhor, como uma tênue pulverulência, ou melhor ainda, como um campo de impulsos magnéticos; a outra tende a comunicar peso à linguagem, dar-lhe a espessura, a concreção das coisas, dos corpos, das sensações." É esta a oposição leveza-peso colocada por Italo Calvino, que, partindo de uma percepção de que "o mundo inteiro parecia transformado em pedra", defende a "leveza do pensamento".

Ao usar o termo "leveza do pensamento", Calvino deixa claro que não se trata de uma literatura distanciada da realidade, das coisas em si, mas sim de uma literatura capaz de retirar o peso das coisas, tratando de modo preciso e determinado de sua essência, da "alma" das coisas. Este valor, que encontra refúgio principalmente na literatura, está ligado a sua visão da "escrita como modelo de todo processo real". É, então, a partir da palavra que atribuímos significado ao mundo, aquilo que chamamos de real.

Na frase de Valéry fica clara a necessidade da leveza literária refletir uma consciência de si mesmo e uma capacidade de intervenção na realidade, e é este o desafio colocado por Calvino, que a estrutura da narrativa e da linguagem seja capaz de levitar sobre as coisas sem se desfazer como sonhos quando em contato com a realidade presente e futura. Trata-se de uma permanência da literatura como arte que reflete e transforma o mundo ao seu redor, mesmo que este mundo não seja seu tema ou sua sustentação.

Assim, Calvino aponta três acepções distintas para a leveza:

- "um despojamento de linguagem por meio do qual os significados são canalizados por um tecido verbal quase imponderável até assumirem essa mesma rarefeita consistência"

- "a narração de um raciocínio ou de um processo psicológico na qual interferem elementos sutis e imperceptíveis, ou qualquer descrição que comporte um alto grau de abstração"

- "uma imagem figurativa da leveza que assuma um valor emblemático"

Estas são algumas das idéias de Calvino sobre a leveza, na próxima coluna vamos apresentar sua conferência sobre a "rapidez", dando seqüência aos valores literários que merecem ser preservados neste milênio.

Daniel Gomes
Editor de Bizarrona