coisa de rei, de daniel gomes

 

Na outra semana, Mr. Jones via o bico de um avião entrando pela janela de seu escritório.

No domingo, seu enterro foi acompanhado por um seleto grupo de amigos e parentes. Seu tio, um homem corpulento e de olhar preguiçoso, fez um belo discurso, discorrendo sobre as características peculiares de alguns animais, entre eles o homem, marcado, na sua opinião de comerciante fracassado, pela ambição.

Na sexta, seu cadáver estava numa geladeira do IML, com três furos no peito, um na cabeça e uma unha encravada.

Na quinta, seu corpo magro e desbotado e sua mente ociosa tentavam se recuperar da ressaca de uma grande noitada. O almoço foi servido no horário costumeiro e constava de linguado, arroz e batatas, como sobremesa sua mãe lavou os pratos, seu pai foi para a loja de móveis da rua Esquerda e sua irmã mais nova para o dever de casa; ele foi ver um programa de televisão no qual algumas adolescentes tinham que comer estranhos pratos numa competição estúpida.

Foi numa segunda-feira, ao acordar, que Olavo contou seu sonho na mesa do café. Cercado de alguns biscoitos e pães, xícaras de café fraco e quente, e de sua família, ele falou sobre uma aventura onírica que tinha como centro uma estranha máquina, muito semelhante as que encontramos nos centros comerciais de nossas belas cidades e que têm como função tirar retratos 3x4. No sonho, ao invés disso, ela criava um efeito de ilusionismo que trocava as roupas de quem entrasse nela, uma máquina de trocar roupas, imaginem, que grande invenção não seria!

- Coisa de rei, seu Olavo. - disse a empregada que servia mais café.

"Coisa de rei", pensou Olavo, esquecendo do resto do sonho, de sua mal fadada aventura onírica, para se concentrar na dica de Eulália, uma empregadinha gorda e baixa, de uma feiura discreta, daquelas que só se destaca em meio a beleza. Esta não era a primeira vez que ela interpretava corretamente um sonho de Olavo, e na última vez o palpite valeu uma boa grana para ele. Rei Leão na cabeça! - levantando sob o olhar dos familiares, ele foi arrumar algum dinheiro emprestado, pois há meses não tinha um tostão seu.

Na terça, seu amigo Assis lhe deu uma grana e disse que ia fazer fé no macaco. Olavo foi com ele, mas ficou com o leão, seu rei, e com confiança, sua rainha.

Na quarta, Mano Maluco, um moreno loiro e repleto de cicatrizes e tatuagens, que vez em outra lhe passa um serviço, pediu para Olavo proteger um pacote, que inadvertidamente foi aberto, com a velha técnica do bico de chaleira, esta artimanha de mães conscienciosas e tias bisbilhoteiras. Olavo encontrou um maço de notas novas que serviram para financiar, na conta de seu rei e rainha, uma farra para ele e seus melhores amigos.

Na quinta, depois do almoço, deu macaco.