doce corpo estranho, de Karl Von Hollermann

  Em uma tarde com pouco sol e várias nuvens acinzentadas a pequena Clara passeava de bicicleta pelo parque.

Era um parque diferente, não como todos... Ensolarados, cheio de crianças felizes, belos lagos com cisnes. O parque Fantall era escuro, sem flores, pessoas usavam, traficavam e vendiam drogas por toda parte, as árvores escuras eram grandes e densas como uma muralha de medo, o lago de águas flácidas refletia o caráter da grande metrópole, os assaltos e estupros eram cotidianos como respirar. Mas mesmo assim a jovem Clara com seus 9 aninhos de ingenuidade passeava feliz e solitária com sua bicicleta de rodas trêmulas. Clarita era órfã de mãe e seu pai, caminhoneiro pagava uma pequena quantia para dona Marta (a velha da esquina) não cuidar da doce criança.

A jovem criança vestia um vestido longo e rosa, seus grandes olhos carambolas eram sinceros e seus cabelos embaraçados refletiam dificuldades.

A bicicleta anda pelo gélido chão de pedras maliciosas, ouve-se sons de brigas mórbidas; à frente um velho policial compra drogas para o doce deleite narcisista. O policial não quer pagar, o traficante saca uma faca, enquanto berra o cano de fogo doce usado pelo policial, o tiro não é certeiro e acerta nas pequenas costas de Clara inocente que cai da bicicleta escorrendo o néctar vital, o gambé foge tranqüilamente do parque, pois a menina era culpada por está ali.

As brumas explodem no parque e o mal amigo sol abandona Clarita em sua dor inconsciente.

Pronto Socorro, o jovem gari agora na fila com Clara no colo que quase abandona seu pai... A fila é grande, feridos estão por toda a parte, escorados nas paredes sujas, caídos pelo porco chão. Após algum tempo uma enfermeira gorda e rabugenta leva Clarita para mesa de operações. O justiceiro bisturi rasga a ceda da jovem à procura do doce corpo estranho que é danosamente removido.

Após alguns dias ela abre seus pequenos olhos e reconhece a fétida barba de seu amado pai que dorme ao seu lado.

ALTA.

Clara pode ir para casa, mas desta vez não de bicicleta, mas de cadeira de rodas hostis. João paga caro a consulta que deveria ser gratuita e leva sua amada filha que não andará novamente. O que levou o movimento necessário de Clara não foi o tiro do marginal, mas sim o bisturi nazista do médico embriagado que partira selvagemente a sensível medula infantil.

Clarita vive em uma cadeira dependendo de ajuda, seu pai continua em suas viagens para sustentar a criança por alguns anos.

PASSA-SE O TEMPO.

Clarita da esquina assim agora conhecida está com 15 anos e trabalha como prostituta para sustentar o pai e a amável madrasta que levou sua miserável paz. João ainda tem seu caminhão e ama muito Clara, mas no momento distribui drogas para ajudar nas finanças caseiras e sustentar os vícios de sua nova mulher Joana. Clarita da esquina é uma pessoa muito amável e atenciosa, leva seu pouco dinheiro digno (ganho com a venda de seu sofrido corpo) para casa e não reclama de Joana que a mal trata e a ridiculariza. Clara ganha muito pouco dinheiro, pois ninguém paga muito por uma puta aleijada, mas mesmo assim mantém sempre sua esforçada jornada de trabalho. Apesar dos preconceitos de sua profissão, todos gostam muito de Clarita, pois com todas dificuldades e sofrimentos de sua vida ela continua sendo uma ótima pessoa amável e respeitosa.

O TEMPO PASSA...

João abandona finalmente a odiável Joana, pois os dois são dolorosamente presos por tráfico de entorpecentes; Clarita agora mora triste em sua solitária casa pobre, mas mesmo assim continua trabalhando arduamente para sobreviver; Clarita, não gosta de sua profissão, ela não faz isso por prazer e sim para sua própria sobrevivência difícil.

Em um certo dia, um dia escuro, chuvoso, cinza, como todos os dias da cidade sombria veio a sorte para Clara, um cliente, um novo e idoso cliente a conhece e a contrata, ela se apaixona à primeira vista mas se reprime imediatamente com medo de não ser retribuída e sofrer ainda mais em sua medíocre vida; mas isso não acontece, ela é totalmente e simultaneamente retribuída. O velho médico aposentado, com cabelos grisalhos, usando sua companheira bengala e com um terno bem cortado, o velho de bom coração com o nome de Mauro a convida para abandonar aquela vida miserável e ir morar com ele em sua grande e luxuosa casa na zona sul.

Em uma grande casa na zona sul vivem felizes Clara e Mauro, um casal perfeito, sem preconceitos por idade e muito apaixonados. Clara faz suas visitas semanais para seu pai, que também está muito feliz por ela; em uma destas visitas ela conta uma ótima notícia para João, Clara marcou uma cirurgia com médicos competentes e provavelmente voltará a andar, para retribuir seu pai lhe dá também uma boa notícia, ele volta a julgamento em busca de uma condicional que provavelmente sairá com a ajudas de bons advogados financiados pelo Santo Mauro. Assim Clara andando pelas macabras ruas com seu carro volta à sua reconfortante casa.

O tempo passa rapidamente como uma bala de .50 disparada contra um político, vem chegando o dia de sua salvadora operação. Os dois pombos negros, Clara e Mauro passam a noite em claro observando a poluição densa da grande metrópole e esperando ansiosamente a chegada das 9h, hora da reposição de sua vida perdida.

Em uma luxuosa clínica na zona sul, Mauro entra aflito empurrando a cadeira de rodas ansiosas de sua amada, os dois suam aflitos e respiram ofegantes como o crepitar das chamas de velas de fogo azul. O hospital é luxuoso, silencioso e se torna sombrio com a insegurança do casal. Uma equipe de roupas brancas bem escolhidas anestesia selvagemente o incapaz corpo de moça.

Inicia-se a operação....

João, o amado pai de Clara está em julgamento, desconcentrado, pois pensa apenas na operação de sua filha, porque somente sua felicidade importa agora... João mesmo desconcentrado é absolvido em uma apaziguante condicional esperada por anos; e assim ele caminha alegre como uma cobra se libertando da ova em direção ao hospital.

Pai e marido - João e Mauro abraçados ansiosos pelos médicos na sala de espera, aguardam o resultado. Chega o médico estrangeiro com sotaque de McDonald’s capitalista e lhes dão a tão esperada boa notícia.

Com todos contentes moram agora uma família em uma grande casa aconchegante.

FISIOTERAPIA...

PEQUENOS MOVIMENTO RETARDADOS...

Depois de alguns meses de fisioterapia Clara anda com dificuldades, todos os dias com seu pai ela vai à pé para casa se exercitando (recomendações médicas).

Clarita, assim antigamente chamada, sai de uma sessão médica, feliz pelos grandes sucessos que vem obtendo; ela está abraçada com seu pai, andando em direção à sua casa, como sempre.... O dia está nublado como o cotidiano, a cidade se movimenta rapidamente, o barulho é alto e constante como um grito banshee, os carros passam desrespeitosamente como monstros horríveis, os prédios são negros e altos e alguns gárgulas dão um tom de alegria a eles, o ambiente é enfumaçado e quente.... Mas mesmo assim Clara passeia como se tivesse em uma passarela, satisfeita com os seus movimentos e feliz com os seus pensamentos. Ela conversa com João, também muito feliz, sobre a vida deles, sobre como era e como tiveram a sorte grande de dar tudo certo e estarem felizes como nunca.

Na longa, calorosa e feliz conversa Clara se distrai e precipita-se, atravessando só e apressadamente a deserta rua "Perfumes" com passos dificultosos e acelerados.... é quando aponta uma enorme caminhonete feroz com olhos acesos e reluzentes, a fera ruge; João com um ar paterno de mártir corre até ela, a fera ruge novamente, o coração da besta, um playboy sangue-azul pisa fundo; João alcança sua filha e os dois abraçados gritam simultaneamente com um som opaco.

Corpos caídos ao chão, ela recuperou seus movimentos por apenas 2 meses, foi também o tempo da liberdade de João; agora pai e filha descansam em paz enquanto sorri o coração da besta. Mauro sem saber do ocorrido comemora em sua casa, tomando um caloroso uísque burguês mas comunista com a equipe de médicos.