manga com leite
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n. 5 - exatidão das palavras Ó escritor, com que letras conseguirias relatar a perfeição deste conjunto aqui expresso pelo desenho? "Minha escrita sempre se defrontou com duas estradas divergentes que correspondem a dois tipos diversos de conhecimento: uma que se move no espaço mental de uma racionalidade desincorporada, em que se podem traçar linhas que conjugam pontos, projeções, formas abstratas, vetores de forças; outra que se move num espaço repleto de objetos e busca criar um equivalente verbal daquele espaço enchendo a página de palavras, num esforço de adequação minuciosa do escrito com o não escrito, da totalidade do dizível com o não-dizível." Italo Calvino prossegue sua conferência sobre a exatidão expondo como trabalha estas duas estradas: "...oscilando continuamente entre esses dois caminhos, quando sinto haver explorado ao máximo as possibilidades de um deles, logo me atiro ao outro e vice-versa. Assim é que nestes últimos anos tenho alternado meus exercícios sobre a estrutura do conto com o exercício de descrições, esta arte hoje em dia tão negligenciada." Calvino defende a exatidão das palavras devido a sua percepção de que a linguagem tem sido usada de modo aproximativo, casual, descuidado, e que este flagelo está espalhado em todos os aspectos da vida. Como defesa contra este flagelo o autor vê apenas um caminho, "uma idéia de literatura". Assim, Calvino argumenta que "a palavra associa o traço visível à coisa invisível, à coisa ausente, à coisa desejada ou temida, como uma frágil passarela improvisada sobre o abismo". E continua: "... por isso o justo emprego da linguagem é, para mim, aquele que permite aproximar-se das coisas (presentes ou ausentes) com discrição, atenção e cautela, respeitando o que as coisas (presentes ou ausentes) comunicam sem o recurso das palavras." Associar o visível ao invisível é um desafio que apenas a literatura pode superar. A palavra certa, exata para dizer sobre as coisas concretas e abstratas é o desafio do autor. Para vencê-lo, o escritor conta com um instrumento poderoso, a linguagem, não apenas a palavra em si, mas também a possibilidade desta em dizer mais do que ela mesma, transcendendo seu significado. Muitas vezes são nas chamadas entrelinhas que o texto se encontra, a história real, a expressão verdadeira do autor. É no não dito, naquilo apenas sinalizado, esboçado, que encontra-se a beleza do poema ou a essência do conto. Porém, deve-se lembrar sempre que são as linhas que formam as entrelinhas, é a exatidão dos termos usados que permite uma compreensão que transcende seu próprio sentido. Numa tentativa de definição, Calvino aponta a exatidão como: "um projeto de obra bem definido e calculado"; "a evocação de imagens visíveis nítidas, incisivas, memoráveis..."; e "uma linguagem que seja a mais precisa possível como léxico e em sua capacidade de traduzir as nuanças do pensamento e da imaginação". Daniel Gomes |
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