sem título, de Ricardo M. Nachmanowicz

  ...porcaria de chave, digo, fechadura. Ahh, estou apertadão... isso não fecha! Porra! Estou muito suado, este cheiro de metal, essa pele suja, não quero mais fechar... me tranco no banheiroahhhhhhhh.

Hoje especialmente tive vontade de obrar, e que dificuldade. Sai de longe, e sei que tenho controles que me dariam autonomia até o fim da noite, mas, desconheço em parte minha força de vontade, tinha que ser agora, uhhhhhhhhhhhh fiz!

...estou mijando também, não faço os dois juntos desde pequeno, está divertido repetir isto lembrando, euforia no momento, mas dado as circunstâncias não pude sair correndo. E a porta de fora ainda esta aberta. Urina, isto não dá para segurar, parece-me que as mulheres têm mais resistência, mas eu não consigo, não existe nem um pensamento na tentativa de me conter, apenas uma coisinha que interage caso exista alguma incompatibilidade geográfica, mas fico sabendo que não terei muito tempo.

...fiquei duro! Não sei quanto tempo terei, não estou a par destas decisões, ficarei esperando a hora torcendo para não magoar ninguém. Me parece meio anti-higiênico compartilhar esta repentina excitação, esqueça, estou no banheiro, todos saem limpos dele. .......brochei.

...Todo este controle fará você doente!! Vou me lavar.

Fiquei um tempo, tampado, parado diante do espelho e só agora me dei conta, lavando constantemente as mãos:

Você já matou alguém?

Não.

E o que está fazendo para que seus olhos demonstrem isto?

Nada!

Óbvio, nunca tive vontade de matar ninguém, mas sempre me pergunto isto, para checar não sei o que, ou obter aquela superficial sensação de vida, única no momento do banheiro. Palhaçada!

Continuo olhando no espelho e minha cara continua me fazendo esta pergunta. Devo matar um animal, rasgar um livro e abortar um futuro ecologista para me sentir um tipo de bosta mais viva, ou tentar desfrutar dos maravilhosos momentos de intimidade entre partes de corpo e do meu corpo, eu e a criatividade artística. Caio sempre no que minha espécie dita.

Todo este instinto deixará você morto!! Vou sair.

O corredor está parecendo um exemplo em um caderno sobre ponto-de-fuga, quanto mais longe mais fino parece.

Está lotado de pivetes, estão desvairados, parecem com sede, a boca seca. Uns dedos finos, longos gelados, asquerosos, fazendo cócegas que fazem chorar, queria pegar cada um e ir liquidificando cada esqueletinho desprezível. Eles me empurram para dentro do banheiro e me trancam.

...ao menos um, sentiu minha mão gorda, branca e quente como o sangue de seu narizinho, crocante como barata. Agora eles todos estão confortáveis, têm espaço bastante, e para mim um bom banho sempre, sob todas as temperaturas, estou quase em um ideal, uma vida nu até que eu possa sair.

Usarei sempre as mesmas palavras para descrever minha estadia.

...poderia até tentar sair e talvez matar um, estou certo de que se fosse agora eu faria.

Todo dia meu olho me diz algo.

Que me prende mais ao espelho.

Ele está quase pronto.

A porta de fora ainda está aberta.

Os meninos provavelmente me deixaram.

O corredor o mesmo.

Ter uma vida como melancolia,

de coisas não vividas.