O livro é o que desperta sua curiosidade; pensando bem, você até prefere que seja assim, deparar com algo que ainda não sabe bem o que é.
Italo Calvino

O sexto valor literário que merece ser preservado neste milênio na opinião de Italo Calvino é a consistência. Infelizmente o autor faleceu antes de proferir suas leituras em Harvard, deixando apenas o manuscrito dos outros cinco valores, tratados nas colunas anteriores. Não irei lucubrar sobre qual seria o conteúdo desta sexta conferência, apenas tentar amarar, dar consistência, as idéias que este autor expressa em suas "Seis propostas para o próximo milênio".

Levitar sobre as coisas sem se desligar delas, construir pacientemente uma mensagem de imediatismo, associar o visível ao invisível, unificar os processos imaginativos e criar visões multifacetadas do mundo, sempre propondo-se objetivos desmesurados e consistentes são os valores literários defendidos por Calvino.

Para preservar estes valores, o escritor, o poeta, deve lançar-se numa infindável odisséia, percorrendo um árduo e intricado caminho, vagando entre o conhecimento científico e filosófico e a criação poética, imaginativa, recolhendo fragmentos de idéias diversas e unindo-os numa narrativa consistente, que seja capaz ao mesmo tempo de comunicar a essência das coisas e de expressar sua multiplicidade. Tudo isto através de uma obra que possa ser apreendida por todos, uma obra universal e que desperte nossa curiosidade.

Criar algo novo, que desconhecemos, mas que nos parece próximo, que nos diz algo, nos toca em algum lugar de nossa alma, transmitindo uma carga de conhecimento inúmeras vezes maior do que aquela que carrega e nos levando para fora do eu, numa viagem pelo que não tem palavra, transcendendo a própria linguagem e suas limitações. Para almejar a tudo isto o escritor deve vestir as armas de um herói lendário e enfrentar monstros e dragões, reais ou imaginários. Talvez seja esta a principal mensagem de Calvino, pelo menos para os jovens escritores que muitas vezes esperam uma solução mágica para suas obras, que a inspiração ou a simples vontade sejam o suficiente para a feitura de uma obra literária.

Italo Calvino busca com suas conferências lembrar aos novos escritores que existem valores que somente a literatura, ou principalmente esta, pode preservar, capacidades humanas fundamentais como a imaginação, a fantasia, a abstração, a multiplicidade de visões e percepções do real e a decifração de códigos e padrões. E que o papel da literatura neste milênio deve ser o de conservar os valores ligados a estas capacidades e ainda buscar novas possibilidades, novas formas de compreensão do mundo, que é, certamente, muito maior que nossos umbigos; tema que deixo para a próxima coluna.