Antonio Carlos Secchin nasceu no Rio de Janeiro, em 1952.
Poeta, crítico, doutor em Letras, professor titular de
literatura brasileira da Faculdade de Letras da UFRJ, é autor
de 7 livros, dentre os quais Poesia e desordem (1996) e João
Cabral: a poesia do menos (2a ed. 1999), este último ganhador
do Concurso Nacional de Ensaios (INL/MEC) e do Prêmio Sílvio
Romero (ABL). Este ano deve lançar novo livro de poemas
(Palavra cruzada).
No tempo em que o dinheiro é quase tudo, quem são esses
homens e mulheres que se dedicam a poesia? Quem é o poeta
brasileiro? Por que você escolheu a poesia (ou foi
escolhido)?
- A poesia é o oposto do pragmatismo. Não apenas tempo,
palavra é dinheiro. A poesia diz não a essa ordem; e (fina
ironia) às vezes até consegue ser remunerada para dizê-lo.
Creio que ninguém consegue ser poeta em tempo integral. Mas,
se aproveitarmos as frestas e os momentos em que ela aparece,
isso já dá para reavaliar e melhorar todo o restante, quando,
mesmo não estando presente de forma direta, ela se manifesta
nos efeitos duradouros que deixou.
No poema SOBRE CRUZ E SOUSA – CISNE você escreve à maneira
simbolista. É esse o objetivo do poeta no século XXI? Recriar
o passado é uma ambição pós moderna e da sua poesia?
- Se num poema for possível destacar só o conteúdo, ou
valorizar apenas a forma, é porque o texto está ruim. Quanto
ao “Cisne”, foi tentativa de homenagear Cruz e Sousa através
de uma linguagem próxima à dele, encenando um combate entre o
cisne simbolista e o parnasiano, que ganhou a disputa na
hora, mas a perdeu na História.
O poema VER é rico em metáforas e imagens. O que deve haver
num poema de sua autoria?
- De preferência, um olhar novo sobre o que escrevo. Daí a
importância fundamental da metáfora, com sua capacidade de
deslocar aproximações já preguiçosamente sedimentadas na
língua.
Em SOBRE ALVAREZ DE AZEVEDO – É ELE está escrito: “Leva
canções de amor e medo./ Cachoeiras de metáforas,/oceano de
anáforas, virgens a quilo”. Com quantas metáforas se faz um
poema? Quando o poeta, como falava João Cabral, está
perfumando a flor?
- Cabral, ao dizer que “flor é a palavra flor”, não
desmetaforiza, mas cria nova metáfora, a literal, se assim
posso dizer. O cosmético significa os perfumes expostos no
balcão do lugar-comum. O poeta tem que compor com sua química
própria, senão será apenas um balconista da palavra alheia.
BIOGRAFIA utiliza de antítese para a obtenção do efeito
desejado. Você tem um projeto para escrever o poema que
surge? Como é o processo de elaboração do poema?
- É como consta de “Biografia”: “numa hora eu já o levo /
outra vez ele me guia”. É como numa corrida de revezamento,
com obstáculos. A diferença é que nunca temos certeza se de
fato conseguimos transpor a linha de chegada, ou se
embarcamos num atalho errado...
“E um crítico, maldizendo a sua sina,/rosnaria feroz/contra
minha verve/sibilina” está no seu poema intitulado
CONFESSIONÁRIO. A função do crítico não é a de entender os
hermetismos? Um crítico que é poeta está mais capacitado para
falar de poesia?
- O crítico pode sinalizar acessos ao texto, mas tendo a
humildade de enfatizar que há outras inúmeras e não-ditas
portas de entrada. O crítico-poeta, de um lado, estaria mais
capacitado a falar de poesia pelo fato de praticá-la; mas,
por esse mesmo fato, pode tornar-se dogmático, ao querer
enxergar nos outros poetas o modelo de poesia que ele,
crítico, pratica.
Você é professor. Não há um fosso entre poetas e a
universidade? Como construir uma ponte onde seriam trocadas
as experiências?
- No meu caso, levo sempre poetas à universidade. E nas
aulas, na medida do possível, tento levar os universitários à
poesia.
O que a nossa literatura perdeu com a morte de João Cabral de
Melo Neto? Qual o legado que o poeta deixou?
- Deixou um imenso território, que não poderá ser ocupado por
ninguém. Costumo dizer que o artista de exceção fecha os
caminhos que abriu, pois sua marca é tão inconfundível que,
trilhando esses caminhos, só se poderá produzir um pastiche.
Gostaria que na lápide poética de Cabral estivesse escrito:
NÃO ME IMITEM. Isso seria benéfico para a poesia brasileira.
Hoje o poeta é um intelectual que fala 9 línguas, faz
traduções, resenhas, críticas, ensaio etc. A poesia se
sofisticou? A obra poética não está ficando em segundo plano?
- A poesia brasileira contemporânea ostenta marcas de
sofisticação intelectual, sem que isso implique
necessariamente ganho qualitativo. Ter mais acesso à
informação não significa saber transformar essa informação em
poesia. Se é no corpo-a-corpo com as palavras que se faz o
poema, às vezes o corpo excessivamente paramentado do artista
pode até dificultar a consumação do ato...poético.
É possível dividir a poesia brasileira de hoje em grupos?
Quais seriam eles?
- Sempre é possível dividir o que quer que seja. No panorama
atual, vejo mais “facções” do que “grupos”. Me parece algo
excessiva e ostensiva a briga pelo poder, a intriga da miúda
“vida literária”, o embate para saber quem ocupa o posto
número l, e por aí vai. A poesia, felizmente, não tem nada a
ver com isso.
A revista POESIA SEMPRE passou por diversas mudanças. Como é
ser editor da revista? Quais são as mudanças para o ano 2000?
- Não mais edito Poesia sempre, e espero que a revista possa
sobreviver às intempéries das restrições orçamentárias do
Governo, pois, de todas as publicações dedicadas à poesia,
creio que é a mais aberta à multiplicidade de tendências.
As editoras não apostam e nunca apostaram na poesia. O que é
necessário para que a poesia se torne o que foi na
antiguidade? É um perigo falar de poesia pop?
- Jamais a poesia voltará a ser o que foi na Antigüidade, até
porque hoje seu discurso enfrenta muito mais concorrentes;
quanto a isso, não sou nostálgico nem otimista. Acho que a
poesia continuará a ser uma exigência de poucos, e sou avesso
a sua facilitação porque, muitas vezes, vende-se como poesia
o que não passa de um seu grotesco simulacro.
Como utiliza a internet? Quais os sites prediletos?
- Quase exclusivamente para e-mails, recebimento e envio de
artigos e poemas... Também freqüento o “Jornal de poesia” e
algumas livrarias.
Tem algum mote?
- Não. Prefiro sempre a glosa, que pode, inclusive,
contradizer o mote...
Qual o papel do escritor para a sociedade?
Qualquer um, desde que não seja carbono.
v o l t a