Balacobaco
Planeta Terra
Rio de Janeiro

 
ENTREVISTA ALONSO ALVAREZ LOPES
BREVE CURRICULUM
Brasileiro, casado, 06/06/1956
Rua Corrêa Galvão - 57 - Jardim da Glória - 01547-010 - São
Paulo - SP
Telefax.: (011) 272-1261      E-mail: alons@uol.com.br,
apb@paubrasil.com.br
ATIVIDADES PROFISSIONAIS
Webmaster,  criação e administração do site artepaubrasil
virtual: www.paubrasil.com.br
Editoração: livros (capa e diagramação)
PRÊMIOS
Prêmio Jabuti, 1991, melhor produção editorial, com a coleção
ptyx.
Prêmio Classic de Artes Gráficas, 1990, com a coleção ptyx.
Vencedor dos II e III Encontro Brasileiro de Haikai, 1987 e
1988, da fundação Aliança Cultural Brasil-Japão.
PUBLICAÇÕES
Hé - Haikais, com Camila Jabur, poesia - 1991.
A lua no cinema, com Paulo Leminski, infantil - ilustração.
Antologias:
100 haicaístas brasileiros, ed. Aliança Cultural Brasil-
Japão, 1990.
Antologia do haicai latino-americano, ed. Aliança Cultural
Brasil-Japão, 1993.
Antologia da nova poesia brasileira, ed. Hipocampo, org. Olga
Savary, 1992.
Intimidades transvistas, ed. Escrituras, pinturas de Valdir
Rocha, 1997.
EVENTOS
Mostra Internacional da Poesia Visual, Centro Cultural SP,
1988.
III Bienal Internacional da Poesia Visual/Experimental do
México, 1990.
Artes e Ofícios da Poesia, MASP, São Paulo, 1990.
(organização)
                        -----0O0-----
Balacobaco - Você está à frente do site artepaubrasil. O  que
há  de  mais interessante o sítio e como é administrar e  ser
webmaster?
Alonso  Alvarez - Criei a artepaubrasil em 1985,  inaugurando
uma  livraria  em  frente ao Centro Cultural  de  São  Paulo.
Depois  outra  no  Bexiga, região boêmia da  cidade,  que  só
funcionava à noite. Foi ótimo até o Collor entrar no governo.
Lembro-me  de  que,  quando ainda montávamos  a  livraria  do
Bexiga, não tínhamos certeza se teríamos clientes às segundas-
feiras,  que  seria melhor fechar nesse dia  da  semana.  Que
nada!  Tivemos uma bela surpresa: a segunda era um dia  ótimo
(noite,  no nosso caso). As pessoas gostavam de se  encontrar
nas segundas à noite, para conversar, contar as aventuras  do
final  de  semana,  tomar chope no Café do  Bexiga,  e  então
entravam  na livraria. Quando o Collor entrou no  governo,  a
segunda no Bexiga acabou. As pessoas perderam o pique  de  se
encontrar  na  segunda. Depois veio a URV,  o  real,  o  FHC,
acabando com as terças, quartas, quintas, enfiando todos numa
luta fatigante pela sobrevivência, e aí resolvemos fechar  as
livrarias.
Já  que tocamos no assunto, sim, sinto o governo do FHC  como
uma espécie de câncer, um tumor maligno matando o Brasil. Mas
o  FHC  é o tal nome comercial da doença, a fachada,  o  nome
genérico  da  desgraça;  não podemos  esquecer  do  princípio
ativo:  o  PFL, do ACM. Todos os dias abrimos o jornal  e  as
manchetes revelam os estragos que estão fazendo com  o  nosso
país,  com  a  cultura, etc. Outro dia  alguém  me  perguntou
porque  não  confiava no FHC. Respondi que bastava  abrir  os
jornais todos os dias para encontrarmos notícias de gente  do
PFL  enfiada  em  todo tipo de corrupção e enriquecimento  às
custas  do dinheiro público - então, a dúvida cruel:  como  é
que  alguém  vai  melhorar o nosso Brasil  aliando-se  com  a
escória  que  está acabando com o mesmo Brasil? É  no  mínimo
ingenuidade esperar alguma coisa boa desse tipo de aliança.
Tenho um livro de contos, ÓDIOS (www.paubrasil.com.br/odios),
na  Internet,  que  tem  como tema essa  nossa  "irrealidade"
brasileira.
Literatura  -  é o que tem de mais interessante  no  site  da
artepaubrasil. A minha intenção é de ampliar a cada dia,  não
parar  nunca.  O  site tenta mostrar como é ser  um  escritor
através  do  escritório na primeira página. Lá, por  exemplo,
quando  o  visitante clica na lata de lixo, vai descobrir  um
pouco sobre as alegrias e tristezas do ofício de escritor.  E
encontrará muitas outras atrações literárias.
Administrar um site como o da artepaubrasil é uma felicidade.
Recebo  cerca  de  200 e-mails por dia, reencontro  amigos  e
clientes,  vendo  muitos livros - muito mais  do  que  quando
tinha  as  três livrarias no auge da artepaubrasil em  outros
tempos  antes do FHC. Tenho o meu próprio canal de  vendas  e
divulgação.  São mais de 70.000 visitas por  mês  e  agora  a
artepaubrasil vai estrear no UOL - assinamos duas  parcerias:
comercial  e  conteúdo, o que vai aumentar  a  divulgação  do
nosso   site  e  oferecer  melhor  desempenho,  pois   também
estaremos estreando em servidor próprio.
B  -  A  Arte Pau-Brasil também é uma editora. Como foi  este
trajeto  do  papel à web? Como é ser editor?  Como  surgiu  a
coleção "Janela do Caos"?
AA  -  Somos também uma pequena editora, no momento com  suas
atividades editoriais suspensas até terminarmos a implantação
da  artepaubrasil  na Internet. Apesar  de  ter  um  catálogo
pequeno,  a  artepaubrail já ganhou o  Jabuti   -  prêmio  de
melhor  produção editorial - coleção ptyx, e  editou  grandes
nomes  como César Vallejo, Eugen Gomringer, Borges, Mallarmé,
etc. e gente nova e boa, como o Donizete Galvão. Estamos  com
idéia  de  voltar às edições ainda neste ano, com edições  em
papel  -  livro  mesmo,  de verdade, que  se  possa  folhear,
dobrar,  riscar, sublinhar, carregar para qualquer  lugar,  e
não  necessita  de bateria nem de tomada. A edições  virtuais
vão  continuar,  mas apenas como aperitivos  dos  livros  com
versão em papel ou na gaveta.
A  função  de  editor, no Brasil dos últimos tempos,  tem  se
confundido  com  a do gráfico. Acho que por causa  disso  que
surgem tantas novas editoras. Edita-se qualquer coisa,  desde
que o autor pague tudo. Então o editor deixa de ser editor  e
vira  uma  espécie  de  "intermediário do  gráfico",  fazendo
livros  sob  encomenda e, em muitos casos, a qualidade  só  é
possível  ser reconhecida na produção gráfica. Entremos  numa
livraria  e  logo encontraremos belos livros, bem produzidos,
mas o conteúdo não diz nada, é fraco.
Ontem  mesmo  estava  vendo  uma entrevista  com  Jorge  Luis
Borges, feita por Thiago de Melo. O autor de Aleph, ao  final
da  entrevista, vê com humildade alguns livros e  poemas  que
escreveu.   Alguém,   que   estava  comigo,   duvidou   dessa
demonstração de humildade. Comentei que Borges havia sido  um
grande  leitor antes de se tornar um grande escritor; e  quem
leu  Dante, Cervantes, Conrad, Stevenson, Flaubert, claro que
ficaria constrangido em falar da própria obra, mesmo sendo um
Borges.
Apenas  um estúpido pode se achar genial nos dias de hoje.  E
isso  ocorre com muitos novos escritores e editores. É  comum
encontrarmos editores e escritores que nunca leram uma  linha
de Machado de Assis.
A  coleção  "Janela  do Caos" é da editora  Nankin.  A  nossa
coleção  de  poesia  chama-se AH!, a partir  de  uma  leitura
visual   do  poema  amor/humor,  de  Oswald  de  Andrade.   E
atualmente  está  parada no número 7, mas  será  retomada  em
breve.
B  - Há um lugar no seu site para revistas literárias. Qual a
importância destes veículos para a cultura brasileira?
AA  -  Temos  um  lugar no site para divulgação  de  revistas
literárias.  São mais de 50, com os endereços e  contatos.  A
revista  cumpre  um  papel importante:  mostrar  o  que  está
acontecendo   na   literatura.  Gosto  de  folhear   revistas
literárias - descubro muitas coisas boas nelas que me  ajudam
a atualizar o site.
B  -  Como  é  fazer livros virtuais? É o fim do papel?  Como
encara a questão?
AA  -  Como  já  disse, edições virtuais são aperitivos,  uma
amostra da obra, que poderá ou não ter uma versão em papel  .
É  melhor ter uma edição virtual (parcial) na Internet do que
manter  o livro na gaveta, longe de qualquer leitor. A  minha
edição  virtual  do  livro  de  haikais  OS  OLHOS  DO  LAGO,
www.paubrasil.com.br/olhos,  Internet, já teve mais de  4.000
visitas  em 2 anos, e muitos e-mails. É claro que desejo,  um
dia,  fazer  uma  versão em papel, e é  assim  que  encaro  a
questão:   livro  de  verdade  é  aquele  feito   de   papel,
encadernado, abrigado por uma capa dura.
B  -  Qual  a  importância de Borges, Mário de Andrade,  José
Paulo  Paes  para o ser humano que é? O que é a leitura  e  a
literatura na formação de um homem?
AA  -  Adoro alguns escritores, entre eles: Machado de Assis,
Borges,  Mário de Andrade, José Paulo Paes e Paulo  Leminski,
Valéry.  Eles  escreveram livros que humanizam, entretém,  de
bom gosto, inteligentes, criativos, instigantes, e cheios  de
felicidades.  E assim, cercado destes autores  e  livros,  eu
cuido da artepaubrasil.
O  que é a leitura e a literatura na formação de um homem? Na
minha  vida  é a coisa mais importante: não sei viver  sem  o
livro, sem a literatura, sem ler um poema ou um conto.
Nunca  fiz  vitrine com livros do Paulo Coelho -  considero-o
insuportável   em  todos  sentidos,  até  mesmo   dando   uma
entrevista na tv: um bobo, sem senso de ridículo. Não consigo
entender como se dá tão bem. Tenho um conto tratando  do  tal
"Universo que conspira..." no ÓDIOS; uma brincadeira  com  as
bobagens que esse "mago" fala por aí.
Nos  tempos da livraria do Bexiga, quando saiu um dos  livros
do  Paulo  Coelho,  não  me  lembro  qual,  era  tanta  gente
comprando que resolvi folhear. Não passei da décima página. A
impressão  que tive foi de que ele escreve costurando  frases
copiadas  de pára-choques de caminhões (e escolhe as  piores,
por sinal).
B  - "Para ler o bom uma condição é não ler o ruim: porque  a
vida  é  curta  e  o  tempo  e  a energia  escassos."  Arthur
Schopenhauer antes de José Paulo Paes também dizia  o  mesmo.
Como encara a afirmativa? Ler os bons não é se fechar para os
novos?
AA - Concordo com Schopenhauer (a frase é dele). Uma condição
é  não ler o ruim, porque o tempo e a energia são escassos, e
também  o dinheiro, principalmente no Brasil de hoje. Lembro-
me  de que antes do governo FHC, muitos clientes, leitores de
poesia,  passavam  uma  vez por mês na livraria  e  compravam
vários livros, uma parte com nomes conhecidos, clássicos, e a
outra  com poetas novos, nomes desconhecidos. Com o  real  do
FHC isso acabou. Agora, quando alguém tem algum dinheiro para
gastar  com poesia é obrigado a escolher (1) livro,  e  assim
ninguém arrisca comprar um autor novo, desconhecido  -  e  aí
não  importa se é bom ou ruim. Eu também sou obrigado a fazer
o  mesmo.  Antes podia comprar muitos livros, agora só  posso
comprar um ou outro, e a compra ficou seletiva.
B  -  Quem é o escritor brasileiro? Um CD custa o mesmo preço
de um livro. Por que insistem em dizer que o livro é caro?
AA - O escritor brasileiro é um herói.
Insistem em dizer que o livro é caro porque ele é caro mesmo,
no  Brasil.  O livro é caro porque muitas editoras  funcionam
como "intermediárias de gráficas" - não ganham com a venda do
livro e sim com a produção do livro. O livro é caro no Brasil
por  causa  de  uma série de motivos que desde que  estou  no
mercado  editorial  são apontados, mas o livro,  no  entanto,
parece cada vez mais distante de um público maior.
B   -   O  que  pensa  sobre  a  matéria  que  saiu  na  Veja
ridicularizando os poetas?
AA  -  Não  li. Não gosto desta revista. Há anos não folheio,
nem  sequer  perco  tempo para espiar a capa  numa  banca  de
jornal.  Certamente deve ter sido uma daquelas matérias  para
provocar polêmica e aumentar as vendas. Soube também  de  uma
outra  matéria sobre o cinema, mostrando apenas lado  ruim  e
esculhambando  com  o cinema brasileiro, colocando  todos  os
projetos e cineastas num mesmo saco. Eu não leio esta revista
há  mais  de 10 anos, nem quando estou esperando  a  vez  num
dentista ou médico.
B - Que fascínio os animais gatos exercem sobre você e alguns
escritores em geral?
AA  -  No  site da artepaubrasil, no escritório do  escritor,
vamos  encontrar um gato dormindo na poltrona. Clicando nele,
o  visitante entrará numa seção onde é possível encontrar  um
pouco  da  presença do gato na literatura: poemas,  contos  e
máximas com o personagem "gato".
Tenho uma gata, a Raísa, que é a estrela da página. Os poemas
são belíssimos, destaco os de Manuel Bandeira e Pablo Neruda.
E  descobre-se  que  o  gato parece ser  mesmo  o  animal  de
estimação preferido dos escritores. Raísa, por exemplo, passa
todo o tempo aqui do lado, entre o computador e os livros.  É
uma  companhia constante, silenciosa, fiel, mesmo  que  tenha
que  atravessar a madrugada. Só acho que não devemos exagerar
no  convívio com este animal, tentando transformá-lo em  algo
além  do  bicho,  como vestindo-lhe roupas,  etc.  Outro  dia
fiquei contente em descobrir fotos de Borges com um gato.
B  -  Você  é  poeta. "Silêncio./O passeio das nuvens/E  mais
nenhum pio". Gosta do haicai? Fale sobre.
AA  - O haikai me aconteceu por causa de uma brincadeira.  No
Centro Cultural de São Paulo eram realizados, todos os  anos,
encontros de haikais, organizados por uma revista japonesa  e
pela  Fundação  Brasil-Japão.  Certa  vez,  por  brincadeira,
inscrevi  um  haikai que brincava com o nome da  poeta  Alice
Ruiz, que estava no júri:
Luz amarela no quarto dela
Ali se espera
que um sonho entre pela janela
Não  queria  concorrer oficialmente, apenas mandar  o  haikai
para  a  mesa  a  fim  de que caísse nas  mãos  dela,  mas  a
organização  não  aceitava  sem  a  inscrição.  E  ganhei   o
concurso. Até hoje não acho que ele seja um haikai,  mas  por
causa dele, durante algum tempo, fiz mais haikais, pois havia
ganhado o Jabuti com a produção editorial da ptyx e a gráfica
me deu de presente a impressão de um livro meu. E assim, eu e
Camila  Jabur, minha companheira na época, começamos a  criar
um livrinho de haikais intitulado DIA e NOITE, que girava nas
mãos do leitor, ela com 12 haikais sobre a noite e eu com  12
outros sobre o dia. Mas surgiram muitos outros haikais e  Dia
e  Noite  virou  um  dos quatro livrinhos  de  uma  caixa  de
haikais: HÉ. 500 exemplares se esgotaram em 2 meses.
O haikai que mais gosto deste livro:
terreno baldio
o poente
e uma placa: vende-se
B - Você deve ter alguma epígrafe que o acompanha. Cite-a?
AA  -  Gosto  de  epígrafes. Em muitos livros,  que  folheio,
apenas  as  epígrafes são interessantes - a melhor parte.  No
meu  livro ÓDIOS, a epígrafe é de Carlos Drummond: "Todos  os
dias  a  imaginação confere seus limites,  e  conclui  que  a
realidade ainda é maior que ela."
B  -  Qual  o  papel  do  escritor, do editor,  do  homem  de
literatura para a sociedade?
AA - Fazer bons livros, o que não é fácil.
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