ENTREVISTA COM WILSON BUENO
Wilson Bueno, escritor, é autor de “Bolero’s Bar” (Criar
Edições, 1986), “Manual de Zoofilia” ( Noa Noa, 1991), “Ojos
de Agua” ( El Territorio, Argentina,1991), “Mar Paraguayo” (
Iluminuras, 1992) ,“Cristal” ( Siciliano, 1995), e “Pequeno
Tratado de Brinquedos” (Iluminuras,1996). Acaba de publicar,
também pela Iluminuras, o livro “Jardim Zoológico”. Foi
editor-assistente da revista “De Azur”, publicação literária
de expressão anglo-hispânica, editada pela Columbia
University, em Nova Iorque/EUA. Cronista semanal dos jornais
“Folha do Paraná”, principal diário paranaense e de “A
Notícia”, a mais importante publicação catarinense.
Colaborador do Caderno 2 de “O Estado de S. Paulo”.Integra
inúmeras antologias nacionais e internacionais,com destaque
para “Medusario”, onde representa o Brasil ao lado de Paulo
Leminski e Haroldo de Campos (Fondo de Cultura Económica/
México, ). Criou e dirigiu por oito anos o jornal de cultura
“Nicolau”, conquistando para o tablóide, em seu tempo à
frente da editoria, quatro prêmios nacionais e um
internacional.
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Como construiu o escritor que é hoje?
- Posso dizer que foi uma lenta e meticulosa procura de um
“sentido” para viver, pra existir cá neste mundo insensato.
Não que tenha havido um propósito deliberado, digamos assim,
de “construir” o escritor, como você coloca na sua pergunta.
O escritor foi surgindo na exata medida em que a vida foi
solicitando de mim um “sentido”. E junto com esta busca, a
cada vez, o gosto, o prazer do texto, a epifania da escrita.
Difícil escavar a pedra bruta, muita vez só com as unhas das
mãos, para dali extrair quem sabe uma esmeralda viva. Há
textos que são esmeraldas vivas e não que eu tenha chegado a
alguma, mas sei que isto é possível. É da natureza da velha
ars literaria esta e outras amplas possibilidades. É preciso
amor ao texto como se ama a um homem ou a uma mulher...
- Há muita diferença entre escrever para o público infantil e
para o adulto?
Olha, eu só tenho um livro destinado exclusivamente para as
crianças, embora muitos de meus textos, sobretudo a parte
zoofílica, as fábulas principalmente, possam ser lidos por
pessoas de 0 a 100. Mas o meu único livro digamos “infantil”,
estrito senso, se chama “Os Chuvosos” e acaba de ser
publicado, em edição artesanal-luxo, pela Tigre do Espelho,
da poeta e designer gráfica Jussara Salazar. Mas, acredite,
não escrevi “Os Chuvosos” pensando especificamente nas
crianças, pelo contrário – era até, em princípio, para
integrar o meu livro mais recente, “Jardim Zoológico” (
Iluminuras, 1999) que não é propriamente um livro infantil,
não é? Mas aí deliberamos, eu e Jussara, que o livro seria
destinado às crianças e como eu o tinha escrito para uma
menina, Kaira, então com 5 anos, e tinha a ela dedicado o
texto, “Os Chuvosos” ficou sendo mesmo um título de
literatura infantil... Não sei se respondi sua pergunta,
mas, em síntese, tudo para mim é o prazer do texto. Divirto-
me tanto com “Finnegans Wake” quanto com as estórias dos
Irmãos Grimm, e decididamente não penso, quando de minha
fatura literária, pessoal, para quem eles, os textos, se
destinam...
- Seu mais recente livro é “Jardim Zoológico”, que acaba de
ser publicado pela Iluminuras. O que há de novo em seu
trabalho?
Dentro de uma linha evolutiva, se assim podemos dizer, de
minhas zoolatrias, que começa lá atrás, em 1991, com “Manual
de Zoofilia” ( Noa Noa) onde discuto a mito-poética do amor
erótico humano a partir de bichos como cadelas ou corvos,
elefantes ou polvos, moscas ou colibris, “Jardim Zoológico” é
um momento agudizado daquela vertente. Não fiz por menos –
decidi inventar e/ou inventariar novos bichos para, a partir
de sua forma e conteúdo, refletir sobre a pobre condição
humana. Ali onde havia um pardal, digamos, instaure-se, por
exemplo, os giromas; ali onde, arisca, cheia de nosso presto
amor com raiva, se atocaiava uma raposa, coloque-se em seu
lugar, os guapés, micro-cães menores que um dedo humano e
seus filhotes inverossímeis. Penso que o Jardim é mais
filosófico que o Manual, mais maduro também, embora, alguns
exagerados, considerem o livrinho editado pela Noa Noa e que
mereceu recente uma segunda edição pela editora da UFPG, a
melhor coisa que fiz até hoje, chegando ao cúmulo de
classificá-lo como obra-prima, – esta palavra perigosa – ,
o que é, evidente, uma inverdade...
- Quem assina o prefácio de “Jardim Zoológico” é Arnaldo
Antunes. A letra de música é poesia?
No meu entender, a poesia está em tudo o que se queira como
poesia. Nos filmes publicitários, nas bulas de remédio, nos
out-doors, nos muros da cidade aflita, na prosa de Goethe ou
nos sonetos de Machado de Assis. Como não estaria nas letras
de música, com nossos poetas-compositores, nós que somos um
país musical e que acrescentamos ao mundo insuspeitadas
essências nesta área – do samba à bossa-nova, do tropicalismo
ao frevo? Agora, há letras de música e letras de música; como
há sonetos de Machado de Assis e sonetos de J.G. de Araújo
Jorge...
- Com quantas metáfora se faz um poema?
Responderia a esta pergunta com uma utopia e novas perguntas
– haverá a vez de um poema sem metáfora? Como seria um poema
destituído de toda metaforização? Será possível um poema
assim esquizofrenicamente colado ao real feito uma segunda
pele? E que poesia é esta que não trans-figura? Tal poema
seria, para não fugir da metáfora, só a sina de ser, rude
como um coice...
- Borges dizia que se há um telefone sobre a mesa e ele não
tem função, a sua presença num romance é dispensável.
Concorda?
Em gênero, número e grau. Este telefone exemplificado por
Borges pode até não tocar, ninguém usá-lo para fazer uma
ligação, mas a sua função visceral tem que ser dada. Este
telefone recortado na ambiência do texto terá que dizer algo
e desde já deduzimos que não será qualquer coisa, e que mesmo
que seja qualquer coisa isto tem que estar conectado ao
corpus do texto feito uma fatalidade.
- Como você vê 18 páginas de “Mar Paraguayo” ( Iluminuras,
1992) ter sido incluídas numa das mais importantes antologias
latino-americanas dos últimos tempos que é “Medusario” (
México, Fondo de Cultura Económica), organizada por Roberto
Echavarren e José Kozer?
É preciso lembrar que lá também estão fragmentos de
“Galáxias”, de Haroldo de Campos, e também fragmentos do
“Catatau”, de Paulo Leminski – igualmente como representantes
do Brasil na antologia. Acho que está mais do que na hora de
a literatura brasileira, uma das literaturas mais ricas do
mundo, ser ao menos conhecida pelos nossos vizinhos de língua
hispânica. É incompreensível que não nos conheçam ou nos
conheçam muito pouco. E quando travam contato com as nossas
coisas, veja-se o exagero e o deslumbre – vão logo nos
antologizando de um modo generoso e inteiro, como agora, com
Medusario. A se destacar, o grande pequeno ensaio que
introduz “Mar Paraguayo” na antologia, uma visada aguda e
inteligente sobre o texto, realizada pelo crítico Roberto
Echavarren. Estar ali, ao lado das mais importantes
expressões da nova literatura latino-americana, além da
honra, tem me dado grandes alegrias.
- .Como encara a Internet? Como utiliza a web? O livro corre
perigo?
O livro só tem ganhado com a Internet. Nunca a literatura
encontrou um meio tão pródigo em propagandeá-la, em
multiplicá-la. Não é difícil hoje você ter acesso à poesia,
digamos, servo-croata, bastando para tanto um endereço
eletrônico e um movimento de “enter” em seu teclado. E,
depois, tem o inglês, este esperanto vitorioso, que nos leva
aos quatro cantos da Terra, pelas teias da web. Não viveria
hoje sem a Internet – ela passou a se constuir numa coisa
essencial em minha vida. É nela que pesquiso, converso, bordo
e danço... E, sobretudo, é companhia, quando, tarde da noite,
a prática de urrar, cá no meu estúdio do arrabalde
curitibano, leva-me a muitas modulações de uivos – longos,
stacattos, curtos e agudos, ou graves e solenes feito o
balir de um cervo em agonia...
- Tem alguma epígrafe?
Tenho muitas, mas gosto particularmente da que inscrevi ao
pórtico de “Manual de Zoofilia” e que é atribuída a
Shakespeare – “A planta chamada mandrágora é afim com o reino
animal porque grita quando é arrancada e esse grito pode
enlouquecer quem o escuta.”
- Qual o papel do escritor na sociedade?
Nossa função, penso, é não deixar nunca que a superfície
chapada das coisas vigore, ou se revigore. O compromisso do
escritor é com o lúdico, com o in-útil essencial da vida.
Brincantes e mágicos, feiticeiros e inventores, os escritores
temos que estar atentos para que a linguagem não congele em
fórmulas exitosas. Necessário o gosto e o gozo do texto
sempre novo, o ar, a nova aragem. Numa sociedade que tende à
estagnação da linguagem, o escritor é aquele demônio capaz de
revirar o tempo todo, revirar esta mesma linguagem para que
ela não pereça nem morra de preguiça ou pelo uso congelado de
sua repetência. O olhar do escritor tem que estar sempre e
invariavelmente na direção do horizonte...
Quem se dedica a buscar, está sempre encontrando.
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Osso para Wilson
Penso em Wilson Bueno
como um osso ao relento,
nu e núbil como um osso
a esmo.
Osso que se bastasse
de sua óssea alvura,
nu e núbil de sua própria
lua.
Osso que se recusasse
à sina que o paparica
e se adornasse de sua
própria adrenalina.
Osso à deriva, a dedilhar
seus venenos como uma
visita.
Osso Wilson Bueno.
Ouço sua cítara.
Jamil Snege
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Bibliografia – Wilson Bueno
“Bolero’s Bar” ( Criar Edições, 1986).
“Manual de Zoofilia” ( Noa Noa, 1991/ Editora da UFPG,
1997).
“Ojos de Agua” ( El Territorio, Argentina, 1993).
“Mar Paraguayo” ( Iluminuras, 1992).
“Cristal” ( Siciliano, 1995).
“Pequeno Tratado de Brinquedos” ( Iluminuras, 1996).
“Medusario” ( antologia, Fondo de Cultura Económica,
México,1996).
“Os Chuvosos” ( Tigre do Espelho, 1999).
“Jardim Zoológico” ( Iluminuras, 1999).