Balacobaco
Planeta Terra
Rio de Janeiro

ENTREVISTA COM Cecília Costa
Cecília por Cecília
Estudei Literatura na UFRJ e História na UERJ   e   apesar de
escrever muito, poesia e prosa, nunca publiquei nada e cai na
Economia,  ou  seja  durante mais de 20  anos  fui  repórter,
subeditora   e  editora-adjunta  de  Economia.   Não   queria
enfrentar  a literatura, profissionalmente, por medo  dela  e
por  paixão.  Acho muito colada no meu coração.  Há  um  ano,
porém,  estou  no  Prosa & Verso para meu  intenso  prazer  e
sofrimento.  Era  mais  fácil  falar  de  juros,  moratórias,
dívidas interna e externa do que de Balzac, escritor que amo,
um  monstro que deu início ao romance moderno, ou de Fernando
Pessoa,  outro  gênio. Mas é preciso enfrentar  a  vida  e  a
literatura  faz  parte da minha, como água  e  ar.  Bem,  sou
casada com o poeta Ivan Junqueira e tenho um filho.
Balacobaco - Há uma relação "conflitante" entre escritores  e
jornalistas.  jornalista é apenas o divulgador? ou exerce uma
função  tão  importante  quanto a do  escritor?Como  vê  esta
relação?
Cecília  Costa  -  Jornalista  é  jornalista  e  escritor   é
escritor.  São  duas  funções  que  se  confundem,  quando  o
jornalista pode ter dom para ser escritor - e muitos o  serão
no  futuro  - mas que na atividade profissional diária  estão
absolutamente  separadas. O jornalista  tem  que  divulgar  o
trabalho  do escritor, para despertar o interesse do  público
pela obra literária. Quando não gosta de determinado livro, é
livre  para  criticar.  Mas o que pode criar  divergências  é
quando  estas  críticas são feitas por má  fé,  criticar  por
criticar.  É claro que é muito fácil descobrir apenas  falhas
na obra dos outros. Mas deu trabalho escrever. Sofrimento, às
vezes.   Por  isso  este  trabalho  não  pode  ser  criticado
levianamente, apenas devido ao poder concedido  a  quem  está
ocupando,  em  determinado momento da  vida,  uma  função  de
jornalista literário.
B  -  O  que  um  jornalista  deve  ter  para  trabalhar  com
literatura?   Qual   curso  deveria  ser  essencial:   o   de
Comunicação ou a formação em Letras?
CC  -  Eu fiz Letras, porque amava literatura. Mas creio  que
também  um jornalista formado em Comunicação poderá fazer  um
bom   jornalismo   literário,   porque   o   mesmo   critério
jornalístico que leva um repórter a descobrir um furo, no dia
a  dia, leva também a descobrir um bom livro a ser resenhado.
Agora,  é  importante,  tanto num caso  como  no  outro,  ter
formação, ler, gostar de livros. Porque ler é importante para
qualquer  ser  humano, e sobretudo para  quem  vai  viver  da
palavra.
B  -  Falta  coragem aos cadernos culturais para  pelo  menos
serem   o  que  eram  no  passado,  quando  revelavam   novos
escritores.  Por  que é mais importante publicar  uma  coluna
"dos dez mais vendidos" do que dois poemas ou um conto
de um escritor iniciante?
CC  -  Não  acho que uma coisa exclua a outra.  É  importante
apresentar  uma  coluna de mais vendidos para  que  o  leitor
tenha  noção do que está sendo comprado e lido em  seu  país,
como também é importante criar espaço para estreantes. Só que
os  cadernos  literários  são pequenos.  Pequenos  diante  do
mercado  editorial  brasileiro,  que  não  pára  de  publicar
livros.  Eles não podem espelhar o que está sendo  publicado,
quanto  mais o que ainda não foi publicado. E nem todo  autor
estreante  vale a pena ser publicado. Escrever é algo  sério.
Não basta colocar uma palavra depois da outra, e achar que  é
um poema ou um conto.
     
B  - Quem faz a pauta do Prosa e Verso? são as editoras ou os
jornalistas de O Globo?
CC  -  O  que você acha? Esta história de que editora  faz  a
pauta  é  uma  das maiores besteiras que ouvi.  E  ouço.   As
editoras dizem o que vão publicar. E nós decidimos, com total
liberdade, dar o que achamos importante. Agora, querer que os
suplementos  não  divulguem o que  está  sendo  publicado  no
Brasil   é  ridículo.  Quem  divulgaria  então?  Só   haveria
anúncios?  E  quem  diria o que contém aquele  livro  para  o
leitor?  O  anunciante? É preciso um  crivo,  não?  um  crivo
jornalístico.
B  -  Quais  os pontos fortes do caderno cultural  em  que  é
editora?  O  que vocês cobrem e não tem espaço  no  Mais,  da
Folha? Qual a diferença do Prosa e Verso e os outros?
CC - Eu faço o Prosa & Verso  a partir de minhas escolhas e a
de meus companheiros, Manya e Paulo Roberto Pires, e não fico
pensando  no  que  está sendo feito pelos  outros,  para  não
enlouquecer. Vou pelo meu feeling, dando prioridade à  prosa,
ficção, e ao verso. Gostaria de ter espaço para espelhar  bem
todos  os  campos  da  literatura,  nacional  e  estrangeiro,
clássicos  e  estreantes, e poder também dar  matérias  sobre
sociologia,  história,  psicanálise,  economia,  negócios,  o
vasto  campo das ciências humanas e do conhecimento. Gostaria
ainda  de  poder  fazer um caderno inteiro  sobre  literatura
infantil.  Mas não posso.  Sem anúncio não posso  aumentar  o
caderno.  E os editores querem matérias e resenhas sem  arcar
com o custo do anúncio, o que resulta em menos espaço e menos
resenhas,     atingindo    o    próprio     interesse     dos
editores..
B - Quais os poetas e os escritores fazem a sua cabeça?
CC - Poeta, Manuel Bandeira e Fernando Pessoa.
Li  o  Gullar  recentemente,  todo  ele,  para  escrever  uma
matéria, e gostei de sua vitalidade e transparência.
Baudelaire, Rimbaud, Blake, Eliot, Dylan Thomas e Yeats.
Escritores, Balzac, Balzac, Balzac e Thomas Mann. Machado  de
Assis,  Graciliano  Ramos  e Eça de  Queiroz.  Dostoievski  e
Shakespeare. George Eliot e Virginia Woolf.
B  -  Quem  é o escritor brasileiro? Quais suas qualidades  e
seus defeitos?
CC  -  Existe isso, o escritor brasileiro? O bom  escritor  é
local, regional e universal. A arte não está presa dentro  de
países.  Você  pode ter nascido no interior do  Piauí  ou  na
favela  do Borel, que se fizer um livro com emoção,  palavras
carregadas de sentimento ou desespero, este livro poderá  ser
lido  e  entendido em qualquer lugar do mundo, na  Cidade  de
Deus,  no  Himalaia ou na Terra do Fogo. Agora, se você  quer
uma  diferença,  eu  diria  que o escritor  brasileiro,  fora
algumas poucas exceções, ainda é um ser muito desrespeitado e
marginal  já que sem educação o amor aos livros fica restrito
a  um  segmento  pequeno da população. Com  isso,  é  raro  o
escritor, no Brasil, que pode viver de sua obra.
B  -  Quais  as  revistas  literárias mais  interessantes  da
atualidade? Elas são uma "concorrência de conteúdo"   com  os
caderno culturais?
CC  -  Há espaço para revistas e para jornais.  São segmentos
diferentes. São poucos no país que têm dinheiro para  comprar
um  jornal  e  várias revistas por mês. Quanto mais  revistas
culturais, melhor. E quanto mais cadernos culturais,  melhor.
É preciso abrir espaço para o livro.
B  -  Com a criação do Prosa e Verso o Segundo Caderno  pouco
fala de literatura. Como encara tal fato?
CC- A equipe é pequena - somente três pessoas -  e o Prosa  e
Verso  já  é muita responsabilidade para o time de livros  do
Globo.  Mas  sempre  que é possível, quando  temos  tempo  ou
urgência de que saia uma matéria, abrimos espaço para o livro
no  Segundo Caderno, cujo editor  é um escritor e tem o maior
prazer em divulgar autores e livros.
B  -  Você não concorda que, muitas vezes o Prosa e  Verso  é
Prosa  e  Prosa?  O  que falta para a poesia  tornar-se  mais
atrativa pros meios de comunicação?
CC  -  Não é verdade. Os poetas também estão presentes. Demos
uma  capa  para  o  João Cabral, no dia do aniversário  dele,
fizemos  uma edição enorme para Vinicius e para o livro  novo
de  Gullar.   Emily  Dickinson também ganhou  capa.  Torquato
Tasso  foi capa e a Divina Comédia ganhou uma matéria enorme.
E  há  sempre  resenhas sobre livros de  poesia,  de  Salgado
Maranhão,  Pedro  Lyra,  Moacyr Félix,  Suzana  Vargas,  Dora
Ferreira  da Silva, Olga Savary, etc e tal. É preciso  apenas
ter  o  fato ou o livro. Você poderia dizer que falta  espaço
para  estreantes em poesia, o que talvez fosse mais  correto.
Mas  o problema, neste caso, é a falta de espaço, já que  não
há  espaço  suficiente  nem mesmo  para  quem  é  consagrado.
B  -  Como  diz  o  Affonso Romano de  Sant’anna,  os  poetas
invadiram  a  internet.   É o fim do  livro,  do  jornal,  da
revista no seu formato atual?  ou o computador será
apenas mais um meio de comunicação?
CC  -  O  computador e a Internet nunca matarão  o  livro,  o
prazer  de  manusear   páginas,  ler  confortavelmente   numa
poltrona  ou  na  cama,  antes  de  dormir.  A  Internet,  ao
contrário,  permite a criação de uma biblioteca universal  de
referência,  onde  o leitor encontrará informações  sobre  os
livros que ama. Mas duvido que quem goste de ler poesia  terá
o  mesmo prazer lendo uma poesia numa fria tela de computador
em substituição à quente folha de um livro.
B  -  Muitos  escritores brasileiros  reclamam  da  falta  de
divulgação...  afirmam  que  são  preteridos  em   prol   dos
estrangeiros... Como dar voz ao escritor brasileiro?
CC  - Essa é uma reclamação contumaz, assim como dizer que  o
suplemento só divulga o que querem as editoras. Eduardo Bueno
é  um  fenômeno nacional. Paulo Coelho também. Toda a coleção
Plenos  Pecados  da  Objetiva vendeu e vende  bem.  Há  best-
sellers  nacionais.  Há  best-sellers  estrangeiros.  Durante
quatro  números  seguidos  demos  capa  para  quatro  autores
nacionais,  como Autran Dourado, Ana Maria Machado  e  Ariano
Suassuna.  Às vezes ocorre também uma sucessão de  capas  com
estrangeiros,   por  problemas  acidentais  -   pautas   mais
urgentes,  mas sempre tentamos dar espaço aos dois,  tendo  a
preocupação de balancear. Se existe uma crítica a fazer neste
campo, do meu ponto de vista seria o seguinte: eu acho que as
editoras  dão  preferência aos estrangeiros, mesmo  novos  ou
estreantes,  por  terem a mística de serem estrangeiros,  uma
espécie  de colonialismo cultural. Ou um problema de mercado,
compra  de  títulos no exterior em pacote. Mas não creio  que
haja esta preferência nos suplementos literários. E mesmo  se
dissermos  isso  a um editor, ele reagirá,  não  aceitando  a
crítica,  já  que luta para ter em seu catálogo bons  autores
nacionais.
B  - Por que as resenhas são sempre elogios. É uma tática  de
marketing?  Não é pequeno o espaço para discutir a  realidade
literária?
CC  -  Eu  sou  contra a crítica destrutiva. Se gosto  de  um
livro, falo bem dele. Geralmente até só escrevo sobre  o  que
gosto.  São poucos os brasileiros que lêem. Se tudo o  que  é
publicado  você  diz que é uma porcaria, vai estimular  menos
ainda  o leitor de revista ou jornal a ler um livro. Eu quero
atrair  o leitor para o livro. O bom livro. Por isso,  quando
acho que um livro é muito ruim para merecer uma resenha,  não
peço  a resenha. Náo tenho espaço para isso. Mas às vezes  um
resenhador  vë  pontos bons e pontos ruins  em  um  livro.  E
escreve  isso, sem problemas. Quanto a discutir  a  realidade
literária, trata-se de uma bela frase. Todos sabemos  como  o
livro  é  caro  no Brasil - já fizemos mais de  mil  matérias
sobre  isso  -  e como o escritor, e sobretudo o  poeta,  são
maltratados, já que o que vende no mercado nem sempre é o que
tem  mais  qualidade.  Agora,  eu  não   promover  discussões
literárias bizantinas. Só as que valerem a pena. E  acho  até
que discussões estéticas ou artísticas deveriam estar mais no
Segundo  Caderno, e não no Prosa e Verso. Caso, por  exemplo,
da  matéria sobre o livro da Heloisa Buarque de Holanda,  que
saiu  no Segundo. O Idéias, que tem este título, por exemplo,
pode ter mais espaço para o debate, não só literário. Prosa e
Verso  deve  dar espaço ao poeta e ao escritor, sobretudo  os
brasileiros,  já  que são poucos os espaços  existentes  para
eles.
B - Um disco é quase o preço de um CD. Poucos compram livros.
O que um CD tem demais e falta ao livro?
CC - É mais fácil ouvir música, mais intuitivo, do que se dar
ao  trabalho de ler um livro, não acha, não? Uma  pessoa  que
não  estudou nada, não sabe quem é Rimbaud ou Carlos Drummond
de  Andrade,  será facilmente impregnada pelo som.  A  música
atinge  o  cérebro  das crianças ainda  não  letradas.  Bebês
dormem  com acalantos. E se agitam com um rock. Já a palavra,
a palavra escrita, exige mais do cérebro humano.
B - Qual o papel de um jornalista para a sociedade?
CC  -  Informar.  Com  liberdade de  expressão.  Para  que  a
sociedade possa fazer suas escolhas livremente, tendo ciência
dos  fatos  e acontecimentos. Sem ser enganada.   Uma  pessoa
livre,  e  informada, vive melhor. Luta  por  seus  direitos.
Exige. Vota melhor. Grita.
     

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