ENTREVISTA COM FRANCISCO LINS DO REGO SANTOS
Chico Lins por Chico LinsCarioca, 41 anos, casado com Juliana, tenho um filho chamado Gustavo que vai fazer no próximo dia 20 de outubro dois anos. Nascido no Rio de Janeiro, passei toda a infância em terras do Paraná, onde aos nove anos me descobri poeta com um poema chamado Solidão. Com a morte de meu pai e o retorno ao Rio, fomos morar com minha avó Naná, quando pude desfrutar da biblioteca de meu avô doada anos depois ao Espaço Cultural de João Pessoa, na Paraíba.Formei-me em Direito pela Cândido Mendes, embora o meu grande sonho fosse a Comunicação. Comecei a trabalhar aos 18 anos, e em 1986 ingressei no Ministério Público de Minas Gerais, exercendo o cargo de Promotor de Justiça em várias Comarcas. Em Juiz de Fora desempenhei a Curadoria de Defesa do Meio ambiente e do Patrimônio Cultural, tendo lá cometido alguns atos poéticos - talvez o melhor de minha poesia - salvei algumas casas centenárias da demolição e algumas paisagens da poluição sonora, hídrica e atmosférica. Agora estou em Belo Horizonte, onde exerço minhas funções na 10ª Vara Criminal. Muitos entendem que seria um cargo incompatível para alguém que se intitula poeta. No entanto, penso o contrário. No contexto em que se vive - um mundo miserável de marginalizados e injustiçados, é preciso cobrar com sensibilidade em qualquer mister. Pedir a absolvição de um inocente; livrar de um longo tempo de cadeia quem já é refém da vida, também é um ato de poesia.Balacobaco - Como surgiu a idéia de escrever INVENTÁRIO DA NOITE?Chico Lins - Grande parte das poesias que integram este meu pequeno Inventário da Noite foram escritas na fase da adolescência. Muitos anos depois, já casado e com um filho - acaso não plantei, decerto salvei algumas árvores - me veio a idéia de reuni-las em um livro. Inicialmente, sem uma maior reflexão crítica, pensei publicá-las todas. Após, mais criterioso, exclui muitas; refiz algumas e retoquei outras tantas - atualizando a linguagem, diga-se, mas preservando a essência.B - "Há um momento/em que o mundo é sem tempo.../e tudo é por demais irreal/para que se cogite dos sonhos..." Que mundo é esse?CL - O mundo é isso aí - o que os jornais mostram dele sem precisar dizer nada. Mas mesmo pessimista, ouso crer que amanhã será outro dia...B - Ser neto de José Lins do Rego é ter mais facilidades ou dificuldades?CL - Ser neto dele nunca me trouxe cobranças ou pretensões de qualquer espécie. E, no que diz respeito à publicação do Inventário da Noite, não trouxe facilidades - Muito embora também publicado pela José Olympio - a mesma Editora que cuida dos livros dele, tive que financiar o meu - o que em se tratando de poesia não foge a normalidade - ainda que contasse com toda a atenção e desvelo em sua bela edição.B - O que o poeta deve ter de menino?CL - O Poeta deve ter do menino a naturalidade de ficar olhando para o céu vigiando a pipa como se tomasse conta do mundo sem se preocupar com ele.B - No poema CLONE você nos diz: "sou levado pelo passado/que o tempo não plagiou!". Errar é humano?CL - Como digo em outro verso: "cheiro a pecado e posso pecar".B - Qual a sua relação com a noite? É noctívago?CL - Hoje, homem casado, decerto com menos freqüência exerço meus pendores noturnos. No entanto, minha relação com a noite sempre foi de total entrega e paixão. Acredito que nela estamos desnudos - somos mais autênticos – E como são ricos seus personagens - os andarilhos e as putas; os loucos e os poetas, perambulando pelas ruas em busca de um sentido no destino de seus passos.B - Quais os escritores fazem a sua cabeça?CL - A bem da verdade, não sei se algum escritor ou poeta fez ou faz minha cabeça. Meu gosto é eclético. Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa, Drumond, Thiago de Mello, Ferreira Gullar, Affonso Romano, Vinícius, Cecília Meireles, Bandeira... Não me filio a nenhum movimento ou vertente; não sou adepto de formas fixas ou eruditas; tampouco me distingo pela perícia técnica - seus recursos e efeitos. Minha poesia é essencialmente lírica, sem preocupações de se ater a qualquer parâmetro ou conceito.B - Quem é o escrito brasileiro?CL - Escritor brasileiro é Machado de Assis, mas adoro outros tantos. Sobre meu avô sou suspeito...B - Tem algum mote que o acompanhe?CL - Amar, sobre todas as coisas...B - "Em branco/eu e meu papel/no mundo" é o final do poema EM BRANCO. Há algum papel para o poeta na sociedade?CL - O papel do poeta na sociedade é fazer crer que a poesia existe. É mostrar que todos, sem exceção, somos capazes de cometer atos poéticos.