ENTREVISTA COM CLAUDIO AGUIAR

 

 
Claudio  Aguiar  nasceu  no  Ceará  em  1944.  Estudou   no
tradicional Liceu do Ceará. Mais tarde, a partir  de  1962,
radicou-se  no  Recife,  onde  se  matriculou  no   Ginásio
Pernambucano. Formou-se pela Faculdade de Direito do Recife
(UFPE)   e  doutorou-se  pela  Universidade  de  Salamanca,
Espanha.  Atuou  em diversos jornais como  repórter  e  foi
colaborador literário do Jornal do Commercio e do Diário de
Pernambuco.  Conquistou  mais  de  uma  dezena  de  prêmios
literários  nacionais  e  pertence  a  diversas   entidades
culturais. Em virtude do conjunto de sua obra, em l994, foi
escolhido, entre escritores latino-americanos, para receber
em  Espanha  o  prêmio-homenagem, de caráter internacional,
perante a prestigiosa Cátedra de Poética Fray Luís de León,
da Universidade Pontifícia de Salamanca, ocasião em que lhe
foi outorgado o título de honor pela mesma Universidade.  É
membro  do  conselho editorial de Calibán, uma  revista  de
cultura, publicada no Rio Rio de Janeiro.
Obras:
Exercício para o Salto (contos, 1972)
Flor Destruída (teatro, 1976)
Suplício de Frei Caneca (teatro, 1977)
Caldeirão (romance,1982)
Antes que a Guerra Acabe (teatro, 1985)
Lampião e os Meninos (novela, 1988)
A Volta de Emanuel (romance, 1989)
Os Espanhóis no Brasil (ensaio,1992)
Brincantes do Belo Monte (teatro, 1993)
Os Anjos Vingadores (romance, 1994)
Somba, o Menino que não Devia Chorar
(novela, 1995)
A Corte Celestial (romance, 1996)
Franklin Távora e o seu Tempo
(biografia, 1997)
Mais dados na página do escritor:
http://www.elogica.com.br/users/claguiar
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Você  é  um  poeta  à moda antiga? Como  classifica  o  seu
trabalho poético? O que busca na poesia que a prosa não lhe
dá?
CA  -  A  expressão  “à  moda antiga”  talvez  contenha  um
significado  que não precisa exatamente o que  entendo  por
permanência de uma obra literária, já que esta  decorre  da
atividade  do  poeta.  O  antigo  nem  sempre  quer   dizer
passadismo, assim como o moderno igualmente não quer  dizer
atual. Bastará ver como são atuais os versos escritos  pelo
velhíssimo poeta Homero, que, mesmo sendo discutível a  sua
existência,   ainda  hoje é disputado como  filho  de  sete
cidades  gregas.  O  velho  e o  novo,  o  permanente  e  o
alterável   são   categorias  que   precisam   de   maiores
explicações,  portanto. Costumo dizer que no  termo  eterno
tem  ,  pelo menos, a metade do moderno. Aquilo que  sempre
perdura está contido no modernismo, no pós-modernismo ou em
todos  os ismos que surjam daqui para frente. A moda,  para
usar  uma  lógica  kantiana, é algo que  se  liga  muito  à
imitação  e também à vaidade, à medida em que a pessoa  não
queira  parecer menos ou mais diferente das outras pessoas.
Parece  que, apesar desse esforço, o que fica,  mesmo  após
passar  a  moda (ainda que sempre esteja chegando  um  novo
modismo), é a profunda marca de uma obra, indiscutivelmente
fincada em valores permanentes.
Meu  trabalho poético tem sido muito lento e nem sempre  me
satisfaz. Talvez por isso não tenha, até agora, selecionado
alguns  poemas  para  publicar em forma  de  livro.  (Estou
publicado na internet, revistas e jornais). Busco algo  que
não  consigo encontrar com facilidade, sobretudo na questão
temática.  Surge  a  vontade de dizer alguma  coisa  e,  na
maioria  dos  casos, sinto que a forma é a  poesia.  Talvez
essa  determinação  seja  decorrência  da  necessidade   de
síntese.  Quando  o caso requer análise, então,  recorro  à
prosa.  Ainda que a prosa e a poesia sejam roupagens  desta
busca, tanto numa como noutra a diferença reside mais   nos
meios empregados.
Em  Três Sonetos Metafísicos você escreve: “O melhor é  não
mais  perder  o  tempo,/ainda que eu resuma  num  momento/o
passado e o futuro no presente.” A busca pela eternidade  é
a busca do tempo perdido?
CA –  A busca do tempo perdido, expressão que lembra aquela
densa atmosfera proustiana, não é, necessariamente, a busca
da  eternidade. Se na palavra eternidade fica clara a idéia
do  indefinido,  do indefinível, do infinito,  como  iremos
encontrá-la no plano fenomenológico? É algo parecido com  a
questão  do  tempo, tema que sempre me chamou a atenção.  A
temporalidade  ou a intemporalidade ligam-se à  eternidade,
assunto  tão  difícil   que, entre  seus  vários  símbolos,
aparecem  a  serpente  e o dragão,  este   mordendo  a  sua
própria cauda.
Talvez  o  sentido  dos três versos  de  meu  poema  esteja
próximo daquelas palavras que Lavelle utilizou para fixar a
imagem  ou  a idéia do tempo vivido num “eterno  presente”.
Não  sei.  Isso me parece muito difícil de ser  contestado,
embora  haja   quem  o  faça com argumentos  interessantes.
Aquela  já bem difundida afirmação de Bergson, que rejeitou
a  duração  do  tempo  cronológico, de  alguma  maneira  se
assemelha à velha idéia platônica que alguma vez  lemos  em
Timeu, no qual está dito que o eterno nada mais é do que  a
imagem  móvel da eternidade imóvel. Ninguém jamais  provará
materialmente a existência da eternidade, embora a razão  a
conceba e a ela, com certeza, se referirá sempre.
Há poetas que não escrevem mais soneto. O que há nas formas
fixas que agride e ao mesmo tempo cativa a pós-modernidade?
CA  –  Creio que sempre houve e haverá poeta escrevendo  em
formas  fixas. O mesmo se diga em relação às formas livres.
A  forma  fixa tem sido para os poetas, em todos os tempos,
uma  espécie  de jogo ou desafio. Também joga e  desafia  o
poeta  que  utiliza  outros  recursos  que  não  podem  ser
classificados como “formas fixas”. A música,  por  exemplo,
sempre estará presente na palavra, pois não há palavras sem
som.  O  mesmo se diga em relação ao ritmo, aquela marcação
obrigatória  que chamamos de pés e que se liga  ao  próprio
andar,  os  passos com impulsos fortes e fracos  lembram  a
estrutura da palavra, do verso.
Não  sou  daqueles que pensam que, por causa da  adoção  da
forma fixa ou livre,  cresça ou reduza o valor de um poema.
Sobretudo  porque a liberdade da escrita do  poema,  muitas
vezes,  com o passar do tempo, termina dando origem  a  uma
forma  especial de registrar o poema. Neste  caso,  estamos
diante de uma “forma fixa” também. Quantas vezes diante  de
um  dado  poema  não  dizemos: isso é de  Drummond.  Ou  de
Bandeira. Isso também é forma. O caso do soneto chama  mais
a  atenção pelo fato de ter sido usado à exaustão  desde  o
seu  aparecimento no século XII com o siciliano Giacomo  da
Lentini  para  uns e, para outros , no XIII com  o  francês
Girard du Bourneuil. No entanto, sou de opinião que a forma
não  envelhece a poesia. O que a torna débil e não estimada
é   a   falta   de   talento,  a  imitação  exacerbada,   a
mediocridade.
Não  sei  a que nível de aceitação anda o culto das  formas
fixas  por aqueles que se declaram pós-modernos. Para  mim,
já  é  difícil  saber o que significa ser moderno.  A  pós-
modernidade  é  possível  que  se  relacione  a  uma  certa
dependência  de  ações ou projetos que  requerem  pronta  e
notada  conclusão. Algo vinculado à corrida do  saber  que,
num  certo  momento, termina viciando a lógica das  coisas.
Neste sentido, estou de acordo com Habermas quando diz  que
a  pós-modernidade  seria a complementação  do  projeto  da
modernidade.  Por isso, assinalei a idéia da “dependência”.
Talvez fosse melhor falarmos de necessidade de quebra e  de
imediata  continuidade  do “projeto”.  Às  vezes  do  mesmo
projeto. Não é por acaso que se costuma dizer que todas  as
obras já foram escritas.
No poema Sonho Solar está escrito: “Ainda que o meu tamanho
se agigante,/não vejo nada além do infinito.” O que está no
seu infinito? O que vê nele?
CA  – Em primeiro lugar, eu não tenho infinito. Talvez  uma
leve idéia sobre ele, apenas.  A idéia de infinito, por  si
só,  como  diz o primeiro verso, é a expressão de algo  que
não se pode definir. É imaginar-se uma coisa tão grande que
não  tenha nem começo nem fim... Nada, portanto, pode estar
dentro ou além dela. Parece-me que a velha idéia dos duplos
-  finito e infinito, mundo e imundo etc. - são defensáveis
na  medida  em  que precisamos mensurar as coisas  que  nos
rodeiam.  O  nosso entorno é tão insignificante  diante  do
universo  que,  hoje em dia, o extraordinário  avanço   das
novas  tecnologias só tem servido para nos  revelar  que  o
muito  que  já conhecíamos não será  nada diante das  novas
descobertas  que  vêm  por aí. Estas,  por  sua  vez,  nada
significarão  amanhã. Quem poderá afirmar ou negar  que  as
galáxias se multiplicam indefinidamente?  O infinito é  uma
idéia   indefinível,  mas   necessária  para,  pelo  menos,
expressar nossa perplexidade frente ás grandezas e misérias
das  coisas.  Há  poucos  dias,  diante  das   maravilhosas
revelações   da  mais  recente  conquista   da   tecnologia
espacial,  voltei  a  ler  as famosas  Etimologias  de  San
Isidoro de Sevilla a propósito do mundo e suas partes.  Ali
vi escrito por este santo e sábio espanhol por volta do ano
600  d.  C. que “a terra se move...”, afirmativa  que,  mil
anos  depois,  fez  a  Igreja  Católica  levar  à  fogueira
filósofos  e  cientistas. Galileu Galilei abjurou  de  suas
certezas, embora tenha dito no final que, apesar de tudo, a
terra se move.
Por    que   as   “igrejinhas   poéticas”   dificultam    o
relacionamento  e  a  convivência com  projetos  literários
diferenciados?  Não  deveria ser a  qualidade  literária  a
única forma de avaliação de um texto?
CA   –   Claro  que  sim.  As  igrejinhas  não  são  apenas
“poéticas”,  mas  “literárias” e chegam a outros  patamares
da  vida artística. A qualidade literária de um texto, mais
cedo  ou  mais tarde, termina se impondo. Por mais  que  os
obstáculos  impeçam o seu aparecimento, um dia o  valor  se
impõe.  O  problema é que como a vida é curta, e a  arte  é
longa,  na maioria dos casos, somente outras gerações tomam
conhecimento. A chamada “igrejinha” parece ser  algo  inato
ao próprio homem. A política literária, em todos os tempos,
esteve  vinculada  a  um lamentável  comportamento  do  ser
humano, que consiste em ceder ao fácil, ao poderoso do dia,
às  influências nocivas. Sempre foi assim.  É  da  natureza
humana   adotar   comportamentos  eivados   de   interesses
inconfessáveis.   O importante, porém, é não  se  preocupar
com esses vícios e ver a vida com outras perspectivas.
José  de  Alencar  é uma influência no seu trabalho?  Quais
escritores formaram o escritor que é?
CA – Não sei como José de Alencar possa ter influenciado  o
meu  trabalho.  A rigor não sou uma pessoa de  temperamento
romântico.  Possivelmente  sou  um  tipo  mais  adicto   ao
realismo  social,  sem  radicalizar posições,  claro.  Fico
surpreso  com  essa afirmação.  No entanto, a  crítica  tem
essa  faceta  que gosto: revelar coisas que não  vemos  nem
sentimos  em  nossos  trabalhos.  Wilson  Martins,  um  dos
pouquíssimos críticos prestigiado pela imprensa brasileira,
viu  no  meu romance Caldeirão, a guerra dos beatos,  forte
influência de Guimarães Rosa, circunstância que Franklin de
Oliveira, quem sabe, um dos mais lúcidos  críticos da atual
literatura  brasileira,  não  encontrou  naquele   romance.
Quando foi publicado o meu primeiro livro de contos (1972),
uma estréia sem maiores pretensões, um crítico escreveu  em
O  Globo  que  o  livro  era fraco e não  passava  de  pura
influência de Érico Veríssimo. Como eu era muito jovem  num
primeiro  momento fiquei desolado, mas logo depois descobri
que aquilo não poderia ser verdade pelo simples fato de que
eu,  até então, nunca lera Veríssimo. Mais tarde, eu  soube
que   o   crítico  fizera  aquilo  movido  por   um   forte
ressentimento contra meu editor que havia recusado um livro
dele.  Por  isso, acho que a crítica, em qualquer situação,
nos presta um grande serviço. Quando menos serve para dizer
que, de alguma maneira, existimos. Tenho um grande respeito
pela crítica.
O  que deve ter um texto escrito por  CLAUDIO AGUIAR? O que
jamais estará em sua prosa?
CA – Tentarei sempre ser fiel à vida no sentido mais amplo.
Espero  que  ninguém  nunca  encontre  nos  meus  livros  o
voluntário  silêncio diante da verdade nem tampouco  sinais
de  que  fiz  uma obra para agradar aos  poderosos  do  meu
tempo.
Franklin  de  Oliveira escreveu: “A linha dos romances  que
criam  espaço  para  os  heróis  verticais  encontra  forte
expressão na arte de narrar de Cláudio Aguiar”.  O  Romance
é o lugar de herói? Qual o futuro do Romance brasileiro?
CA  –  Tenho  dito  mais de uma vez que o  romance  é,  por
excelência, nos dias de hoje, um gênero imperialista. Quase
tudo  cabe  dentro  dele. Então, jamais  poderíamos  deixar
somente  para  a  História  o protagonismo  vivido  por  um
punhado   de  poucos  homens  extraordinários.   Todos   os
protagonismos  são  passíveis de aproveitamento  artístico.
Com a vida de um derrotado ou de um vitorioso, de um mártir
ou   de  um herói, de um libertário ou de um opressor,   al
fin  y  al cabo, o artista poderá escrever, um romance,  um
poema, um conto, compor uma música, pintar um quadro, fazer
uma  escultura,  etc. O que não pode faltar  nessa  obra  é
talento e fôlego criadores.
O  futuro do romance brasileiro é o próprio destino do  seu
povo.  Todos  os povos da terra têm um destino  a  cumprir.
Suas  literaturas cuidarão de narrá-lo. Apesar de todos  os
pesares  brasileiros, sou otimista. O  gênero,  até  agora,
sobreviveu  a  todos  os percalços. Para  que  se  acabe  a
literatura é preciso que desapareça a própria raça humana.
Você  tem um site na internet. Como vê a crescente  entrada
de  poetas e escritores na WWW? A internet é a panacéia que
todos pensam?
CA – Não vejo a internet como a panacéia de nosso tempo.  É
preciso vê-la como um meio, assim como o rádio, o cinema, a
televisão,  etc. A televisão, por exemplo, teve  seu  auge.
Muitos  a  julgaram como coisa negativa. No  entanto,  esta
como aquela são meios e não fins. O importante é saber usá-
las.  A  internet,  a  exemplo do papel  que  substituiu  o
papiro, apenas funciona como meio através do qual os homens
registraram  suas  impressões. Quando esses  registros  são
feitos por escritores não vejo razão para temer ou negar  a
eficácia  de  tal  meio. A literatura não  deixará  de  ser
literatura   porque  hoje  começa  a  ser   registrada   ou
transmitida a outros  através da WWW. Quem dirá que  dentro
de pouco tempo não surgirá outra modalidade de comunicação?
A  telepática,  por  exemplo, quando serão  dispensadas  as
máquinas  e  as  formas rudimentares de energia  produzidas
pelas  centrais elétricas? Ficção? Se fosse possível contar
para meu pai as proezas do fax, ele riria de mim. Ele ficou
abismado com a televisão...
O que deveriam ser as editoras? O que querem  os editores?
CA  – Creio que elas deveriam ser, antes de tudo, difusoras
de cultura. Infelizmente, a maioria só pensa em dinheiro, a
mola do mundo.
Agora, espero que algum dia eles voltem a se preocupar mais
com a cultura do que com o vil metal. A atividade editorial
tem  sido  até  hoje  um negócio. Há um leve  movimento  no
sentido  de  que a edição de livros se desprenda  do  tacão
negocial.  Essa  possibilidade, por  incrível  que  pareça,
está chegando com a vulgarização da internet. No dia em que
este  meio  for  tão  lido  que  todas  as  pessoas  possam
comunicar-se, então, os livros entrarão na rede e quebrarão
os  liames  cartoriais  ou negociais dos  editores.  Assim,
teremos dado um passo importante. Algo parecido com isso já
aconteceu com aquele senhor de Gutemberg que democratizou a
impressão e o uso do livro, retirando-o da feitura  manual.
Foi  uma  grande  revolução. A internet está  provocando  a
mesma coisa.
Até  quando  a  polêmica será valorizada por  escritores  e
jornalistas brasileiros? A polêmica está acabando?
CA  -  Não creio que a polêmica esteja morrendo. O que está
acabando,  penso,  é  a presença dela em  alguns  meios  de
comunicação. Com a massificação da comunicação  televisada,
com  a chegada da internet, os jornais redimensionaram seus
objetivos e seus próprios visuais. As imagens, por exemplo,
foram  ampliadas em detrimento da redução do texto.  Até  o
rádio alterou sua programação. Para sobreviver os meios  de
comunicação  tiveram que expurgar de seus  espaços  aquelas
temas  que não se ligam diretamente ao lucro.
A  literatura, hoje, a rigor, só aparece no corpo do jornal
se  for um anúncio. Direta ou indiretamente. Os suplementos
literários  que  tinham  um  sentido  cultural,  educativo,
formativo, hoje, reduzidos, são apenas âncoras do  anúncio.
E a polêmica? Foi expurgada como a literatura.
Não  vejo  a  polêmica  como  um  valor  em  si,  mas  como
conseqüência  de uma discussão na qual sobressaem  opiniões
contrapostas.  Desse  choque  nasce  uma  melhor  visão  de
mundo. A polêmica pela polêmica, no entanto, às vezes, pode
encobrir uma forma espúria de aparecer. Via de regra gera o
escândalo  e não o aprendizado.
Em que trabalha no momento?
CA - Traduzo o livro Vida de D. Quixote e Sancho, de Miguel
de  Unamuno para uma editora carioca. Para tanto  tive  que
interromper um romance que escrevia, mas não me  arrependo.
Depois voltarei a ele.
Tem algum mote?
CA  -  Não tenho nenhum mote, mas costumo dizer que, apesar
de  tudo,  a  vida segue. Às vezes pensamos  tanto  em  nós
mesmos  que esquecemos essa salutar verdade. Estamos vivos,
mas  não somos a vida. É uma forma de lembrar-se que existe
o outro.
Qual o papel do escritor na sociedade?
CA  –  Não basta ver o escritor como um profissional  igual
aos  demais. Chego a pensar que o escritor tem  uma  função
tão  especial  diante de seus semelhantes,  que  não  seria
exagero  afirmar que mais do que as antenas da  raça,  como
advertiu o poeta, o escritor  é a própria energia que evola
e  ultrapassa  os  limites  das antenas,  invade  tempos  e
espaços,  indaga  e  responde,  critica  e  elogia.   É   a
consciência  e  a  inconsciência  de  um  mundo  sempre  em
reconstrução.  Há na obra de todo escritor uma  espécie  de
retomada   de   uma   herança  que  precisa   ser   vivida.
Ilusoriamente  o  artista  é  capaz  de  pensar  que   pode
iluminar o caminho de todos os  mortais e por isso ele age.
Aí  do  homem se o artista não fosse o próprio braço  dessa
possibilidade de continuidade. Se ele alguma vez tiver  que
usar alguma bandeira, deverá recorrer às suas mais efetivas
armas: a palavra.  A sociedade não poderá existir sem  essa
sinalização, sem essa mediação.

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