Balacobaco
Planeta Terra
Rio de Janeiro
ENTREVISTA COM CLAUDIO WILLER
CLAUDIO WILLER é poeta, ensaísta e tradutor. Sua formação
acadêmica é como sociólogo (Escola de Sociologia e
Política, 1963) e psicólogo (Instituto de Psicologia, USP,
1966, onde lecionou até 1973). Além da atividade literária
e na administração cultural, trabalhou, também, em pesquisa
de mercado, consultoria e áreas afins.
Publicou:
Anotações para um Apocalipse, Massao Ohno Editor, 1964,
poesia e manifesto;
Dias Circulares, Massao Ohno Editor, 1976, poesia e
manifesto;
Os Cantos de Maldoror, de Lautréamont, 1ª edição Editora
Vertente, 1970, 2ª edição Max Limonad, 1986, tradução e
prefácio;
Jardins da Provocação, Massao Ohno/Roswitha Kempf Editores,
1981, poesia e ensaio;
Escritos de Antonin Artaud, L&PM Editores, 1983 e
sucessivas reedições, seleção, tradução, prefácio e notas;
Uivo, Kaddish e outros poemas de Allen Ginsberg, L&PM
Editores, 1984 e sucessivas reedições, seleção, tradução,
prefácio e notas; nova edição, revista e ampliada, em 1999;
Crônicas da Comuna, coletânea sobre a Comuna de Paris,
textos de Victor Hugo, Flaubert, Jules Vallés, Verlaine,
Zola e outros, Editora Ensaio, 1992, tradução;
Volta, narrativa em prosa, Iluminuras, 1996.
Lautréamont - Obra Completa - Os Cantos de Maldoror,
Poesias e Cartas, edição prefaciada e comentada,
Iluminuras, 1997.
Prepara-se para publicar seu próximo livro de poesia,
Estranhas Experiências, e uma coletânea de ensaios, O
escritor como personagem - textos sobre literatura e vida.
Em antologias e publicações coletivas, entre outras, Alma
Beat, L&PM Editores, 1985; Carne Viva, coletânea de poemas
eróticos, org. Olga Savary, Achiamé, 1984; Folhetim -
Poemas Traduzidos, org. Nelson Ascher e Matinas Suzuki, ed.
Folha de São Paulo, 1987, com uma tradução de Octavio Paz;
Artes e Ofícios da Poesia, org. Augusto Massi, ed. Artes e
Ofícios - Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo,
1991; Sincretismo - A Poesia da Geração 60, org. Pedro
Lyra, Topbooks, 1995.
Traduzido e publicado no exterior, entre outros lugares, em
Quinta Intermundia, Rassegna di Poesia Internazionale,
1992, coletânea por Márcia Teófilo; Modernismo Brasileiro
und die Brasilianische Lyrik der Gegenwart, antologia da
poesia brasileira por Curt Meyer-Clason, Druckhaus Galrev,
Berlim, 1997; Narradores y Poetas de Brasil, coletânea de
Floriano Martins, revista Blanco Móvil, primavera de 1998,
México, DF.
Poemas e depoimentos, também, em revistas literárias:
Poesia Sempre, Azougue, Alguma Poesia, Anto (Portugal),
Continente Sul-Sur, etc.
Bibliografia crítica formada por ensaios, resenhas,
reportagens e citação em obras de consulta (Afrânio
Coutinho, Alfredo Bosi, José Paulo Paes, entre outros).
Como crítico e ensaísta, colaborou em suplementos e
publicações culturais: Jornal da Tarde, Jornal do Brasil,
revista Isto É, jornal Leia, Folha de São Paulo, revista
Cult, Correio Braziliense, Xilo, etc, e projetos da
imprensa alternativa: Versus, revista Singular e Plural e
outros.
Textos, resumo biográfico, bibliografia e outras
informações em bancos de dados e “sites”: Módulo Literatura
Brasileira, Setor Poesia, do Centro de Informática e
Cultura, Banco de Dados Informatizado do Instituto Cultural
Itau; e em(http://www) dialdata.com.br/casadasrosas
(“Literatura main menu”), harpya.com.br (revista eletrônica
Harpya), livcultura.com.br (Livraria Cultura, seção
Biblioteca Ideal), users.sti.com.br/efres (“site” Pop Box),
secrel.com.br/jpoesia (Jornal de Poesia) e
zaz.com.br/blocos (Revista Blocos).
Depois de ocupar outros cargos e funções em administração
cultural, desde 1994 é assessor na Secretaria Municipal de
Cultura de São Paulo, responsável por cursos, oficinas
literárias, ciclos de palestras e debates, leituras de
poesia.
Dezenas de participações em congressos, seminários, ciclos
de palestras, apresentações públicas de autores, etc, no
Brasil e no exterior.
Presidente da União Brasileira de Escritores em dois
mandatos (1988-92), secretário geral em outros dois (1982-
86), e, ultimamente, presidente do Conselho da entidade.
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B - Ocorre com o surrealismo algo que é mais “extremado”
com o romantismo. Este último ganhou a alcunha de lírica
amorosa. Assim qualquer música que fala de amor é
romântica. São românticos os namorados. Com o surrealismo
sucedeu coisa parecida. As pessoas utilizam o “surreal”
para qualquer ausência de sentido em texto e atos. De certa
forma esta discussão daria um livro. Você poderia fazer uma
mini genealogia, à moda de Nietzsche, e mostrar o por quê
ocorreu a mudança.
Cláudio Willer - Na própria pergunta você indica muito bem
como se processa a diluição, a criação do estereótipo,
associando surrealismo a coisa sem pé nem cabeça, ao
arbitrário, confundindo-o com nonsense. É igual a acharem
que todo poeta é um cabeça de vento. Surrealismo sempre se
apresentou como continuador da rebelião romântica, que,
obviamente, é bem mais do que alguns suspiros profundos ao
luar de mãos dadas. Na revisão da história da literatura
proposta no Segundo Manifesto do Surrealismo, André Breton
diz que o centenário do Romantismo é sua juventude, que
isso, que se chama erradamente de sua época heróica não
pode mais, honestamente, passar senão pelo vagido de um ser
que mal começa a dar conhecimento de seu desejo através de
nós, e que, admitindo-se que aquilo que foi pensado antes
dele - “classicamente” - era o bem, quer,
incontestavelmente, todo o mal. A mesma revisão, entendendo
Romantismo, não como período marcado por algumas datas do
final do século XVIII e meados do XIX, mas como processo,
vertente da rebelião e ruptura, é feita por Octavio Paz em
Los Hijos del Limo, ao falar em revolução romântica,
manifestação da tradição da ruptura, oposta ao classicismo,
distinguindo-a do romantismo oficial dos manuais de
literatura.
B - É possível dizer que qualquer poema tem um que de
surrealista quando utiliza a linguagem poética?
CW - Temos que pensar no surrealismo como movimento de
idéias, voltado para a relação entre poesia e vida. Como
afirmação de valores, principalmente a liberdade de criação
e o poder criador e subversivo da imaginação, assim
expressando a contradição entre poesia e sociedade. E como
um modo de politização dessa contradição, ou uma tentativa
de projetá-la na História. Então, interessa não só a obra,
o texto em si, mas um determinado tipo de integridade ou
articulação entre arte e vida. Daí o surrealismo ter
execrado figuras do mundanismo cultural, da facilitação
burguesa, mesmo com produção artística expressiva, bem como
os sectários, os poetas oficiais do Partidão e afins.
Designo como surrealistas autores que participaram desse
movimento, ou que mostraram ter afinidade com as idéias, e
não só com uma hipotética forma surrealista. Em caso
contrário, acabaríamos enxergando surrealismo em
videoclipes, anúncios criativos e outros exemplos de arte
instrumentalizada.
B - Há um mito de que o surrealismo não teve grandes
poetas. Verdade?
CW - Intelectuais de prestígio andaram dizendo isso, por
aqui. Entre outros, Décio Pignatari. Já tratei disso em
minha entrevista para Azougue. É um completo absurdo. André
Breton. Paul Eluard. Robert Desnos. Benjamin Peret. Aragon.
Jacques Prevert participou. Poetas como Ponge ou Queneau
tomaram outra direção, mas fizeram parte. René Char
participou três anos, nos quais não escreveu nada, mas
disse que foram os três anos mais importantes da vida dele.
Portanto, o melhor da poesia francesa da primeira metade do
século. Na segunda metade do século, uma espécie de
expansão, com mais autores em outras línguas. Octavio Paz.
Vários outros ibero-americanos importantes, que ninguém
conhece aqui, como o argentino Aldo Pellegrini. O antilhano
Aimé Césaire. Mário Cesariny, Antonio Maria Lisboa e outros
grandes poetas portugueses. O norte-americano Philip
Lamantia. Brasileiros que o Brasil não lê, ou cujo
interesse por surrealismo finge desconhecer.
B - Na Azougue você disse “João Cabral na fase final torna-
se o corifeu da escrita a frio, da suspensão da emoção”. E
ainda afirma que a metáfora e a analogia foram substituídas
pela paráfrase. Ainda há a linguagem conotativa. Será que o
futuro colocará a geração atual como sendo parnasianos,
poemas sem poesia?
CW - Há tanta gente escrevendo poesia, e de modos tão
diferentes, que algum historiador futuro talvez venha a
enxergar coisas complemente diferentes daquelas que a
crítica consegue vislumbrar hoje. Mas é bem possível que
nossa época seja vista como dominada por um formalismo, por
sua vez equivalente a um parnasianismo clean, sem todo
aquele preciosismo vocabular, mas norteado pelos mesmos
princípios. A idéia de composição elaborada, da escrita a
frio, descartando a emoção, a inspiração, a possessão,
justificada, não mais pelo parnasianismo, mas pelo
formalismo e construtivismo, ou por generalidades, idéias
mais vagas, declarações genéricas em favor do bom
comportamento literário, da burocratização da escrita, das
quais as mais expressivas são aquelas de João Cabral.
B - O que a falta de um movimento literário provoca na
poesia atual?
CW - Talvez não seja mais tempo de movimentos fechados,
buscando a consistência, como aqueles da primeira metade do
século, e dos quais a poesia concreta, tal como se
apresentava na década de 50, mais algumas outras tendências
formalistas, foram a versão final. Acho que há confrarias,
grupos de poetas que se aproximam por afinidades, por
opiniões, perspectivas, uma poética em comum. Aquela
matéria meio desastrada da Veja, retratando alguns desses
grupos de modo caricato, relaciona-se, contudo, com algo
real. Junto com uma melhor veiculação de poetas, por
revistas como Cult, Azougue, Medusa, Monturo, Inimigo
Rumor, etc, está recomeçando a haver debates, afirmações de
diferenças literárias. Isso é bom anima o ambiente, desde
que associado à veiculação de informação, e não à mera
manifestação de antipatias e simpatias.
B - Você soube da matéria que saiu na Veja ridicularizando
poetas. Como encara a questão. O poeta virou palhaço?
CW - Nossas revistas semanais optaram por dar um tratamento
mais leve, superficial, à literatura, retratando-a como
banalidade. Por quê, não sei. A Veja eqüivale a um,
digamos, Times Magazine, Newsweek, L’Express, em outras
editorias, mas, em cultura em geral, e literatura em
particular, é mais fraca. Na época, julho, em que saiu essa
matéria da Veja, coloquei em circulação um e-mail, dizendo
que, comparando-a com a Cult daquele mês, que tinha um bom
dossiê sobre poesia, mostrando vários poetas jovens, ficava
parecendo que as duas revistas falavam de países
diferentes, sendo que o país de Cult era bem melhor, mais
próximo, felizmente, da realidade. Há bastante coisa
acontecendo em poesia, uma certa efervescência que se
traduz em lançamentos de livros, leituras, as revistas, e
não só uma revista literária de maior porte como a Cult,
mas também Medusa, Monturo, Azougue, Inimigo Rumor, agora
Xilo, somando-se às que já existiam, como Dimensão e
Cigarra, entre outras. Mas a grande imprensa ainda não se
deu conta, não percebeu isso. Agora, quanto à Veja, o que
mais criticaria é terem fugido à discussão. Receberam
cartas reclamando dessa matéria, mas não as deram, não
tomaram conhecimento. Tinham que ter um ombudsman, um
departamento de reclamações como o da Folha e outros
jornais, para dar as devidas explicações sobre essa fuga da
reta.
B - Qual a diferença entre o surrealismo e o realismo
mágico?
CW - Quem apresentou e propôs isso, “realismo mágico”, foi
o prosador cubano Alexo Carpentier, depois de desligar-se
do surrealismo. Em seu prefácio a El reyno de este mundo
(se não me engano - ou foi em El Siglo de las Luces?), ele
afirma (estou simplificando e resumindo) que surrealismo é
coisa de intelectuais de gabinete, algo dissociado da
realidade, enquanto ele, Carpentier, ao relatar
acontecimentos, estava trabalhando, digamos, com the real
thing. Um monte de gente, e não só Carpentier, inventou
falsas separações, tentativas de estabelecer marcos
divisórios, para demonstrar que não estava apenas
reproduzindo o que o surrealismo havia proposto, mas sim,
seguindo trilhos próprios, pessoais. A bibliografia de
afirmações do tipo “isto que estou fazendo não é
surrealismo”, dos anos 20 até hoje, é extensa. A atitude de
Carpentier, embora levada a sério por estudiosos de
literatura e outros escritores, pertence ao âmbito da
política literária, precedendo seu crescente oficialismo,
que o levou à condição de escritor do Estado no final da
carreira. Não eleva em um milímetro a qualidade de suas
narrativas. Desde o Primeiro Manifesto, Breton já afirmava
que surreal mesmo, verdadeiramente, é a própria realidade,
desde que saibamos enxergá-la, e que poesia é algo para ser
vivido. Portanto, até aí, Carpentier e outros “fantásticos”
não diziam nada de novo.
B - Há alguma oposição entre a concisão poética atual e a
abundância transbordada da imagética do surrealismo?
CW - Abundância transbordada, escrita exuberante e
torrencial, escrita barroca, esses qualificativos, quando
aplicados ao surrealismo, são generalizações, estereótipos.
Se olharmos bem, condensação, exatidão, precisão, tais como
defendidas, p. ex., por Ezra Pound, estão presentes na boa
poesia surrealista, tanto quanto na poesia de extração
formalista. Década de 20, Paul Eluard já fazia poemas de
uma frase só, epigramas de imagens, como aqueles publicados
em Capitale de la douleur. Na mesa época, Marcel Duchamp e
Robert Desnos produziam, em parceria, a série Rrose Sèlavy,
frases homófonas, trabalhando só com o significante;
portanto, nem isso é exclusividade dos formalistas. Um
autor capital no surrealismo é Malcolm de Chazal, com Sens-
plastique, de 1948 - é o mestre dos epigramas, poemas de
uma frase só. Outro que é magistral em poemas curtos,
também, e em ironias, é Mário Cesariny. Há muitos outros
exemplos. E, insisto, nos poemas longos também há, em cada
trecho, cada frase, a síntese, condensação, precisão,
exatidão.
B - Você traduziu um livro com poemas de Ginsberg. Quais as
razões da resistência à poesia Beat nos Estados Unidos?
Quais os ecos, no Brasil, decorrentes desta resistência?
CW - A resistência à poesia Beat, aqui e lá, tem a ver com
antagonismos mais gerais, entre o velho e o novo, cultura
acadêmica e cultura rebelde, literatura de gabinete e vida.
A cisão entre uma cultura mais universitária, de scholars,
e outra anti-acadêmica persiste nos Estados Unidos. E aqui,
inclusive com bastante bobagem publicada sobre Ginsberg,
Kerouac, Burroughs, literatura Beat em geral, confundindo
espontaneidade com falta de cultura. Escrevi bastante sobre
isso, em meu prefácio à nova edição L&PM de Ginsberg
B - Hoje os universitários estudam através de textos
xerocopiados. Qual a conseqüência de só estudarmos trechos
e não toda a obra de um escritor?
CW - Utilização de xerocópias no lugar de obras originais,
do próprio livro, é crime, no sentido exato dado à palavra
pelo Código Penal. Professores e instituições de ensino que
promovem isso são, portanto, criminosos, além de
irresponsáveis. O efeito que a disseminação da xerocópia
provoca no mercado editorial é devastador, ao enfraquecer
editoras e livrarias. Ensino de literatura na base de
xerocópia como sinônimo de “pesquisa”, e mais as tais de
fichas de leitura, isso são coisas que estão atrasando o
país, ao ajudarem a diplomar incultos. É disseminação da
ignorância.
B - A crítica é exercida nas faculdades. Será que não há
vida inteligente fora dos campos universitários? Como é a
relação jornalistas e universidade?
CW - A crítica é exercida nas faculdades??? Será? Para mim,
estão preocupados em montar diagramas, aplicar fórmulas,
ensinar a preparar fichas de leitura, uma série de
atividades burocráticas pouco têm a ver com crítica,
entendida como reflexão criativa. Há bastante vida
inteligente dentro dos campi universitários, e fora deles
também. Mas isso não chegou, ou tem dificuldade em chegar
aos currículos e conteúdos das aulas, de um lado, e à
grande imprensa, de outro.
B - Num está muito cedo para uma biografia? Falo da
anarconstrução de nome “VOLTA”, sua recente incursão na
prosa?
CW - Gostei dessa expressão, anarconstrução. Volta não é
biografia. É relato sobre a relação entre poesia e vida,
com bastante casos, momentos, ocasiões, pessoais inclusive,
e não só da história da literatura, em que ambos se
confundem, em que o texto literário tem uma função mágica,
produz realidade, inesperadamente faz acontecer.
B - Como foi o trabalho na tradução da obra completa de
Lautréamont? Como mensurar sua importância relativizando
com as poéticas em voga?
CW - Em 1970, para o centenário de Lautréamont, traduzi Os
Cantos de Maldoror. Em 1986, foi publicada uma nova edição.
E, em 1997, uma obra completa de Lautréamont (Iluminuras),
com um prefácio extenso. Acho que fui cada vez mais fundo.
Desta última vez, forcei mais no sentido de reproduzir
anacronismos, a imitação paródica, feita por Lautréamont do
estilo rebuscado dos discursos acadêmicos, pregações de
oradores religiosos, etc. Não há dúvidas, hoje, sobre a
importância de Lautréamont. Tanto é que a aceitação dessa
última edição, pela crítica, foi muito boa. É claro que
traduzir Lautréamont é uma experiência enlouquecedora.
B - Qual a importância do misticismo, da cabala etc. para a
sua obra? Periga você virar um mago exotérico?
CW - Misticismo, cabala, etc, bem como ocultismo, têm
afinidade com a poesia, pois pertencem à ordem do não-
discursivo, do pensamento mágico, analógico, mítico. Nunca
fui praticante regular, e meu interesse por essas
disciplinas e campos do conhecimento é a partir da
literatura, por suas conexões, muito pouco estudadas (por
causa, principalmente, do viés cientificista predominante
na área acadêmica), com movimentos e modos de criação
literária. Em Volta, eu deixo bem claro que a verdadeira
magia está na poesia. No final, há aquela cena (real,
aconteceu mesmo) de eu ir a uma espécie de encontro de
ocultistas, para dar uma palestra sobre literatura e
ocultismo, recebida com um completo silêncio. Sinal, a meu
ver, da ruptura de um diálogo que existia no começo deste
século, e no século passado (Baudelaire foi, inclusive,
parceiro de Elifas Levi, os simbolistas frequentavam Papus,
Péladan e Guaita, quanto a Yeats, então, nem falar, idem
Pessoa), e que foi muito produtivo, enriquecedor para ambas
as partes, a literária e a oculta.
B - “Poema diagonal” onde conclui “traduzir o
indizível/ontem horizonte/perplexo”. O que não pode faltar,
do ponto de vista teórico, para que um poema lhe agrade?
CW - Do ponto de vista teórico? Um poema me agrada, e até
mais, me entusiasma, se tiver originalidade, ritmo, imagens
poéticas, força, se me disser algo. Teoria vem depois,
nenhuma criação literária se justifica pela metalinguagem.
B _ Um poema pode alcançar a polifonia sem ser pela via
épica? Fale um pouco.
CW - Noções como a de texto polifônico, dialógico, tais
como propostas por Bakhtine, devem ser mais aplicadas à
narrativa em prosa. Tanto é que ele as apresentou em um
estudo sobre Dostoievsky. Em poesia, são óbvias, tornam-se
chavão: não existe poema se ele não for polissêmico, de
muitas vozes, muitos sentidos.
B - “Neste jardim de negações/onde a palavra pede mais
espaço” são dois versos do poema “VISITANTES 4”. A palavra
é sempre afirmação? Como vê a metalinguagem, este espaço
para falar do poema dentro do poema?
CW - Quem escreveu muito bem sobre “poesia crítica”,
refletindo sobre a própria poesia, sobre a palavra, como
característica da modernidade, foi Octavio Paz (no final de
El Arco y la Lira, de Signos em Rotação, e em muitos outros
lugares). Não há mais literatura ingênua, e o poeta pensa o
que está fazendo, e traduz poeticamente o que está
pensando. Isso não conflita com espontaneidade, automatismo
psíquico, inspiração. Enfim, a gente acaba mesmo escrevendo
sobre o que está escrevendo - mas não exclusivamente.
B - Em “O VÉRTICE DO PÂNTANO” você escreveu que “Todo o rio
é um convite ao sobressalto, à morte através de chamas e
venenos terríveis. Todo o rio é um convite ao amor entre
raízes milenares e campos roxos sulcados por veios de
cristal”. O poema lírico deve ter antíteses? “É o fogo que
arde sem se ver/É ferida que dói e não se sente”. O que é
moderno ou pós?
CW - Não sei se “deve”. Sei que oxímoros, paradoxos,
antíteses, negações do princípio da identidade, de que uma
coisa é uma e outra é outra, podem pertencer à ordem do
poético. A citação que você fez mostra bem a universalidade
e a permanência do poético, da grande criação, ao longo dos
séculos. Camões, bem lido, é nosso contemporâneo.
Aprendemos a falar, portanto, a enxergar e a escrever, com
ele.
B - Em “A PRINCÏPIO” você enuncia a sua lista de
influências literárias. Quanto de você há neste poema?
CW - Não é bem de influências literárias. Eram textos que,
de certo modo, faziam parte da minha vida, foram
constitutivos do que sou. Nem achava que ia publicar livros
de poesia, na época em que me fascinei por Lorca, Pessoa,
Breton, Ginsberg, Jorge de Lima, etc. Repare como o poema
faz uma espécie de trajeto, desse bloco inicial com nomes
de autores, encadeados, e, a seguir, referências a umas
tantas coisas que aconteciam em apartamentos, o que
tomávamos, e tal, mostrando o trânsito entre poesia e vida,
que vivíamos o que líamos, e vice-versa.
B - “CHEGAR LÁ” tem um verso “Transformar o cotidiano em
hipérbole, labirinto onde todos se perderão brincando
despreocupadamente”. O que o poema e o poeta devem ter de
lúdico?
CW - Tudo, se possível. Pode, uma arte que não seja lúdica?
Não-lúdico é ser caixa de banco 24 h por dia em vez de
poeta.
B - Como é estar presente no "Dicionário Geral do
Surrealismo"? Dizem que o Roberto Piva e você são os únicos
brasileiros citados?
CW - O surrealista fichado, catalogado, de carteirinha é o
Sérgio Lima, que participou, se relacionava com Breton, e
tem trabalhado sistematicamente nesse campo, com uma obra
monumental, em vários volumes, A aventura surrealista. Esse
Dictionnaire Géneral du Surrealisme et de ses environs, de
Biro e Passeron, com a colaboração de outros intelectuais,
Gérard Legrand, Pierre Rivas, etc, informa que, ..em 1963,
jovens artistas e escritores, entre Paris e São Paulo,
próximos aos amigos de Péret, tentam formar um grupo
surrealista (Lima, Piva, Willer) ligado ao grupo
venezuelano “Techo de la Ballena”, mas logo dissolvido.
Fala ainda da publicação e exposição surrealista depois
organizadas por Sérgio Lima. As reuniões com cara de grupo
surrealista aconteceram em 1963/64. Em 1965, a revista La
Bréche, do grupo francês, então dirigida por Breton,
resenhou o meu Anotações para um apocalipse, Amore de
Sérgio Lima, e Paranóia de Piva. Há mais autores, da década
de 30 até hoje, que poderiam ser relacionados a
surrealismo, definindo com clareza quais as relações, os
vínculos. Mas quase ninguém se preocupou com isso, exceto
Sérgio e, no contexto da literatura ibero-americana,
Floriano Martins.
B - Você é responsável pela Coordenadoria de Formação
Cultural da Secretaria de Cultura da cidade de São Paulo.
Qual o trabalho realiza no momento de vagas tão magras?
CW - Mesmo com as vacas perdendo peso, reduzindo a produção
de leite e carne, respondo diretamente pelas séries de
cursos de iniciação à cultura, Primeiros Passos, nove a dez
por mês, alguns com mais de cem inscritos; oficinas
literárias todo dia; ciclos como Rebeldes e Malditos, com
palestras, encenações, dramatizações; Poesia e Prosa, com
poetas falando sobre prosa e prosadores sobre poesia;
outros eventos e atividades, seminários, mesas e palestras.
Em outubro, teremos, se tudo der certo, um seminário on-
line, sobre literatura e internet. Ano que vem, quero
voltar a promover apresentações públicas de poetas. Tudo
isso, com o apoio entusiástico do secretário Konder. Verba
é pequena, mas, planejando com cuidado, dá para fazer muita
coisa. Pior do que falta de recursos são dificuldades
burocráticas, o engessamento, excesso de formalismo
jurídico nos órgãos culturais públicos. Isso atrasa, faz
perder tempo com bobagens e inutilidades. Todo mundo
reclama, mas ninguém parece capaz de promover reformas e
mudanças administrativas e jurídicas que efetivamente
melhorem o desempenho do Estado. Falta de verbas,
normalmente, é justificativa para ineficiência, para
burocrata não fazer nada e ainda tentar impedir os outros
de trabalhar.
B - Quais os endereços, as URL mais freqüentadas, por você,
na internet?
CW - Abro, com regularidade, sites literários do tipo
Jornal de Poesia, Blocos, e vários outros, para ver o que
há de novo. Faço buscas, localizo sites sobre autores que
me interessam. A impressão que tenho é que nem comecei
verdadeiramente, a trafegar pela net. É algo
assustadoramente infinito, um Aleph ou biblioteca borgeana
de tudo, um mundo paralelo.
B - Qual o papel do escritor na sociedade?
CW - Acho que muita coisa já foi dita e escrita sobre
escritor e sociedade, inclusive antenas da raça de Pound,
tornar mais puras as palavras da tribo de Mallarmé, etc,
para que eu tenha algo a acrescentar, além do que já disse
nas respostas anteriores.
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