Balacobaco
Planeta Terra
Rio de Janeiro

 
ENTREVISTA COM CLAUDIO WILLER
CLAUDIO  WILLER é poeta, ensaísta e tradutor. Sua  formação
acadêmica   é  como  sociólogo  (Escola  de  Sociologia   e
Política, 1963) e psicólogo (Instituto de Psicologia,  USP,
1966,  onde lecionou até 1973). Além da atividade literária
e na administração cultural, trabalhou, também, em pesquisa
de mercado, consultoria e áreas afins.
 
Publicou:
 
Anotações  para  um Apocalipse, Massao Ohno  Editor,  1964,
poesia e manifesto;
Dias  Circulares,  Massao  Ohno  Editor,  1976,  poesia   e
manifesto;
Os  Cantos  de Maldoror, de Lautréamont, 1ª edição  Editora
Vertente,  1970,  2ª edição Max Limonad, 1986,  tradução  e
prefácio;
Jardins da Provocação, Massao Ohno/Roswitha Kempf Editores,
1981, poesia e ensaio;
Escritos   de  Antonin  Artaud,  L&PM  Editores,   1983   e
sucessivas reedições, seleção, tradução, prefácio e notas;
Uivo,  Kaddish  e  outros poemas de  Allen  Ginsberg,  L&PM
Editores,  1984 e sucessivas reedições, seleção,  tradução,
prefácio e notas; nova edição, revista e ampliada, em 1999;
Crônicas  da  Comuna, coletânea sobre a  Comuna  de  Paris,
textos  de  Victor Hugo, Flaubert, Jules Vallés,  Verlaine,
Zola e outros, Editora Ensaio, 1992, tradução;
Volta, narrativa em prosa, Iluminuras, 1996.
Lautréamont  -  Obra  Completa -  Os  Cantos  de  Maldoror,
Poesias   e   Cartas,   edição  prefaciada   e   comentada,
Iluminuras, 1997.
Prepara-se  para  publicar  seu próximo  livro  de  poesia,
Estranhas  Experiências,  e uma  coletânea  de  ensaios,  O
escritor como personagem - textos sobre literatura e vida.
Em  antologias e publicações coletivas, entre outras,  Alma
Beat,  L&PM Editores, 1985; Carne Viva, coletânea de poemas
eróticos,  org.  Olga  Savary, Achiamé,  1984;  Folhetim  -
Poemas Traduzidos, org. Nelson Ascher e Matinas Suzuki, ed.
Folha de São Paulo, 1987, com uma tradução de Octavio  Paz;
Artes e Ofícios da Poesia, org. Augusto Massi, ed. Artes  e
Ofícios  -  Secretaria Municipal de Cultura de  São  Paulo,
1991;  Sincretismo  - A Poesia da Geração  60,  org.  Pedro
Lyra, Topbooks, 1995.
Traduzido e publicado no exterior, entre outros lugares, em
Quinta  Intermundia,  Rassegna  di  Poesia  Internazionale,
1992,  coletânea por Márcia Teófilo; Modernismo  Brasileiro
und  die  Brasilianische Lyrik der Gegenwart, antologia  da
poesia  brasileira por Curt Meyer-Clason, Druckhaus Galrev,
Berlim,  1997; Narradores y Poetas de Brasil, coletânea  de
Floriano Martins, revista Blanco Móvil, primavera de  1998,
México, DF.
Poemas  e  depoimentos,  também,  em  revistas  literárias:
Poesia  Sempre,  Azougue, Alguma Poesia,  Anto  (Portugal),
Continente Sul-Sur, etc.
Bibliografia   crítica  formada  por   ensaios,   resenhas,
reportagens  e  citação  em  obras  de  consulta   (Afrânio
Coutinho, Alfredo Bosi, José Paulo Paes, entre outros).
Como  crítico  e  ensaísta,  colaborou  em  suplementos   e
publicações culturais: Jornal da Tarde, Jornal  do  Brasil,
revista  Isto  É, jornal Leia, Folha de São Paulo,  revista
Cult,  Correio  Braziliense,  Xilo,  etc,  e  projetos   da
imprensa  alternativa: Versus, revista Singular e Plural  e
outros.
Textos,   resumo   biográfico,   bibliografia   e    outras
informações em bancos de dados e “sites”: Módulo Literatura
Brasileira,  Setor  Poesia,  do  Centro  de  Informática  e
Cultura, Banco de Dados Informatizado do Instituto Cultural
Itau;    e    em(http://www)   dialdata.com.br/casadasrosas
(“Literatura main menu”), harpya.com.br (revista eletrônica
Harpya),   livcultura.com.br   (Livraria   Cultura,   seção
Biblioteca Ideal), users.sti.com.br/efres (“site” Pop Box),
secrel.com.br/jpoesia     (Jornal     de     Poesia)      e
zaz.com.br/blocos (Revista Blocos).
Depois  de  ocupar outros cargos e funções em administração
cultural, desde 1994 é assessor na Secretaria Municipal  de
Cultura  de  São  Paulo, responsável por  cursos,  oficinas
literárias,  ciclos  de palestras e  debates,  leituras  de
poesia.
Dezenas de participações em congressos, seminários,  ciclos
de  palestras, apresentações públicas de autores,  etc,  no
Brasil e no exterior.
Presidente  da  União  Brasileira  de  Escritores  em  dois
mandatos (1988-92), secretário geral em outros dois  (1982-
86), e, ultimamente, presidente do Conselho da entidade.
                    -<><><><><><>-
B  -  Ocorre  com o surrealismo algo que é mais “extremado”
com  o  romantismo. Este último ganhou a alcunha de  lírica
amorosa.  Assim  qualquer  música  que  fala  de   amor   é
romântica.  São românticos os namorados. Com o  surrealismo
sucedeu  coisa  parecida. As pessoas utilizam  o  “surreal”
para qualquer ausência de sentido em texto e atos. De certa
forma esta discussão daria um livro. Você poderia fazer uma
mini  genealogia, à moda de Nietzsche, e mostrar o por  quê
ocorreu a mudança.
Cláudio Willer - Na própria pergunta você indica muito  bem
como  se  processa  a diluição, a criação  do  estereótipo,
associando  surrealismo  a coisa  sem  pé  nem  cabeça,  ao
arbitrário, confundindo-o com nonsense. É igual  a  acharem
que todo poeta é um cabeça de vento. Surrealismo sempre  se
apresentou  como  continuador da rebelião  romântica,  que,
obviamente, é bem mais do que alguns suspiros profundos  ao
luar  de  mãos dadas. Na revisão da história da  literatura
proposta no Segundo Manifesto do Surrealismo, André  Breton
diz  que  o  centenário do Romantismo é sua juventude,  que
isso,  que  se chama erradamente de sua época  heróica  não
pode mais, honestamente, passar senão pelo vagido de um ser
que mal começa a dar conhecimento de seu desejo através  de
nós,  e que, admitindo-se que aquilo que foi pensado  antes
dele    -    “classicamente”   -   era   o    bem,    quer,
incontestavelmente, todo o mal. A mesma revisão, entendendo
Romantismo, não como período marcado por algumas  datas  do
final  do  século XVIII e meados do XIX, mas como processo,
vertente da rebelião e ruptura, é feita por Octavio Paz  em
Los  Hijos  del  Limo,  ao  falar em  revolução  romântica,
manifestação da tradição da ruptura, oposta ao classicismo,
distinguindo-a  do  romantismo  oficial  dos   manuais   de
literatura.
B  -  É  possível dizer que qualquer poema tem  um  que  de
surrealista quando utiliza a linguagem poética?
CW  -  Temos  que pensar no surrealismo como  movimento  de
idéias,  voltado para a relação entre poesia e  vida.  Como
afirmação de valores, principalmente a liberdade de criação
e  o  poder  criador  e  subversivo  da  imaginação,  assim
expressando a contradição entre poesia e sociedade. E  como
um  modo de politização dessa contradição, ou uma tentativa
de  projetá-la na História. Então, interessa não só a obra,
o  texto  em si, mas um determinado tipo de integridade  ou
articulação  entre  arte  e vida.  Daí  o  surrealismo  ter
execrado  figuras  do mundanismo cultural,  da  facilitação
burguesa, mesmo com produção artística expressiva, bem como
os  sectários,  os  poetas oficiais do  Partidão  e  afins.
Designo  como  surrealistas autores que participaram  desse
movimento, ou que mostraram ter afinidade com as idéias,  e
não  só  com  uma  hipotética forma  surrealista.  Em  caso
contrário,    acabaríamos   enxergando    surrealismo    em
videoclipes, anúncios criativos e outros exemplos  de  arte
instrumentalizada.
B  -  Há  um  mito  de que o surrealismo não  teve  grandes
poetas. Verdade?
CW - Intelectuais de prestígio andaram dizendo isso, por
aqui.  Entre  outros, Décio Pignatari. Já tratei  disso  em
minha entrevista para Azougue. É um completo absurdo. André
Breton. Paul Eluard. Robert Desnos. Benjamin Peret. Aragon.
Jacques  Prevert participou. Poetas como Ponge  ou  Queneau
tomaram  outra  direção,  mas  fizeram  parte.  René   Char
participou  três  anos, nos quais não  escreveu  nada,  mas
disse que foram os três anos mais importantes da vida dele.
Portanto, o melhor da poesia francesa da primeira metade do
século.  Na  segunda  metade  do  século,  uma  espécie  de
expansão, com mais autores em outras línguas. Octavio  Paz.
Vários  outros  ibero-americanos importantes,  que  ninguém
conhece aqui, como o argentino Aldo Pellegrini. O antilhano
Aimé Césaire. Mário Cesariny, Antonio Maria Lisboa e outros
grandes   poetas  portugueses.  O  norte-americano   Philip
Lamantia.  Brasileiros  que  o  Brasil  não  lê,  ou   cujo
interesse por surrealismo finge desconhecer.
B - Na Azougue você disse “João Cabral na fase final torna-
se o corifeu da escrita a frio, da suspensão da emoção”.  E
ainda afirma que a metáfora e a analogia foram substituídas
pela paráfrase. Ainda há a linguagem conotativa. Será que o
futuro  colocará  a  geração atual como sendo  parnasianos,
poemas sem poesia?
CW  -  Há  tanta gente escrevendo poesia, e  de  modos  tão
diferentes,  que algum historiador futuro  talvez  venha  a
enxergar  coisas  complemente  diferentes  daquelas  que  a
crítica  consegue vislumbrar hoje. Mas é bem  possível  que
nossa época seja vista como dominada por um formalismo, por
sua  vez  equivalente a um parnasianismo  clean,  sem  todo
aquele  preciosismo  vocabular, mas norteado  pelos  mesmos
princípios. A idéia de composição elaborada, da  escrita  a
frio,  descartando  a  emoção, a inspiração,  a  possessão,
justificada,   não  mais  pelo  parnasianismo,   mas   pelo
formalismo  e construtivismo, ou por generalidades,  idéias
mais   vagas,  declarações  genéricas  em  favor   do   bom
comportamento literário, da burocratização da escrita,  das
quais as mais expressivas são aquelas de João Cabral.
B  -  O  que  a falta de um movimento literário provoca  na
poesia atual?
CW  -  Talvez  não seja mais tempo de movimentos  fechados,
buscando a consistência, como aqueles da primeira metade do
século,  e  dos  quais  a  poesia  concreta,  tal  como  se
apresentava na década de 50, mais algumas outras tendências
formalistas, foram a versão final. Acho que há  confrarias,
grupos  de  poetas  que se aproximam  por  afinidades,  por
opiniões,  perspectivas,  uma  poética  em  comum.   Aquela
matéria  meio desastrada da Veja, retratando alguns  desses
grupos  de modo caricato, relaciona-se, contudo,  com  algo
real.  Junto  com  uma  melhor veiculação  de  poetas,  por
revistas  como  Cult,  Azougue,  Medusa,  Monturo,  Inimigo
Rumor, etc, está recomeçando a haver debates, afirmações de
diferenças  literárias. Isso é bom anima o ambiente,  desde
que  associado à veiculação de informação,  e  não  à  mera
manifestação de antipatias e simpatias.
B  - Você soube da matéria que saiu na Veja ridicularizando
poetas. Como encara a questão. O poeta virou palhaço?
CW - Nossas revistas semanais optaram por dar um tratamento
mais  leve,  superficial, à literatura,  retratando-a  como
banalidade.  Por  quê,  não sei.  A  Veja  eqüivale  a  um,
digamos,  Times  Magazine, Newsweek, L’Express,  em  outras
editorias,  mas,  em  cultura em  geral,  e  literatura  em
particular, é mais fraca. Na época, julho, em que saiu essa
matéria  da Veja, coloquei em circulação um e-mail, dizendo
que, comparando-a com a Cult daquele mês, que tinha um  bom
dossiê sobre poesia, mostrando vários poetas jovens, ficava
parecendo   que   as  duas  revistas  falavam   de   países
diferentes,  sendo que o país de Cult era bem melhor,  mais
próximo,  felizmente,  da  realidade.  Há  bastante   coisa
acontecendo  em  poesia,  uma certa  efervescência  que  se
traduz  em lançamentos de livros, leituras, as revistas,  e
não  só  uma revista literária de maior porte como a  Cult,
mas  também Medusa, Monturo, Azougue, Inimigo Rumor,  agora
Xilo,  somando-se  às  que  já existiam,  como  Dimensão  e
Cigarra, entre outras. Mas a grande imprensa ainda  não  se
deu  conta, não percebeu isso. Agora, quanto à Veja, o  que
mais  criticaria  é  terem fugido  à  discussão.  Receberam
cartas  reclamando  dessa matéria, mas não  as  deram,  não
tomaram  conhecimento.  Tinham que  ter  um  ombudsman,  um
departamento  de  reclamações como  o  da  Folha  e  outros
jornais, para dar as devidas explicações sobre essa fuga da
reta.
B  -  Qual  a  diferença entre o surrealismo e  o  realismo
mágico?
CW  - Quem apresentou e propôs isso, “realismo mágico”, foi
o  prosador  cubano Alexo Carpentier, depois de desligar-se
do  surrealismo. Em seu prefácio a El reyno de  este  mundo
(se  não me engano - ou foi em El Siglo de las Luces?), ele
afirma (estou simplificando e resumindo) que surrealismo  é
coisa  de  intelectuais  de gabinete,  algo  dissociado  da
realidade,    enquanto   ele,   Carpentier,   ao    relatar
acontecimentos, estava trabalhando, digamos, com  the  real
thing.  Um  monte  de gente, e não só Carpentier,  inventou
falsas   separações,   tentativas  de  estabelecer   marcos
divisórios,   para   demonstrar  que  não   estava   apenas
reproduzindo o que o surrealismo havia proposto,  mas  sim,
seguindo  trilhos  próprios, pessoais.  A  bibliografia  de
afirmações   do  tipo  “isto  que  estou  fazendo   não   é
surrealismo”, dos anos 20 até hoje, é extensa. A atitude de
Carpentier,  embora  levada  a  sério  por  estudiosos   de
literatura  e  outros  escritores, pertence  ao  âmbito  da
política  literária, precedendo seu crescente  oficialismo,
que  o  levou à condição de escritor do Estado no final  da
carreira.  Não  eleva em um milímetro a qualidade  de  suas
narrativas. Desde o Primeiro Manifesto, Breton já  afirmava
que  surreal mesmo, verdadeiramente, é a própria realidade,
desde que saibamos enxergá-la, e que poesia é algo para ser
vivido. Portanto, até aí, Carpentier e outros “fantásticos”
não diziam nada de novo.
B  - Há alguma oposição entre a concisão poética atual e  a
abundância transbordada da imagética do surrealismo?
CW  -  Abundância  transbordada,  escrita  exuberante  e
torrencial,  escrita barroca, esses qualificativos,  quando
aplicados ao surrealismo, são generalizações, estereótipos.
Se olharmos bem, condensação, exatidão, precisão, tais como
defendidas, p. ex., por Ezra Pound, estão presentes na  boa
poesia  surrealista,  tanto quanto na  poesia  de  extração
formalista.  Década de 20, Paul Eluard já fazia  poemas  de
uma frase só, epigramas de imagens, como aqueles publicados
em Capitale de la douleur. Na mesa época, Marcel Duchamp  e
Robert Desnos produziam, em parceria, a série Rrose Sèlavy,
frases   homófonas,  trabalhando  só  com  o  significante;
portanto,  nem  isso  é exclusividade dos  formalistas.  Um
autor capital no surrealismo é Malcolm de Chazal, com Sens-
plastique,  de 1948 - é o mestre dos epigramas,  poemas  de
uma  frase  só.  Outro que é magistral  em  poemas  curtos,
também,  e  em ironias, é Mário Cesariny. Há muitos  outros
exemplos. E, insisto, nos poemas longos também há, em  cada
trecho,  cada  frase,  a  síntese,  condensação,  precisão,
exatidão.
B - Você traduziu um livro com poemas de Ginsberg. Quais as
razões  da  resistência à poesia Beat nos  Estados  Unidos?
Quais os ecos, no Brasil, decorrentes desta resistência?
CW  - A resistência à poesia Beat, aqui e lá, tem a ver com
antagonismos  mais gerais, entre o velho e o novo,  cultura
acadêmica e cultura rebelde, literatura de gabinete e vida.
A  cisão entre uma cultura mais universitária, de scholars,
e outra anti-acadêmica persiste nos Estados Unidos. E aqui,
inclusive  com  bastante bobagem publicada sobre  Ginsberg,
Kerouac,  Burroughs, literatura Beat em geral,  confundindo
espontaneidade com falta de cultura. Escrevi bastante sobre
isso, em meu prefácio à nova edição L&PM de Ginsberg
B  -  Hoje  os  universitários estudam  através  de  textos
xerocopiados. Qual a conseqüência de só estudarmos  trechos
e não toda a obra de um escritor?
CW  - Utilização de xerocópias no lugar de obras originais,
do  próprio livro, é crime, no sentido exato dado à palavra
pelo Código Penal. Professores e instituições de ensino que
promovem   isso   são,   portanto,  criminosos,   além   de
irresponsáveis.  O efeito que a disseminação  da  xerocópia
provoca  no  mercado editorial é devastador, ao enfraquecer
editoras  e  livrarias.  Ensino de literatura  na  base  de
xerocópia  como sinônimo de “pesquisa”, e mais as  tais  de
fichas  de  leitura, isso são coisas que estão atrasando  o
país,  ao  ajudarem a diplomar incultos. É disseminação  da
ignorância.
B  -  A crítica é exercida nas faculdades. Será que não  há
vida inteligente fora dos campos universitários? Como  é  a
relação jornalistas e universidade?
CW - A crítica é exercida nas faculdades??? Será? Para mim,
estão  preocupados  em montar diagramas, aplicar  fórmulas,
ensinar  a  preparar  fichas  de  leitura,  uma  série   de
atividades  burocráticas  pouco  têm  a  ver  com  crítica,
entendida   como  reflexão  criativa.  Há   bastante   vida
inteligente dentro dos campi universitários, e  fora  deles
também.  Mas isso não chegou, ou tem dificuldade em  chegar
aos  currículos  e conteúdos das aulas, de  um  lado,  e  à
grande imprensa, de outro.
B  -  Num  está  muito  cedo para uma  biografia?  Falo  da
anarconstrução  de  nome “VOLTA”, sua recente  incursão  na
prosa?
CW  -  Gostei dessa expressão, anarconstrução. Volta não  é
biografia.  É relato sobre a relação entre poesia  e  vida,
com bastante casos, momentos, ocasiões, pessoais inclusive,
e  não  só  da  história da literatura,  em  que  ambos  se
confundem, em que o texto literário tem uma função  mágica,
produz realidade, inesperadamente faz acontecer.
B  -  Como  foi o trabalho na tradução da obra completa  de
Lautréamont?  Como  mensurar sua importância  relativizando
com as poéticas em voga?
CW  - Em 1970, para o centenário de Lautréamont, traduzi Os
Cantos de Maldoror. Em 1986, foi publicada uma nova edição.
E,  em 1997, uma obra completa de Lautréamont (Iluminuras),
com  um prefácio extenso. Acho que fui cada vez mais fundo.
Desta  última  vez,  forcei mais no sentido  de  reproduzir
anacronismos, a imitação paródica, feita por Lautréamont do
estilo  rebuscado  dos discursos acadêmicos,  pregações  de
oradores  religiosos, etc. Não há dúvidas,  hoje,  sobre  a
importância  de Lautréamont. Tanto é que a aceitação  dessa
última  edição, pela crítica, foi muito boa.  É  claro  que
traduzir Lautréamont é uma experiência enlouquecedora.
B - Qual a importância do misticismo, da cabala etc. para a
sua obra? Periga você virar um mago exotérico?
CW  -  Misticismo,  cabala, etc, bem  como  ocultismo,  têm
afinidade  com  a poesia, pois pertencem à  ordem  do  não-
discursivo, do pensamento mágico, analógico, mítico.  Nunca
fui   praticante  regular,  e  meu  interesse   por   essas
disciplinas  e  campos  do  conhecimento  é  a  partir   da
literatura,  por suas conexões, muito pouco estudadas  (por
causa,  principalmente, do viés cientificista  predominante
na  área  acadêmica), com movimentos  e  modos  de  criação
literária.  Em Volta, eu deixo bem claro que  a  verdadeira
magia  está  na  poesia. No final, há  aquela  cena  (real,
aconteceu  mesmo)  de eu ir a uma espécie  de  encontro  de
ocultistas,  para  dar  uma  palestra  sobre  literatura  e
ocultismo, recebida com um completo silêncio. Sinal, a  meu
ver,  da ruptura de um diálogo que existia no começo  deste
século,  e  no  século passado (Baudelaire foi,  inclusive,
parceiro de Elifas Levi, os simbolistas frequentavam Papus,
Péladan  e  Guaita, quanto a Yeats, então, nem falar,  idem
Pessoa), e que foi muito produtivo, enriquecedor para ambas
as partes, a literária e a oculta.
B   -   “Poema   diagonal”   onde   conclui   “traduzir   o
indizível/ontem horizonte/perplexo”. O que não pode faltar,
do ponto de vista teórico, para que um poema lhe agrade?
CW  - Do ponto de vista teórico? Um poema me agrada, e  até
mais, me entusiasma, se tiver originalidade, ritmo, imagens
poéticas,  força,  se me disser algo.  Teoria  vem  depois,
nenhuma criação literária se justifica pela metalinguagem.
B  _  Um  poema pode alcançar a polifonia sem ser pela  via
épica? Fale um pouco.
CW  -  Noções  como a de texto polifônico, dialógico,  tais
como  propostas  por Bakhtine, devem ser mais  aplicadas  à
narrativa  em  prosa. Tanto é que ele as apresentou  em  um
estudo  sobre Dostoievsky. Em poesia, são óbvias, tornam-se
chavão:  não  existe poema se ele não for  polissêmico,  de
muitas vozes, muitos sentidos.
B  -  “Neste  jardim de negações/onde a palavra  pede  mais
espaço”  são dois versos do poema “VISITANTES 4”. A palavra
é  sempre  afirmação? Como vê a metalinguagem, este  espaço
para falar do poema dentro do poema?
CW  -  Quem  escreveu  muito bem  sobre  “poesia  crítica”,
refletindo  sobre a própria poesia, sobre a  palavra,  como
característica da modernidade, foi Octavio Paz (no final de
El Arco y la Lira, de Signos em Rotação, e em muitos outros
lugares). Não há mais literatura ingênua, e o poeta pensa o
que   está  fazendo,  e  traduz  poeticamente  o  que  está
pensando. Isso não conflita com espontaneidade, automatismo
psíquico, inspiração. Enfim, a gente acaba mesmo escrevendo
sobre o que está escrevendo - mas não exclusivamente.
B - Em “O VÉRTICE DO PÂNTANO” você escreveu que “Todo o rio
é  um  convite ao sobressalto, à morte através de chamas  e
venenos  terríveis. Todo o rio é um convite ao  amor  entre
raízes  milenares  e  campos roxos sulcados  por  veios  de
cristal”. O poema lírico deve ter antíteses? “É o fogo  que
arde  sem se ver/É ferida que dói e não se sente”. O que  é
moderno ou pós?
CW  -  Não  sei  se  “deve”. Sei que  oxímoros,  paradoxos,
antíteses, negações do princípio da identidade, de que  uma
coisa  é  uma e outra é outra, podem pertencer à  ordem  do
poético. A citação que você fez mostra bem a universalidade
e a permanência do poético, da grande criação, ao longo dos
séculos.   Camões,   bem   lido,  é  nosso   contemporâneo.
Aprendemos a falar, portanto, a enxergar e a escrever,  com
ele.
B   -  Em  “A  PRINCÏPIO”  você  enuncia  a  sua  lista  de
influências literárias. Quanto de você há neste poema?
CW  - Não é bem de influências literárias. Eram textos que,
de   certo   modo,  faziam  parte  da  minha  vida,   foram
constitutivos do que sou. Nem achava que ia publicar livros
de  poesia, na época em que me fascinei por Lorca,  Pessoa,
Breton,  Ginsberg, Jorge de Lima, etc. Repare como o  poema
faz  uma espécie de trajeto, desse bloco inicial com  nomes
de  autores,  encadeados, e, a seguir, referências  a  umas
tantas  coisas  que  aconteciam  em  apartamentos,  o   que
tomávamos, e tal, mostrando o trânsito entre poesia e vida,
que vivíamos o que líamos, e vice-versa.
B  -  “CHEGAR LÁ” tem um verso “Transformar o cotidiano  em
hipérbole,  labirinto  onde  todos  se  perderão  brincando
despreocupadamente”. O que o poema e o poeta devem  ter  de
lúdico?
CW - Tudo, se possível. Pode, uma arte que não seja lúdica?
Não-lúdico  é  ser caixa de banco 24 h por dia  em  vez  de
poeta.
B   -  Como  é  estar  presente  no  "Dicionário  Geral  do
Surrealismo"? Dizem que o Roberto Piva e você são os únicos
brasileiros citados?
CW - O surrealista fichado, catalogado, de carteirinha é  o
Sérgio  Lima, que participou, se relacionava com Breton,  e
tem  trabalhado sistematicamente nesse campo, com uma  obra
monumental, em vários volumes, A aventura surrealista. Esse
Dictionnaire Géneral du Surrealisme et de ses environs,  de
Biro  e Passeron, com a colaboração de outros intelectuais,
Gérard Legrand, Pierre Rivas, etc, informa que, ..em  1963,
jovens  artistas  e escritores, entre Paris  e  São  Paulo,
próximos  aos  amigos  de  Péret, tentam  formar  um  grupo
surrealista   (Lima,   Piva,  Willer)   ligado   ao   grupo
venezuelano  “Techo  de la Ballena”, mas  logo  dissolvido.
Fala  ainda  da  publicação e exposição surrealista  depois
organizadas por Sérgio Lima. As reuniões com cara de  grupo
surrealista aconteceram em 1963/64. Em 1965, a  revista  La
Bréche,  do  grupo  francês,  então  dirigida  por  Breton,
resenhou  o  meu  Anotações para um  apocalipse,  Amore  de
Sérgio Lima, e Paranóia de Piva. Há mais autores, da década
de   30   até   hoje,  que  poderiam  ser  relacionados   a
surrealismo,  definindo com clareza quais as  relações,  os
vínculos.  Mas quase ninguém se preocupou com isso,  exceto
Sérgio   e,  no  contexto  da  literatura  ibero-americana,
Floriano Martins.
B  -  Você  é  responsável pela Coordenadoria  de  Formação
Cultural  da Secretaria de Cultura da cidade de São  Paulo.
Qual o trabalho realiza no momento de vagas tão magras?
CW - Mesmo com as vacas perdendo peso, reduzindo a produção
de  leite  e  carne, respondo diretamente pelas  séries  de
cursos de iniciação à cultura, Primeiros Passos, nove a dez
por  mês,  alguns  com  mais  de  cem  inscritos;  oficinas
literárias  todo dia; ciclos como Rebeldes e Malditos,  com
palestras,  encenações, dramatizações; Poesia e Prosa,  com
poetas  falando  sobre  prosa e  prosadores  sobre  poesia;
outros eventos e atividades, seminários, mesas e palestras.
Em  outubro,  teremos, se tudo der certo, um seminário  on-
line,  sobre  literatura e internet.  Ano  que  vem,  quero
voltar  a  promover apresentações públicas de poetas.  Tudo
isso,  com o apoio entusiástico do secretário Konder. Verba
é pequena, mas, planejando com cuidado, dá para fazer muita
coisa.  Pior  do  que  falta de recursos  são  dificuldades
burocráticas,   o  engessamento,  excesso   de   formalismo
jurídico  nos órgãos culturais públicos. Isso  atrasa,  faz
perder  tempo  com  bobagens  e  inutilidades.  Todo  mundo
reclama,  mas ninguém parece capaz de promover  reformas  e
mudanças   administrativas  e  jurídicas  que  efetivamente
melhorem   o   desempenho  do  Estado.  Falta  de   verbas,
normalmente,   é  justificativa  para  ineficiência,   para
burocrata  não fazer nada e ainda tentar impedir os  outros
de trabalhar.
B - Quais os endereços, as URL mais freqüentadas, por você,
na internet?
CW  -  Abro,  com  regularidade, sites literários  do  tipo
Jornal de Poesia, Blocos, e vários outros, para ver  o  que
há  de novo. Faço buscas, localizo sites sobre autores  que
me  interessam.  A impressão que tenho é  que  nem  comecei
verdadeiramente,   a   trafegar   pela    net.    É    algo
assustadoramente infinito, um Aleph ou biblioteca  borgeana
de tudo, um mundo paralelo.
B - Qual o papel do escritor na sociedade?
CW  -  Acho  que  muita coisa já foi dita e  escrita  sobre
escritor  e sociedade, inclusive antenas da raça de  Pound,
tornar  mais  puras as palavras da tribo de Mallarmé,  etc,
para  que eu tenha algo a acrescentar, além do que já disse
nas respostas anteriores.
 
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