Por que escolheu poemas de 3 linhas como formato para a sua
poesia em O LIVRO DOS FRACTA?
- Foi uma tentativa de inventar um “princípio métrico” um
tanto aleatório: a medida eram três linhas do campo de
visão do meu computador de então, um Macintosh Classic. No
fim das contas, toda métrica tem algo de aleatórica, não?
Funciona para manter a palavra poética dentro de certos
limites. Quanto mais rigorosa a métrica, melhor para
comprimir a voz. Na época do computador e da informática,
eu escrevi direto no meio, e me impus este limite falso-
métrico, mas que creio que funcionou para o que eu esperava
dos meus fracta: concisão diccional e multiplicidade
semântica.
Pelo menos no O LIVRO DOS FRACTA você é minimalista. Dizer
o máximo, no mínimo espaço, foi seu objetivo?
- Como acabo de dizer, foi.
No poema XIX DE MOTU você diz o contrário do que se aprende
na escola. A menor distância é sempre uma curva?
- As retas não existem na realidade. Einstein o provou. Eu
apenas repeti um dos postulados básicos da matemática
contemporânea.
Em muitos dos seus poemas há a presença da astronomia. É
mais fácil falar de estrelas, do cosmos do que dos humanos?
Ou a busca por uma metáfora é uma viagem pelo desconhecido
espaço sideral?
- Você está dando uma das possíveis respostas. Mas a tua
interpretação é demasiado metafórica. Como muitos
intelectuais do século presente, eu sou fascinado pela
cosmologia. Não há mês que não leia algo sobre ela. Não
entendo muito o que leio, principalmente as formulações
teórico-matemáticas. Mas os conceitos que a cosmologia
contemporânea maneja são fundamentais para mim, para o meu
viver poético. No Livro dos Fracta, a cosmologia – as
várias vertentes da cosmologia contemporânea, melhor dito-
fornecem o grande intertexto, para lá das inúmeras citações
ou mesmo colagens que remetem ao universo mais propriamente
literário. A interação entre ciência e arte, cada vez maior
quando se pensa na “grande arte”, que acompanha a ponta das
pesquisas no primeiro mundo, foi o que eu tinha na mente
ao lançar os meus fragmentos. Não se deve esquecer também
que eu segui a esteira de Severo Sarduy, a quem o livro
está dedicado, quem em Paris mantinha semanalmente um
programa radialístico sobre cosmologia na ORTF, o que não
lhe impediu de escrever algumas das obras literárias mais
importantes da América Latina no século XX.
Você utiliza inglês e espanhol, como recurso, nos seus
poemas. É algo planejado?
- É, e natural também, considerando que eu vivi vários anos
em inglês e em espanhol. Mas também lanço mão de outras
línguas, seja coloquial ou citacionalmente. A poesia
brasileira, nascida sob o signo do plurilinguismo –haja
visto que Música do Parnasso, de Manuel Botelho de Oliveira
(séc. XVIII), o primeiro livro publicado por um poeta
brasileiro (em Portugal), já vinha escrito em quatro
línguas –português, italiano, espanhol e latim-, sempre
recebeu bem esta mélange. Eu apenas estou reafirmando um
filão plurilinguista no Brasil de alguma forma certificador
do nosso desejo de cosmopolitismo literário.
Depois de ler O LIVRO DOS FRACTA, não sabia para aonde iria
a sua poética, já que o começo foi bastante radical. A
surpresa é que ao invés de evoluir para o estetismo, você
surge com outro formato. Como é ser um poeta eclético no
Brasil?
- Não sou eclético. Sou pós-moderno. Eclético é a avó.
Eu poderia ter escrito fracta até o fim dos tempos, ou
poemas baseados no intertexto mencionado. Mas preferi
arriscar um caminho complementar, mais “culto, marcado
pelo que eu entendo de uma estética pós-moderna. Então
desenvolvi vários registros ou claves, e assim tenho feito.
Mas já no meu livro Satori tudo o que estou dizendo se
tinha afirmado. Quadragésimo (publ. Em 1999 na edição
brasileira, 1996 na mexicana) recupera Satori (1989). O
veio de Satori é para a minha poesia mais importante que o
dos Fracta.
Em 96 você completou 40 anos. O vaga-lume (do poema
Quadragésimo) é suficiente para iluminar uma vida?
- Completei 40 anos em 94. Agora acabo de completar no mês
passado, 45.
A luz do vaga-lume é suficiente para iluminar a minha vida,
e a tua também, e a dos teus vizinhos e a dos nossos
concidadãos, etc.
O que busca: uma descontinuidade eterna ou uma continuidade
finita? Fale sobre o poema A mulher de Lot?
- Não há oposição entre os termos. Uma descontinuidade
eterna é uma continuidade finita. Mas as palavras são tuas.
Eu busco apenas escrever boa poesia hoje, à luz do
vagalume.
A Mulher de Lot era curiosa, ela quis ver. A poesia quer
ver, o poeta quer ver-se nela e através dela, e vê-la,
muito especialmente. Há algo da Mulher de Lot na Poesia e
nos poetas, não? Não há como extirpar o visionarismo do
poético, não? Então, busquei/encontrei uma “heroína” desse
contexto nessa antiga patrícia casticgada pelo
autoritarismo falocrático de Javé, e fiz um poema.
O que os mitos gregos acrescentam à poesia e a poesia
atual?
- Os mitos - gregos ou de qualquer outra origem- sempre
deram possibilidades intertextuais, imagéticas e alegóricas
para o discurso poético. Sempre houve a questão de
repertório para balizar a sua recepção, a sua economia na
escritura poética, entretanto. Hoje, o repertório clássico
diminuiu em proporção entre os leitores. Ainda assim, há
muito interesse historiográfico e literário sobre o mundo e
o imaginário clássicos, especialmente nos países com uma
tradição literária na qual eles sempre estiveram presentes.
Exemplo: Roberto Calasso e Calvino, na Itália. Muito da
lírica italiana também navega pelo mar clássico, hoje. A
diferença latino-americana, que recebe este horizonte por
transfusão, agrega maliciosidade ao uso do repertório
clássico. Eu procuro manejá-lo através desta ótica
diferenciadora, mas o mundo mítico permeia a minha
escritura desde que comecei a escrever.
Em Musa em Cancun você diz: “Ser visto e ver, como quem só
ver quer”. A poesia é uma arte contemplativa?
- Não descontextualize a passagem. A frase é bem longa e
tem incisos sinuosos, como muito do que escrevo, e obedece
a um filosofema de base: o indivíduo que pode querer perder-
se na matéria através do olhar, que entretanto o restaura
para a agoridade, e se depara com a sua “pedra no meio do
caminho”, a folha que opaca a sua possibilidade de ver.
Ainda, não esquecer que esta frase é seguida de uma outra,
que começa com um “ou”, uma alternativa, e que, em termos
poéticos, é mais importante que a anterior.
Não, a poesia não é uma arte contemplativa. É mesmo o
contrário disso: é ação, e para mim escrever poesia
significa um gasto físico bastante extenuante.
“Morreram todos a sua volta/e ela também dentro de si”, A
morte em vida é a pior morte?
- Não há morte em vida. Há morte dentro de si.
Há muito da paisagem Mexicana em alguns de seus poemas. O
que há de comum entre o Brasil e o México|? É mais fácil
escrever livro para o mercado mexicano? Como é se dividir
entre dois países?
São muitas perguntas, Rodrigo. A primeira necessitaria um
tratado antropológico-histórico para responder. Já escrevi
sobre o tema em outros lugares (p.ex. meu livro de ensaios
Mar Abierto, publicado pela Fondo de Cultura Económica em
1998 no México), e continuarei escrevendo. Depois de amanhã
parto novamente para o México para ensinar o meu curso de
poesia comparada, mexicana e brasileira. Há muito em
comum, mas a diferença básica é que eles têm um passado
muito mais forte do que o nosso. A diferença básica é que o
Brasil é obcecado pelo futuro e o México pelo passado.
Segunda pergunta. Nunca se escreve poesia para o mercado.
Não sei a que tipo de livro te referes. O mercado editorial
brasileiro é tão forte quanto o mexicano, e os livros de
poesia têm tiragens iguais nos dois países. Aliás, também
nos Estados Unidos ou Portugal: a poesia vale pouco no
mundo editorial, no mundo inteiro. Poucos poetas publicam
mais de mil e quinhentos, dois mil exemplares numa primeira
edição, em qualquer lugar do mundo. A China parece que é
exceção. Também, pudera.
Terceira. Eu sou um brasileiro que viveu 18 anos for a do
seu país e agora vivo em dois países. Não é uma vida muito
normal, mas tampouco tão especial. É a minha vida. Estou
habituado aos aviões. Mas creio que no futuro quererei
mais tranqüilidade. O corpo tem as suas razões, e já está
pedindo trégua.
O Brasil perde por não falar castelhano?
- Ninguém perde por falar uma língua ou outra. Só se perde
por não falar bem e criativamente. O português é um
instrumento de comunicação tão bom quanto qualquer outra
língua, com a vantagem de que é nosso.
Elizabeth Bishop ficava surpresa de como era difícil fazer
poemas em português. Você tem vários poemas escritos em
inglês. É mais fácil?
- Não é mais difícil escrever em português do que em inglês
ou castelhano. Seguindo a mesma linha de raciocínio, o
difícil é escrever bem. Em qualquer língua, swahili e
zapoteco inclusive.
Escrevi aqueles poemas em inglês porque os cáusticos
assuntos que os poemas tratam –são literalmente poemas
críticos, sendo The Way to Be uma espécie de poema-
manifesto- assim mo sugeriram. E eu li muita poesia em
inglês ao longo da minha vida, e ensinei algo de poesia
inglesa no México (Wordsworth, Whitman, Bishop). Vem com
certa facilidade, ainda maior do que em espanhol. Eu quase
nunca escrevi poesia em espanhol, só uma série joco-séria
que nunca publiquei.
A maioria de seus poemas foram escritos há algum tempo.
Como é o seu processo criativo?
- Eu tenho um livro esperando para ser publicado, e não o
quero publicar agora. É bastante longo. Vou publicá-lo
quando puder e quiser: por enquanto, estou deixando que
Quadragésimo faça o seu percurso em português.
Escrevo com freqüência e não publico tudo o que escrevo.
Não corrijo demais o que escrevo. Volto a revisar os poemas
integralmente à hora de sua publicação. Não releio os meus
livros. Não sei nenhum poema meu de cor. Não leio para
muitas pessoas o que escrevo. Só para amigos íntimos.
Muitas vezes, não aceito convites para publicar inéditos em
revistas. Prefiro o livro de poesia como bloco. Não gosto
muito de livros monotemáticos. O livro de poesia sempre foi
reunião de materiais literários heteróclitos até que a
indústria dos prêmios foi fundada há algumas décadas e a
partir de então os poetas, especialmente os mais jovens,
começaram a perseguir certas noções de unidade diccional
que garantiam uma melhor resposta dos júris.
Quem são seus poetas preferidos? O que deram poeticamente
ao que você é hoje?
- Estas são perguntas infames, próprias para concursos de
Miss.
Otávio Paz faz falta ao México?
- Sim. Foi um grande intelectual e um grande poeta. Sua
inteligência crítica segue sendo preclara, segue
surpreendendo o leitor hoje. Além disso, foi o último
grande moderno da poesia internacional. Morreu com o século
que ajudou a decifrar. Ficou um buraco que os mexicanos
terão que preencher. Com o tempo. Mas espero que não com
prêmios e comendas. Eles têm a tendência a serem muito
oficialistas, ao contrário de nós. Os maiores poetas
brasileiros sempre prescindiram do reconhecimento do
Estado. Graças a deus.
Qual o uso faz da internet?
- Não muito grande, como correio. Mas é e será cada vez
maior.
Tem alguma epígrafe que o acompanhe?
- Os Dez Mandamentos.
Qual o papel do escritor na sociedade?
- Escrever.
v o l t a