ENTREVISTA COM JIDDU SALDANHA |
Meu nome é Jiddu, sou apaixonado por poesia e sou, especialmente um poeta do silêncio. Maiores informações no meu SITE de mímica. Fica em http//www.oocities.org/br/jiddusaldanha/ |
1.
O que a infância empresta/cede ao artista. Quanto de mímico havia em
Jiddu na infância? Minha
infância era muito gestual, as brincadeiras eram imaginosas. Eu e meus
amigos costumavamos nos divertir brincando de tiroteio. Nos dividiamos em
dois grupos fortemente armados (com armas de brinquedo). Um grupo se
escondia enquanto o outro iniciava a paerseguição. Tinhamos de
“matar” a todos ou seríamos “mortos”. O detalhe é que o código
entre os “amigos” eram transmitidos através de gestos. Criávamos,
assim, um vínculo que nos mantinha protegido do “inimigo”. No final,
contávamos os mortos. Os códigos gestuais eram metafóricos e nos unia
contra a sociedadade que era ditada pela cartilha do Presidente Médici e
posteriormente o Gaizel. A mímica se intalou na minha tragetória como
pessoa, por ser uma arte da metáfora, através dela posso dizer coisas
que chegam às pessoas, por vias muito sutis. Penso que o que me aproximou
da mímica, foi o jogo da sobrevivência e a necessidade de dizer o que
sentia e pensava. Muito mais, através do corpo, do gesto, do olhar, do
que, propriamente, das palavras. Vendi
picolé e era um excelente negociante. Costumava fazer promoção e tinha
uma estratégia para fidelizar meus clientes, aqueles que compravam 20
picolés em uma semana, ganhavam o direito de chupar um de graça. Fui um
vendedor de picolé de muito sucesso. Lá em Curitiba, picolé era chamado
de dolé e o vendedor, dolezeiro. Eu fui um dos melhores dolezeiros de
minha geração. Vendiamos o dolé com um apito e tocar o apito era uma
arte. Cada um tinha o seu jeito e os fregueses nos identificavam pela
forma como tocávamos. Eu tinha um toque simples, intenso e, por isso,
transmitia entusiasmo. Foi assim que tornei um vendedor sem culpas. Como
artista, consigo viver, modestamente, mas sou um cara meio pentelho, tenho
esse lado meio marqueteiro, meio vendedor, as pessoas gostam da minha
arte, assistem com prazer, mas eu nunca trabalho de graça. Quando quero
fazer de graça, faço pra quem eu acho que merece “uma palhinha”.
Quando tenho rompantes de generosidade saio às ruas e faço apresentações
gratuitamente e nem levo cartão porque, neste caso, fico antimarketeiro,
e deixo claro, que estou ali por minha espontânea vontade.
Sim,
concordo com você, há muita gente sacana, querendo fazer chover no
piquenique dos outros, sem dúvida, mas eles não estão com essa bola
toda. Acho que somos um número muito maior, e não somos de capitalizar a
desgraça alheia. Po outro lado, lutamos contra moinhos de ventos, porque
“eles” não mostram a cara e, quando mostram, dissimulam muito bem e
isto nos confunde um pouco. Mas,
apesar de tantas ervas daninhas e, quase todas desfrutando de uma situação
de poder, sinto que há lugar para os que são bem intencionados. Vivemos
a grande batalha da ética e, acredito que esta batalha vai recrudescer
com o tempo, a nós, resta fazer o que sempre fizemos, jogar com as
circunstâncias da melhor maneira possível.
O
Brasil tem dois grandes mestres: Luiz de Lima e Ricardo Bandeira. Luiz de Lima é Português e veio para o Brasil, tornando-se, desde
a década de 50, uma grande referência nesta arte, é um Intelectual que
estudou mímica com os grandes mestres Franceses, tornando-se, inclusive,
amigo pessoal do grandioso Marcel Marceau. Depois de um certo período,
ele passou a se dedicar ao teatro falado, tornando-se tradutor e intérprete
de autores como Yonesco, entre outros. Tornou-se reconhecido pela crítica
como um ator de grandes possibildades e um mestre na arte do teatro
falado. Luiz de Lima vive a glória de ser um artista de sucesso. Ricardo
Banderia
era Carioca e construiu toda a sua carreira em São Paulo. Tinha uma visão
mais orgânica, visceral e pobre. Era um autodidata, um batalhador e um
romântico, engajado na causa do comunismo. Viveu de mímica a maior parte
de sua vida, embora também se dedicasse ao cinema e ao teatro falado, além
de fazer literatura. Ricardo Bandeira morreu um pouco esquecido em 1992,
mas deixou uma trilha de grandes admiradores de sua arte e de sua pessoa.
Três dos grandes mímicos brasileiros cruzaram pelo seu caminho. Cleber
França, Vicentini Gomes e Alberto Gaus. Sabe-se que Ricardo Bandeira foi
a fonte inesgotável de inspiração para todos os mímicos de São Paulo
e, em São Paulo a mímica está muito avançada em relação ao Rio de
Janeiro. Atualmente,
temos grandes nomes, são muitos, mas gosto de citar Josué Soares, um
baiano que vive no Rio de Janeiro desde a década de 70 e que tem uma
pesquisa muito aprofundada nesta arte. Temos também, o Álvaro Assad que
eu considero uma espécie de gênio precoce, com uma capacidade muito
grande de se expressar através do gesto e de quem tive o orgulho de ser
parceiro, de 1992 a 1994. Em São Paulo temos o Fernanando Vieira, que foi
professor do Álvaro Assad e que vem da escola Inglesa do mestre Desmond
Jones, o mesmo mestre da Denise Stoklos e, sem dúvida, figuras importantíssimas
como Vicentini Gomes e Alberto Gaus. O
time femenino é dos mais completos e complexos por este Brasil a fora.
Denize Namura (sucesso na frança), Lina do Carmo (que foi assintente do
Marcel Marceau), Raquel Rache, Paula Saboia, Beth Zalcman e aquela que
considero a grande musa da mímica no Brasil, Suzana Fuentes. O
meu mestre merece, um destaque especial, chama-se Everton Ferre e é discípulo
de Tenho
atualmente 5 pessoas no Brasil que aprenderam comigo a técnica que
aprendi com o meu mestre. São eles: Denise Wal (SP), José Borges (Amapá),
Julio Hernandes (Baurú-SP), Sérgio Bicudo (Amazonas) e estou preparando
um novo discípulo chamado Vinícius Daumas, que é daqui do Rio de
Janeiro. O
gesto é o motor da mímica, porque nossa arte tem
como foco o corpo total do ator e o imaginário da platéia. Para nós
a própria fala pode ser lida como gesto, porque o contexto e as intensões
são outras, que não as do teatro tradicional. O mímico se locomove num
universo de silêncio (se for clássico) mas pode se aprorpiar dos sons,
do mundo sonoro, das onomatopéias (se for contemporâneo). Existem visões
dissonantes entre o que possa ser um teatro gestual e um teatro de mímica,
os contextos variam e os resultados conseguidos por atores são infinitos,
dada a requeza desta forma de expressão. As
escolas de mímica em todo o mundo são bastante divergentes entre si, mas
todas reconhecem a grandeza de um grande mestre: Etienne Decroux, que foi
mestre do Marcel Marceau e do Luiz de Lima e que hoje é a fonte segura da
mais genuína pesquisa para uma mímica do terceiro milênio. Há
no Rio de Janeiro, um casal cujos nomes são Ana Claudia e Steffan Brodt são
pessoas credenciadas para falar da técnica de mímica corporal dramática,
que é a interpretação genuína do Grande mestre francês Etiénne
Decroux, que passou mais de 70 anos de sua vida pesquisando a arte do
gesto.
A
mímica traz uma grande contribuição para a composição do ator antimímico.
É necessário frizar que, as escolas de teatro do ocidente - com excessão,
de Grotowski, Antunes Filho, Gerald Thomas, só para citar alguns –
Ainda são bastante conservadoras na forma como vêem o corpo do ator. Se
apoiam em cânones totalmente voltados para a palavra, reverenciando uma
época em que a palavra era a arte total e o ator servia à palavra. Hoje
é diferente, a palavra está para a expressão numa escala inferior à do
corpo, porque o corpo evoluiu muito mais do que a linguagem falada, mas
uma coisa não invalida a outra... afinal, a mímica não ignora a
palavra, exceto a pantomima clássica, a mímica se vale da palavra,
porque, palavra, no contexto da mímica, também é corpo. Penso
que o conservadorismo por parte das escolas tradicionais de teatro, deixa
o ator antimímico sem o recurso corporal e reflexivo de sua própria
gestualidade, o que os torna, atores duros, muito “sonoros” mas de
pouca “ressonância” no palco. Acredito
que a mímica é fundamental para o desenvolvimento de um ator total. O
que, talvez, torne difícil a aproximação desta arte é que, nós os mímicos,
carregamos conosco uma espécie de “maldição” porque deixamos nossa
arte envolta numa aura de “arte secreta”, assim como os mágicos, eu
diria.
Cada
mímico, investe num tipo de pesquisa. Eu mesmo, observo muito as pessoas
porque esta é uma característica da pessoa do Jiddu, mas não acho que a
minha forma de expressar venha desta observação, ela está muito mais
conectada ao meu mundo interno, ao que sinto, muito mais do que ao que
vejo. Meu gesto resulta de sensações oníricas e alucinações poéticas
e isto às vezes, coincide com o mundo exterior, mas, a cada dia, me
preocupo mais em dizer aquilo que é, digamos, um pouco indizível. Há
também, o carácter imitativo da arte da mímica, é muito difícil
ultrapassar esta faze. O amadurecimento e a percepção sutil entre imitar
e encorporar uma ação, passa por um filtro de muita pesquisa e entrega
ao desconhecido.
O
Rosto da Denize Stoklos é a síntese da mímica, eu diria que o rosto
dela é uma espécie de logotipo da nossa profissão, embora eu ache, que
ela vá odiar isto que estou dizendo. Gosto de citar a Denize, porque ela
trouxe para o seu Teatro Essencial, a mímica, que é uma arte que ela
domina.
Eu
acho que a Internet é a esperança da mímica teatral. A mídia tem nos
massacrado muito neste século, porque insiste em associar a imagem do mímico
à de um imitador barato. A mímica é uma arte de grandes possibilidades
reflexivas e um imenso potencial de mercado e com propósitos edificantes
que podem atingir proporções monumentais. Na
internet, tenho certeza que vamos quebrar preconceitos e fazer a nossa
revolução estética! Todas as formas de arte evoluem, a mímica segue
este mesmo caminho, mas precisamos aprender a percorrê-lo juntos. Os mímicos
são muito solitários e desconectados como grupo. Isto difiuculta um
pouco o crescimento individual de cada um.
Todos,
existe aquele que é lacaio dos poderes constituídos e aquele que morre
sem Ter o que comer. Cada um carrega a sua idéia de liberdade e sonha o
sonho que acha que cabe mais para si. Dentro
do mundo da arte temos os Rockffellers e os Don Quixotes, acho que um se
alimenta do outro e às vezes, ambos se encontram num mesmo cemitério
depois de mortos. No
final, acho que o que vale a pena mesmo, é saber que você cumpriu a
tarefa que se auto impôs, aceitando uns, ajudando outros, mas, sobretudo,
mergulhando na tarefa de ser e dar o melhor de si.
|