ENTREVISTA COM LUIZ ANTONIO AGUIAR E MARISA SOBRAL |
Muitos dos entrevistados em Para entender o Brasil assumem que não
entendem o país. Os braziianistas entendem melhor o Brasil? Não. Eles entendem academicamente, e este nosso povo só se entende com
vivência. Mesmo quando os entrevistados dizem que não entendem o Brasil,
transmitem uma vivência e uma “sensação do entorno”, de
“ambiente”, fundamental, in loco. Não poderia haver melhor
material para entender o povo brasileiro, o que equivale a entender o país.
Não sabemos ao
certo. Creio que possa ser por uma combinação de fatores, tal como carência
de uma massa crítica, por um lado, necessidade de um momento de
enfraquecimento do poder conservador, de outro. Há
Estamos mais para
Betinho porque a população mais pobre deste país, que é a maioria,
aprendeu que a solidariedade é o grande esteio de sobrevivência em meio
às dificuldades de nosso modelo nacional excludente.É uma questão de
autodefesa...mas também de força espiritual, de caráter, de formação.
De fé. O país se nutre do caos que gera?
Não, esse é outro esteriótipo maldoso. Somos um país que no presente
está gestando sua cidadania e uma democracia vascularizada e original. Não
temos ainda algumas coisas consolidadas: identidade coletiva, uma referência
histórica comum...Mas somos um povo que está em movimento, e não
esperando o tempo passar, marcando passo.
JK e Tancredo são os heróis da geração vigente. Mas até que ponto são
responsáveis também pelo Brasil que não deu certo ainda? JK, mais do que herói, é uma referência de um tempo mais sonhador e
otimista. Quanto a Tancredo, não sei. Não detectamos tanta importância
assim de sua imagem, no trabalho de composição do livro.Fica muito difícil
hoje em dia avaliar a responsabilidade de ambos pelos atrasos em
nosso país.
(???)
O MST é o movimento mais importante no nosso país hoje? Para mim, é o
movimento que mais marca os limites da política neoliberal. Há populações
que o governo FHC e o que ele representa não planejam incluir. Mas isso
varia de acordo com a perspectiva, e não se pode - ninguém pode nem é
aconselhável - a partir de um ponto de vista pessoal dizer: isto é o
Brasil. Estamos num país muito complexo e de ligações muito tênues
entre os diversos segmentos.
Não. Para entender o Brasil, justamente por apresentar múltiplas
perspectivas e pontos de vista, é um instrumento para formação de opinião.
Uma ferramenta, que pode ser usada por cada um, ao seu modo. O livro não
aponta uma perspectiva única, mas sim oferece material e debates, controvérsias
e releituras, para cada leitor tirar suas conclusões. Esse sempre foi
nsso objetivo com o livro.
Essas coisas são muito complexas. Estamos em meio ao que pode ser uma
era (a do neoliberalismo) inédita em termos de monolitismo, amplitude e
hegemonia. É o primeiro sistema econômico e ideológico (por mais
fragmentado que seja) que ameaça
ganhar dimensão planetária, sem oposição nem alternativa, nem espaços
vazios ou exceções consistentes. Daí, é muito difícil pensar no que
se pode fazer para ganhar autonomia diante de um monstrão desses.
(Rodrigo, o que Gros diz é que gostaria que Collor TIVESSE CUMPRIDO as
promessas de campanha...Não vou responder esta!)
A insensibilidade social, como nos diz Frei Beto, impede o Brasil de
crescer. Quem vocês levariam para uma ilha deserta com passagem só de
ida? Todos os romances
que não andamos com tempo de ler.
Não. Mas somos um povo que merece se gostar e se valorizar muito mais do
que está habituado a fazer.
De várias maneiras, sim. Desde jogar futebol de um jeito que é muito
menos bonito e eficiente do que a gente sabe jogar, mas é o jeito
internacional, até destruindo irreparavelmente nossa biodiversidade,
passando por um espírito predatório das elites que têm os pés aqui,
mas estão sempre de costas para o povo brasileiro. Nem conhecê-lo,
conhecem.
Os Cassetas afirmam que os intelectuais não entendem o que é a TV no
Brasil. Afirmam que o país é emergente e brega. Qual o papel do
intelectual no Brasil?
O papel que eticamente sonhamos para um intelectual neste país é fazer a
ponte entre, de um lado, a
cultura e a riqueza humanística acumulada pela espécie humana e por
nossa saga específica neste país, e deoutro o povo brasileiro. Muitos
intelectuais brasileiros fazem isso, ou tentam fazer, e inclusive o fazem
trabalhando na tevê (não apenas na tevê, é claro), o que para pode ter
mais valor do que um punhado de chatos ranzinzas do lado de fora, só
criticando mas na maior inércia.
Os Cassetas afirmam que o Brasil é uma país recente. 500 anos deu para
muitos países conseguirem o desenvolvimento? Somos um país
recente por circunstâncias históricas particulares. Até porque ainda não
acertamos um passo próprio e estamos sempre sendo forçados ou levados a
recomeçar no ritmo alheio. Não sabemos se essa situação é reversível.
Confiamos que sim, mas não sabemos nem poderíamos saber como isso se
daria. Voltamos a chamar a atenção para o fenômeno das periferias
brasileiras. Algo com grande poder catalisador pode estar surgindo daí.
Eles, os Cassetas, parecem querer justificar o seu sucesso, que é legítimo,
bacana dizendo que o Brasil está melhor e iremos deixar um país melhor.
O que o Brasil tem de bom? Em que somos primeiro mundo? No futebol e na música
só? Somos os primeiros do mundo, pelo que sabemos hoje, depois desse livro,
em sabedoria de vida. É aquela história de saber sorrir na adversidade,
de não se curvar, não virar budista, não achar que miséria é
carma, não perder a capacidade de discordar, de se indignar, mas
maneirar, não ir à loucura, não se imolar nem dar murro em ponta de
faca. É ir esperando o momento certo. Somos um povo que aprendeu a
conviver com a adversidade e com o poder do oponente.
Há imbróglio entre intelectuais de esquerda e de direita quanto ao espírito
“funcionário público” do brasileiro. Por que querer um novo Brasil
tem de estar atrelado a tudo que a esquerda quer? Por que não é possível
para a esquerda perceber a existência de uma máquina do estado falida?
Por que para ser contra o FHC tem que ser a favor do funcionalismo público?
Não. Hoje,
depois desse livro, aprendemos o valor que tem qualquer um que nos ajude a
apurar nossa auto-estima. É claro que mais informação e formação
cultural poderia ampliar o leque de quem é popularmente considerado
orgulho nacional.
Nos debruçarmos
sobre o que o povo brasileiro é e pensa e acredita e sonha e faz.
Claro que não. O
que se procura ressaltar com uma afirmação dessas, aparentemente
estranha, é que os avanços e recuos acontecem de forma desarticulada. Ou
seja, mesmo o FHC pode ter algo de bom, mesmo que a gente leve vinte anos
para poder sentir isso.
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Marisa
Sobral Redatora,
copy, analista de originais e parecerista, tradutora. Ampla experiência
em projetos de pesquisa para
empresas públicas e privadas, e em estruturação e coordenação de
programas de leitura. Formada em História pela PUC-RJ. Mestre em
Literatura Brasileira pela PUC-RJ. Luiz Antonio Aguiar Escritor,
copy, redator e tradutor. Mais de 60 livros publicados. Prêmio
Jabuti 1994, 4 vezes ganhador da chancela Altamente Recomendável da FNLIJ,
Prêmio Adolfo Aizen (UBE - 1994). Diversos artigos sobre literatura e leitura
publicados, além de longa colaboração em suplementos literários.
Experiêncìa em redação para publicidade e marketing. Roteirista de
quadrinhos premiado. Animador de oficinas de redação e leitura, e de
criação literária, para instituições públicas e empresas. Formado
em Comunìcação Social |