O Brasil musical vive de ciclos. Ciclo rock, ciclo axé, ciclo
do pagode. Existe algo de positivo nesta prática? Como
solucionar o problema? É necessário fazer o que as gravadoras
querem?
LJ Essa idéia de todo mundo seguir um padrão, uma coisa que
está dando certo, de uniformizar o discurso, talvez seja
relativa à grande heterogeneidade da cultura deste país.
Acho esse negócio de “Agora é isso!” o fim da picada. Até por
que a indústria cultural é quem fomenta isso, no sentido de
facilitar as próprias vendas. Posso explicar: uma fábrica só
vai fabricar saBão se houver, por pesquisa, a informação de
que vai lucrar com aquilo, que tem gente interessada e
esperando por aquele produto. Na música é o mesmo, é preciso
definir qual a música que vai tocar nas casas das avós, nos
domingos à tarde, quando estiver sendo servido o frango
assado com macarronada e maionese. Eu não acho que isso seja
música, assim como não acho que um tecido estampado, por mais
bonita seja esta estampa, seja um quadro. A solução é voltar
à simplicidade, ao artesanato, produções modestas e que
possam prescindir de grandes verbas e aceitação popular, ou
seja, há que se evitar o mass media. As gravadora não
precisam ser atendidas, o que há de melhor hoje em dia no
mercado é a pirataria. Os piratas estão vendendo os discos
que o público quer, com a qualidade que o público exige, e
pelo preço que o público pode pagar. O único jeito de vencer
a pirataria é oferecendo algo melhor e no mesmo preço, além
de vender nos mesmo pontos. Veja que o jabá não está incluído
no orçamento, nestes casos. O disco que vou lançar em breve
vai me render o mesmo que os anteriores, em termos de
roialties, mas vai custar ao consumidor R$ 6,90, enquanto o
disco dos Titãs, da mesma gravadora em que fiz o meu último
disco, comprei por R$ 23,90.
Você tentou fugir da repetição. No seu disco mais recente
você gravou sucessos de outros compositores. Apesar de
o seu trabalho ter ficado muito bem feito, o público não
deu o "aval". Quem quer o Leo Jaime cantando rock a vida
toda? É o público ou são as gravador?
LJ - A WEA não queria que aquele disco desse certo por haver
uma cláusula no contrato dizendo que se aquele vendesse mais
de vinte mil cópias eles teriam que gravar outro. Eu acabara
de ganhar uma causa jurídica contra eles, que se estendera
por 3 ou 4 anos. Estavam doidos para se livrar de mim, e é
compreensível. O público gosta daquelas coisas antigas,
sempre me pedem nos shows, mas também reconhece a minha
maturidade e se interessa pelas coisas novas. “Preciso dizer
que te amo”, daquele disco, até hoje não saiu da programação
das rádios.
Toda a música pop é descartável?
LJ Não, o pop é absolutamente legítimo como gênero estético.
O sub-produto do pop, que é de difícil identificação, ou
seja, o produto da indústria cultural, que não tem muita
personalidade, nem subjetividade, este sim é um produto
altamente perecível. Veja só, está na moda esta onda Techno,
e toda a imprensa dita inteligente endossa uma coisa que é,
por se encaixar em todos os aspectos, Musak. Não diz quem
fez, como fez, o que pensa, o que gosta, e nem tem
subjetividade nenhuma. Você saberia dizer, ao ouvir um
sucesso de axé ou sertanejo ou pagode paulista, qual o
compositor, ou sua origem, ou seu posicionamento crítico seja
lá em que área for? Não, é a preocupação número um de todo
produto de marketing, não ter rejeição. Arte é outro papo.
Existe alguma praga contra o artista que sai da mídia? Não é
bacana fazer como o Lobão e construir uma nova mídia? Falta
muito pra “cair na rede”?
LJ - Neste mundo globalizado só faz sucesso o que já é
sucesso. Veja o caso da Adriane Galisteu, primeiro ela fez
sucesso, depois começou a fazer coisas. Estou totalmente no
mundo paralelo e não tenho o menor interesse em gravadora,
shows para 5 mi pessoas, turnês pelo Brasil com um dia em
cada cidade. Já passei por isso, esei o preço. Não estou mais
interessado.
Como encara a internet? Qual o caminho ela ocupa na sua vida?
É catastrofista quanto ao futuro do livro e do MP3?
LJ - Não sou catastrofista em nenhum aspecto. Me interesso
mais pela linha de raciocínio que quer compreender o prazer e
a felicidade e não por aquela que quer compreender a
tristeza. Internet é um veículo, o motorista é que dá o rumo.
A maior parte das pessoas quer ser apenas um tijolo na
parede. Não sofrer é hoje um estilo de vida que arrebata
multidões. Quem sou eu para dizer que isto está errado? Se os
papos na internet são sempre meio frívolos, é por que
escolheram assim. Se escolheram abolir a leitura, e isso é
evidente, é por um total interesse em vasculhar a própria
subjetividade, coisa que implica em alguma forma de
sofrimento. O hedonismo puro e simples,sem muita reflexão,
aquele negócio de não ir em filme que “tem que pensar”, ouvir
a música que todos ouvem, e não se questionar sobre nada, é
um estilo de vida muito atual.
Como é o seu processo de criação? Acredita na inspiração?
LJ -Acredito na idéia como princípio e no improviso como
método. É como na escola, a professora dá um tema e você
começa a inventar a redação.
Quais os compositores mais iluminados na opinião de Léo
Jaime?
LJ - Souum gostador, adoro gostar das coisas. Chico Buarque,
Tom Jobim, Cole Porte e Gershwin são certamente nomes que
me marcaram muito. Mas eu citaria o Elvis Costello, o
Prefab Sprout, os Beatles, os Rolling Stones, e mais uma
cambada de gente. Rita Lee, Erasmo Carlos, Benjor….muita
gente.
Digamos que a letra de música é parte indispensável à canção
pop. Estamos em crise de criatividade? Segundo o Xexéo, desse
jeito, com todas as portas fechadas, jamais surgirá um Chico,
um Caetano, Gil. Concorda ou o talento passa por tudo?
LJ - Concordo. O novo Chico, e até já existe um, que é filho
do João Bosco e tem feito as letras dele era meu colega de
faculdade, uma fera -, mas não estará sendo ouvido por todos
como o Chico era à sua época. Essa coisa fragmentada, essa
linguagem MTV, que deixa a gente zonzo por excesso de
informação, geralmente informações inúteis, é um assassinato
cultural. O olha humano, a mente humana não tem capacidade de
assimilar coisas depois de uma certa velocidade. Quem faz 60
cortes por minuto não tem nada muito interessante para dizer,
então fala demais. Chamam isso de forma vazia.
Quais as canções que fazem a sua trilha sonora?
LJ - Chi, parada de sucesso? Vamos lá, vou fazer uma hoje mas
se fizer outra amanhã talvez não repita nenhuma das que citei
hoje.
1 Chet Baker, cantando “I fall in love too easily”
2 Elvis Presley, cantando “Suspicious mind”
3 Beatles, cantando “For no One”
4 Elis, cantando “Retrato em branco e preto”.
5 Elvis Costello, cantando “Almost Blue”
6 Bread, cantando Everything I own”.
7 Bob Marley, com “I don’t wanna wait in vain”.
8 Billie Holliday. com “Body and soul”.
9 Little Richard, com “Lucille”.
10 Prefab Sprout, com “Wild Horses”.
11 Paul MacCartney, com “Maybe I’m amazed”.
Por hoje chega.
Você tem alguma saudade dos anos oitenta? Mudaria alguma
coisa na sua vida? Por que todo mundo diz que não mudaria
nada na vida? Não há nada de que se arrepender?
LJ- Tenho saudade sim, era uma época muito bacana, no que diz
respeito às coisas da juventude. Acho que foi a última lufada
naífe no mundo. Depois daquilo tudo é marketing descarado.
Gostava de um certo romantismo, da falta de interesse nas
relações, do valor que se dava aos cultos, o mesmo que se dá
hoje aos que ostentam. Era bacana, e trepava-se muito, e com
algum envolvimento, algum sentimento, o que dava um certo
“extra” aos pequenos casos. Era bacana. Eu mudaria muita
coisa, no sentido profissional, no pessoal, no físico, me
arrependo de muitas coisas, e não tenho vergonha disso. Só
não vou entrar em detalhes pra não dar mole para a
concorrência , já tem muita gente ocupada por aí em ver os
meus vacilos. Mas eu diria que “Vou comer a Madonna” ou
“Bobagem” não sairiam hoje em discos meus, apesar de que
gosto das idéias. Foram mal acabadas, faltava um senso
crítico naquela época. De certa forma, perdi a mão como
compositor. Esse negócio de esperarem de mim um estilo
definido e estável sempre foi um problema: sou muito
inconstante.
Depois de muito tempo fora da escola, você voltou a estudar.
Por que escolheu o jornalismo como profissão? O curso
superior de comunicação é necessário ao jornalista?
LJ- Estive sempre estudando alguma coisas. Acho que o curso
superior é importante em vários aspectos para quem faz
cultura. Primeiro para rganizar os seus estudos, dar uma
base, uma compreensão do que há para ser explorado. Em
segundo há aquele negócio da convivência. Escolhi comunicação
por estar escrevendo em jornais e revistas a mais de 10 anos.
É claro que para fazer o que eu faço não é preciso o diploma.
Pensei em estudar psicanálise mas achei que para mim a coisa
generalista que o jornalismo propõe é mais adequada que o
aprofundamento específico da psicanálise. No fundo estou
interessado nas emoções humanas, mas acho a prática do
escritor mais interessante que a do terapeuta, para o meu
temperamento.
Quais livros fizeram a sua cabeça?
LJ - “O apanhador no campo de centeio”, “Admirável mundo
novo”, “Estranhos, embora íntimos”, “Macunaíma”, “O eu
profundo e os outros eus”, tudo do Bukowski e do Nelson
Rodrigues, uma porção de coisas.
Letra de música é poesia?
LJ- Não, é letra, embora o lirismo esteja em várias artes, da
dança ao cinema, assim como na letra. A forma poética, no
entanto, é um pouco direrente.
Você tem alguma epígrafe que o acompanhe?
LJ - “Eu posso viver sem isso?”, serve para muitas coisas,
para evitar dizer desaforos ou compras desnecessárias. Outra
é “Quanto mais brinquedos no meu parquinho, mais eu me
divirto”, também de autor desconhecido. Como disse, sou
inconstante, mudo a epígrafe como troco de cueca. Tem um
livro que eu adoro, do Oscar Wilde, “O retrato de Dorian
Gray”, em que grifei umas 100 frases. É muito bom.
Artistas são a antena da raça? Qual o papel do artista na
sociedade?
LJ - Totalmente de acordo. Antena da raça, criar é inventar,
i estabelecer metas e ética, dimensões de percepção,
discursos emocionais etc. É um negócio bárbaro, muito
melhor do que seguir modas consumistas. Pode ter certeza
que não há remédio melhor para depressão que o contato com o
belo, com uma obra de arte que focalize a nossa dor.