ENTREVISTA COM FERNANDO MONTEIRO |
Fernand |
1.Há
uma idade definida para ser escritor de Romance? Concorda com a ordem
cronológica poesia, conto e romance? R
- Não acho que haja qualquer idade "definida" para se ser
romancista - embora a experiência de vida possa ampliar a bagagem, a
acuidade psicológica e a maturidade de visão implícita no gênero. Mas,
pode acontecer de alguém muito jovem escrever um bom romance, por
algum mecanismo misterioso da inspiração (há exemplos: Alain Fournier
escrevendo "Le Grand Meaulnes", Raul Pompéia ao estrear com
"O Ateneu" etc). Quanto
à ordem "cronológica" - ou seqüência - da poesia para o
conto e daí para o romance, não acredito seja "ordem" de espécie
alguma. Os três gêneros satisfazem intenções diferentes e são autônomos
e intercambiáveis, digamos, entre si. 2.
No livro ECOMÉTRICA você conseguiu mensurar o tamanho de um eco? Ou eco
é eterno? R
- "Ecométrica" é um livro feito do som do som das palavras,
com o qual - segundo Mallarmé - se faz melhor poesia do que com idéias.
A palavras já portariam as idéias "embutidas" no campo sonoro
- mais do que semântico. Tentei que o conjunto dos poemas funcionasse
como um motor de palavras acionando o sentido profundo, por assim dizer. 3.A
poesia atual é feita para poetas. Você é poeta. Tem alguma relevância
o fato de o poema existir para tão poucos? ou a poesia é pra poucos
mesmo? R
- A poesia sempre será para poucos - mas, hoje, esses "poucos"
são poucos como nunca foram tão poucos, para ela. Assim, o "código"
de leitura do poema parece que ameaça se perder do público, e seguir
sendo cultivado só por poetas que lêem poetas. É uma pena. 4.Com
quantas metáforas se faz um poema? R
- Com quantos paus se faz uma jangada? Depende do tipo de viagem que você
quiser fazer... 5.Você
lançou seu livro recente em Portugal primeiro do que no Brasil. Por que
Portugal saiu na frente? R
- Porque enviei para várias editoras brasileiras e obtive o silêncio
como resposta. Minto: duas editoras me responderam, com mil elogios e uma
negativa, no final da carta. Então, enviei o original para uma grande
editora portuguesa - a Campo das Letras (editora dos livros de Rubem
Fonseca, em Portugal) - e obtive, após um certo tempo, a resposta de
aceitação de "Aspades, Ets, Etc" para publicação na Coleção
Campo da Literatura, daquela editora. 6.Você
optou pelo romance devido a ausência de dinheiro para fazer cinema no
Brasil? R
- Não. Os recursos narrativos da literatura me satisfazem mais - pela
possibilidade de expressão direta, não-intermediada pela técnica, pelos
atores etc - do que a parafernália necessária, no cinema, para chegar a
resultados às vezes bem frustrantes... 7.Há
algo para comemorar nesses 500 anos de Brasil? Quem é o artista
brasileiro? R
- Comemoremos nossa resistência a 500 anos de quase indiferença pela
cultura. (Herdamos isso do "pragmatismo de aldeia" dos
portugueses, parece). E o "artista brasileiro" é esse tremendo
resistente, digno de todo louvor num meio hostil ou, no mínimo,
indiferente. 8.Borges
dizia que se há uma vassoura no texto e, ela não tem nenhuma função, não
há o porquê da existência da vassoura. Concorda? Tem alguma fórmula ou
receita para escrever romance? O romance se aprende (hoje) na escola? R
- Vamos por partes - conforme diria o Estripador. No caso das vassouras
borgianas, tenho um certo receio da utilização, no texto, só da coisas
que tenham "função". Isso talvez traga uma certa "mecânica",
tipo: "vou usar isso para mais tarde etc". Ora, a vida não é
assim. A vida deixa vassouras por toda parte - atrás das portas e na
frente da gente. Tropeçamos nelas, quebramos a perna - e aí conhecemos
uma bela enfermeira etc. Ou seja, vassouras podem parecer que não fazem
nada num texto, e no entanto... 9.É
sempre bom existir gênios como Proust, Glauber que acabam com esquemas?
Concorda? R
- Eu não teria tanta certeza de que o artista, hoje, ainda consiga
"quebrar" esquemas. O
próprio Gláuber - com a sua total lucidez - apontava para o modo como o
trabalho do artista é "atenuado", hoje em dizer, ao denunciar:
"A indústria - hoje - recupera tudo..." inclusive o
"rompimento de esquemas". Lembre-se que até o "Che" já
virou um ícone da cultura pop - e por aí vai. 10.Você
é um autor laureado. Qual a importância de um prêmio literário? R
- Os prêmios chamam a atenção pública para o trabalho de alguém, em
qualquer setor. Mas, se esse trabalho fluísse com mais apoio e melhor
distribuição etc, talvez os prêmios não fossem tão vitais, como no
momento, para acender luzes sobre trabalhos dignos de atenção. ISSO
partindo do princípio de premiações justas, feitas com total lisura e
independência. (Não é sempre assim, conforme se sabe - infelizmente.) 11.Qual
o papel do R
- Ser a sua má-consciência. Acender a luz onde está escuro - e abrir as
cabeças com o mais afiado machado de palavras que possa se comprar com a
"moeda" da sensibilidade para a beleza que é justiça e
verdade, para citar o velho Keats - que ainda continua valendo. Artistas -
verdadeiros artistas - não morrem. |