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Um pouco sobre Paulo Ferraz
Paulo Rogério Ferraz, 25 anos, nasceu em Mato Grosso (na data
de 12.08.74), tendo vivido em Cuiabá até 1995, ano em que se
transferiu para São Paulo. É bacharel em Direito pela
Universidade de São Paulo, onde desenvolveu atividades
jornalísticas e literárias, tendo sido presidente da Academia
de Letras do Largo de São Francisco. Criou em 1999, junto a
Pedro Abramovay e Matias Mariani, o Selo Sebastião Grifo,
destinado a publicação de poesias, pelo qual lançou
“Constatação do Óbvio”, seu primeiro livro, recebendo menção
honrosa no concurso Nascente USP/Abril. Atualmente, é aluno
especial da pós-graduação da FFLCH/USP.
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Quais os poetas que construíram o poeta que é?
Os primeiros contatos que tive com a poesia se deram na
escola. Tive aulas de versificação, aprendi cedo o que era
metro, rima, estrofe etc. Lembro de haver escandido uns
sonetos do Camões. Mas ficou só nisso. Encarava a coisa como
matéria de português. Dessa época, um poema que me chamou
atenção, que nem é grande coisa, foi um soneto do Machado de
Assis: “À Carolina”. Mais nada. Por volta dos quinze anos foi
que passei a ter um interesse maior pela poesia em si,
primeiro com Drummond, Bandeira e Vinícius, depois Mário de
Andrade, Gregório, Cecília, mais tarde Lorca, Neruda e Rilke.
Lia o que havia na biblioteca do colégio em MT. Depois
descobri os simbolistas, e nessa época conheci o Rimbaud,
que foi fundamental. Eu tinha 16/17 anos, a figura dele foi
marcante naquela época – e de certo modo ainda é. Dessa época
em diante comecei a ler os Campos, o que me afastou um pouco
dos demais acima, só queria saber de Pound, Mallarmé,
cummings e o resto do paideuma. Dessa época também fiz minhas
primeiras leituras do João Cabral, não conseguia me educar
pela pedra. Só mais tarde, depois que vim para SP e ampliei
em muito meus conhecimentos (Gullar, José Paulo, Nelson
Ascher, Vasco Popa, Valéry, Williams, Stevens etc), foi que
pude sentir a força da poesia dele. Tenho a plena certeza de
que sou um leitor em formação, ainda restam lacunas enormes
nas minhas leituras. Destaquei esses nomes pois foram nomes
que ajudaram a fixar alguns conceitos, buscar alguns
caminhos. São a minha base, há outros, claro que há, mas a
esses que citei devo muito.
Como utiliza a internet?
A internet tem sido fundamental para a minha expansão no
mundo das letras. Não se pode comprar todos os livros do
mundo, principalmente de poetas que ouvimos falar pela
primeira vez. Quando me aparece um nome “novo” a primeira
coisa que faço é olhar no Jornal de poesia, ou no Palavra P.
Se não encontro nada, faço uma busca. Sempre há alguma coisa,
um poema, uma crítica, um artigos que seja, alguma informação
sempre aparece. Só depois penso no livro, assim foi com o
Carlito Azevedo e com o Heitor Ferraz, o primeiro contato que
tive com a obra deles foi pela internet.
Tenho usado a internet também para escrever sobre poesia,
trocar e-mails sobre literatura com amigos tem me ajudado a
consolidar alguns conceitos, tomar algumas posturas, corrigir
erros etc. É uma forma de manter o diálogo. Antigamente os
escritores faziam isso por meio de cartas, o que era muito
mais demorado. Com o e-mail a resposta é bem mais imediata –
torna-se quase um diálogo.
Qual o papel do escritor na sociedade?
Não sei se o poeta tem um papel na sociedade – seu papel é
escrever a partir dos valores da sociedade a que pertence, se
ele escrever bem, já terá cumprido uma grande “missão”, que é
a de sintetizar questões, medos, dúvidas, desejos etc, de
modo mais ou menos crítico. Infelizmente, vivemos numa época
pouco propícia à ação, uma época de valores difusos (e
confusos), de falta de perspectivas, de descrédito no outro.
Não falo só de artistas, mas do povo em geral. Uma coisa era
o final do século XIX, quanta esperança na ciência, na
máquina, na eletricidade, no positivismo, no socialismo! Um
século depois, temos a consciência de que as revoluções não
melhoram nossa vida (tirou a de muitos, é certo). Mas ninguém
seria ingênuo ao ponto de propor o fim da máquina, a volta ao
lampião a gás, a questão está em saber continuar
aperfeiçoando os modos de produção, o mercado, mas sem pôr em
risco a vida, o meio ambiente etc. Fiz toda essa volta para
dizer que se há um papel do escritor de hoje este é o de
continuar o projeto modernista (ou “romântico”), mas com
cautela, sem desprezar este ou aquele recurso, não sou dos
que vêem com nostalgia o Parnaso e a Arcádia, mas não podemos
deixe de ver a poesia como um todo, que possui seus elementos
necessários e essenciais para que seja poesia. É preciso hoje
cuidado e responsabilidade com a criação, nem tudo o que sai
de nossas cabeças, por mais genial que pareça, se aplica
positivamente às artes. Não faltam exemplos hoje de poetas
que produzem, mas poluem; criam, mas depredam. Isso para mim
já é uma tarefa bastante árdua.
Com quantas metáforas se faz um poema?
Um bom poema se faz com a(s) metáfora(s) necessária(s), e
pode ser que o poema nem necessite de uma metáfora. Vejo a
metáfora como um risco, é um desafio que todo poeta tem que
enfrentar. Devido a sua importância, por muitas vezes se
confundir com a própria função poética da linguagem, pelo seu
potencial imagético, vem sendo por todos os tempos usada,
usada e desgastada. Curtius, no “Literatura Européia e Idade
Média Latina” mostra como uma série de metáforas passaram, já
na antigüidade, do universo da originalidade para o do “lugar
comum”. E esse “lugar comum” é o perigo que nos ronda. Mas é
prazeroso quando vem um poeta, pega o “lugar comum” e o
devolve ao justo lugar com genialidade. Isso é mais difícil
do que ser original. Acredito que é possível verificar a
profundidade e a grandeza de um escritor a partir do trato
dele com a metáfora.
Mas eu não ficaria restrito à metáfora. Há tropos e figuras
que enriquecem em muito o poema, estão aí a alegoria, a
metonímia, a catacrese, a perífrase, a antítese, a gradação,
a hipérbole, a ironia, o paradoxo, o trocadilho etc. Por mais
que a metáfora seja quase imprescindível para despertar no
leitor sua capacidade de abstração, um poema pode-se muito
bem ser constituído com outros recursos. Como refutar o fato
de que grandes escritores são grandes conhecedores da língua?
usam-na com técnica e precisão para o que bem querem, mais
ainda, há muita sensibilidade no manejo da técnica. Quem
imagina o uso das figuras e tropos num poema como um
“adorno”, comete um grande engano, pois parte do modo de
expressão do autor está em como ele usa a palavra e não só na
mensagem, na emoção, na idéia, na “sacada”.
Existe uma maneira paulista de ver o mundo? De fazer poesia?
Seria muito difícil responder a essa perguntar sem fazer uso
de estereótipos, ainda mais sendo eu um não paulista. A meu
ver o dia a dia de São Paulo não difere muito do das grandes
cidades brasileiras de hoje, com rotina e problemas urbanos
comuns. Talvez por conviverem na Grande São Paulo quase dois
milhões de pessoas esses problemas se agravem, o trânsito é
um bom exemplo. Essa história de paulista, ou melhor, o
paulistano, como um “workholic stressado” é papo furado.
Quanto à poesia, acredito que por ser um polo, São Paulo
atraia pessoas de todo o Brasil, não só quanto à poesia, mas
artistas em geral, o que torna o ambiente bastante
diversificado e, consequentemente, o debate mais acirrado.
Talvez esteja aí uma razão de algumas tendências artísticas
terem florescido aqui. No entanto, vale a ressalva que se há
uma poesia urbana, ligada ao cotidiano e a tecnologias,
também há uma poesia com forte sabor de terra do interior. O
que falta à poesia paulista é o mar, mas isso é fácil de se
resolver: umas horas descendo a serra e ele está lá, igual ao
dos cariocas. No mais, os desafios do poeta paulista é o
mesmo de qualquer poeta que vive o hoje, dialogar com seus
semelhantes, sendo uns como outros alheios ao diálogo.
O que representou o concretismo para a sua poética?
Quando se “descobre” o concretismo, a primeira reação sempre
é a do espanto, de um modo negativo ou positivo, mesmo hoje
com a assimilação da linguagem visual pelas mídias. Comigo
não foi diferente, de um dia para o outro meu horizonte
poético e lingüístico se ampliou muito. Mas nunca me deixei
levar pela tentação de escrever poemas concretos. A grande
contribuição no meu fazer poético não está diretamente ligada
à composição, mas no modo como encaro o poema: como um objeto
em si, como uma estrutura racional que é construída para um
fim, que pode ser trabalhado a partir de diversos recursos.
Claro que essa não é a lição exclusiva dos concretistas, é
algo que sempre esteve na literatura de modo mais ou menos
explícito, mas foi com eles que primeiro aprendi a lição. Só
o fato de eu ter surgido quarenta anos após o concretismo já
me faz diferente, eles próprios não são os mesmos. Ainda
assim, acho válido as incursões que fizeram no mundo da
linguagem e dos signos, que acabaram por penetrar em nosso
universo poético. O caminho foi aberto e pode ainda ser
trilhado, não acredito que poemas verbi-voco-visuais sejam
patrimônio exclusivo deles. Mas vale o mesmo para quem
resolver fazer sonetos, é preciso voz própria e ter a
consciência que outros já fizeram e muito bem. Usando um
jargão concretista-poundiano, já se foi a época dos
inventores, o que precisamos agora é dos gênios (porque
diluidores temos aos montes).
Concorda com o Décio Pignatari, ele afirmou que o Drummond
era um grande poeta, mas como intelectual era um escritor
menor?
De modo algum. É um conclusão falsa tirada de premissas
também falsas. Não ter liderado nenhum movimento, não ter
exercido a crítica como um franco atirador, não ter
descoberto nenhum poeta genial do passado, não ter proposto
novas formas poéticas não faz dele menor. A grande
contribuição do Drummond está em seus poemas (e nas
crônicas), se não houvesse um grande escritor por trás da sua
obra como explicar a grandeza de seus poemas? Intuição?
Drummond soube, como poucos, sintetizar as questões deixadas
em aberto pelo Modernismo, bem como alinhavá-lo dentro de uma
tradição lírica, ao ponto de criar um voz única, pessoal e
inimitável.
Creio que esse tipo de argumento está superado, foi bandeira
de luta, num momento específico, depreciar alguém para
valorizar outrem - vide o Mário Faustino, que escreveu a
mesma coisa. Era preciso desmerecê-lo em algum ponto,
encontrar falhas no homem Drummond, no seu funcionarismo
público, no seu distanciamento. Por que também não fazem essa
acusação ao João Cabral? Ele também seria menor, afinal
também não expôs seu intelecto nos jornais ou nas
universidades, salvo uma ou outra vez. Tenho para mim que há
bons poetas que são excelentes intelectuais, mas nem sempre é
possível o caminho inverso. No “dia do juízo” os poetas serão
julgados pelo que está escrito seus poemas poemas e os
intelectuais, em suas teses.
Qual o poema que mais o personaliza? Fale sobre ele.
Dentre os poemas do meu livro, há dois que se voltam para o
próprio fazer poético, que de um modo geral, representam o
meu modo encarar um poema. São eles, A Poética Vista no
Armário e Constatação do Óbvio, que dá título ao livro.
A POÉTICA VISTA NUM ARMÁRIO
Suspenso por esses
ombros finos – qual fumaça
condensada em pano
não pela ação de intempéries,
mas pelo domínio
das mãos sobre o bruto – quanto
guarda de um conteúdo
já tido? Seu corte fôrma
não é para o aparente ]
vazio. Se me entrego às curvas
e drapeados, deixo
me envolver na trama e ali me
posto. Logo noto o
dom que o fez, paciente e certo,
por metros em que eu, que
nada sei de seus motivos,
constato em qual corpo
cairia – de pronto me espanto,
pois se forma dentro
de mim – mesmo sendo roupa – a
sensação do toque.
CONSTATAÇÃO DO ÓBVIO
Uma arara pousou em minha
Janela... joguei-lhe baldes
De tintas, azul, vermelha,
Amarela por sobre as penas
Naturais, azuis, vermelhas,
Amarelas. Criei a arara-arte.
Falo de ambos: o primeiro trata da relação do leitor com a
poesia, e num segundo plano, de como o autor deve se
comportar para permitir que o leitor se guie por este ou
aquele caminho. Em suma, cabe ao leitor a reconstrução do
poema, isto é, buscar na matéria trabalhada, no artificial os
motivos que levaram o autor a escrevê-lo e dessa reconstrução
“sentir” alguma coisa. Em contra partida, o poeta deve ao
escrever pressupor esse leitor-poeta, portanto deve construir
um poema que lhe dê possibilidades criativas, tanto por
sugestões imagéticas, quanto por recursos técnicos. Os
objetos artísticos, a meu entender, se constituem de três
fases, sendo uma imaterial, que é o momento da gênese, da
idéia, da “inspiração” do autor; outra material, que é o da
exteriorização, do objeto físico – sendo que do sucesso dessa
depende a terceira, que também é imaterial, que é o da
recepção da obra pelo outro. Portanto esse poema trata dessa
relação triangular: autor-obra-leitor. Não me causa muito
interesses poemas de mão única, nos quais o poeta “comunica”
um sentimento ao leitor, em geral são poemas que podem ser
lidos uma única vez.
O segundo poema, bem mais simples, é, em certo sentido uma
apologia ao artificial, à ars. Só é belo o que for
construído, ainda que a partir de modelos reais, de elementos
do cotidiano. O óbvio a que me refiro é justamente esse, a
poesia está no fazer, no objeto e não no modelo ou no autor.
Só deixo um recado, constatar o óbvio na poesia não significa
reagir ao novo, muito menos, apoiar o velho – há obviedades
comuns ao mais original dos poemas e ao mais conservador: o
instrumento do poeta é a palavra poética, e disso não podemos
fugir.
O modernismo morreu. É tempo de refazer o que já foi feito?
O Modernismo sim pode ter morrido, mas não o moderno. As
últimas décadas têm demonstrado um certo cansaço em relação
às propostas de ruptura, de invenção de originalidade
absoluta e de propostas para uma solução definitiva em
relação às formas poéticas. Uma coisa era Rimbaud ao dizer:
“eu inventei as cores das vogais” (“inventei” e não atribui)
e “sejamos absolutamente modernos” (o que levou Mário de
Andrade a conclamar que seguíssemos o exemplo de Rimbaud e
esquecêssemos de Mallarmé), ele vivia um mundo em
transformação, um mundo de contrastes onde qualquer coisa que
lembrasse a “clássico” era tido por velho e ultrapassado.
Outra é a situação que vivemos hoje, o futuro é uma
incerteza, o próprio presente é incerto, mal sabemos onde
pomos os pés. Depois de cento e cinqüenta anos de Revoluções
tecnológicas e políticas, consequentemente com mudanças nos
hábitos, nos costumes e nos valores, praticamente não há
mais com o que romper. Nossos horizontes foram expandidos
pelas vanguardas, creio que estamos ainda perdidos, pois não
sabemos ao certo que mundo herdaremos do século XX.
Portanto, acredito no enfraquecimento de movimentos de
vanguarda, com manifestos, séquito e tudo que têm direito,
mas creio que continua presente o espírito de moderno, ou
seja, da arte que refle os valores do agora (modernidade não
que dizer outra coisa senão “agoridade”, a mesma de que nos
fala Haroldo de Campos), sem ranços de totalitarismo, sem
“receita de fazer versos conforme a minha cartilha”. Quando
não se tem um corrente clara, uma estética oficial, os
artistas se sentem mais livres para fazer suas investigações
particulares, e aí reside a contemporaneidade da poesia
atual, a releitura particular de nossa tradição literária,
mas não simplesmente uma retomada de formas antigas, pré-
modernistas. Seria muito cômodo para uns denunciarem os
“erros” modernistas e voltar escrever poesia com P maiúsculo,
reivindicar o starus de vate e de bardo. Nesse sentido,
refazer o já feito é o mesmo que nada. A meu ver, o grande
desafio do escritor de hoje está em saber conciliar mais de
um século de invenção de modo harmônico, sem “escrever
bonito” tão somente como alguns tem feito, mas, acima de
tudo, imprimir a personalidade nos versos, daí pouco importa
se teremos um soneto, uma balada, um poema-peiada, um poema-
ideogrâmico, um poema visual. Sejamos absolutamente modernos,
modernos à nossa maneira!
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