PAULO CESAR ANDRADE |
1.Qual
a influência tem do surrealismo? Tenho grande simpatia pelo surrealismo. Tomo o termo aqui não só como movimento do início do século, portanto, atualmente cristalizado nos livros de História da Arte. O conceito de surrealismo deve ser entendido aqui como um estado de espírito, uma reação permanente contra o cotidiano ralo e vazio. Uma prática em que a realidade é fecundada pela imaginação, pela subversão de e através de versos, pelo sonho promovendo a emancipação do ser humano, por meio da desrepressão em níveis profundos. Em relação à minha poesia, não vejo nenhuma influência direta do surrealismo francês, “clássico”. Ao contrário, pelas minhas afinidades eletivas posso dizer que pertenço a uma linhagem de poetas construtivos, que pensa a linguagem escrita mais como artefato. 2.
“alquimia do verbo/corrosão da sintaxe/subversão de versos/fratura e
sutura de textos.” São pecados ou estilos? São
“pecados” que os bons poetas cometem e devem ser sempre cometidos
porque são eles que geram novos significados. 3.A imagética dos versos “esculturas de fumaças nos ares/indefinidas. desérticas.” é uma constante em sua produção literária. Uma imagem vale mais do que mil palavras? Várias
pessoas já comentaram comigo esse traço imagético e escultórico dos
meus poemas. Tenho forte relação com as artes plásticas (mais até do
que com o cinema ou fotografia). Interesso-me pelas cores e suas
possibilidades de criar variadas formas e texturas. Gostava muito de
pintar na adolescência. E, às vezes escrevo um poema como se estivesse
pintando uma tela. 4.Com quantas metáforas faz um poema? Num
poema, por maior que seja, existe apenas uma metáfora, ou, um poema por
melhor que ele seja, diz apenas uma única coisa. 5.A poesia brasileira, feita hoje, é de boa qualidade? Sou
um leitor interessado pela produção poética dos meus contemporâneos.
E, apesar de tantas críticas, gosto muito da poesia dos anos 80-90 e faço
parte dela. Mas, não há como negar que alguns poetas, no afã de mostrar
domínio técnico, estão chegando a um grau de requinte e intelectualização
tal que a poesia começou a ficar estéril. Não basta apenas demonstrar técnica,
é preciso ser, sobretudo, poeta. 6.Você acredita em inspiração ou transpiração? Acredito
que a princípio há um insight, motivado pelos mais diversos eventos, seja pelo cotidiano,
leituras, memória, questionamentos, reflexões, enfim. Trata-se de uma
massa amorfa. Um animal selvagem que temos que domá-lo, e aí, meu caro,
é preciso transpiração. Não podemos perder de vista que os poemas mais
“instantâneos”, como os dos poetas marginais, ou os mais desregrados
ou as técnicas de “escrita automática”, utilizadas pelos
surrealistas, são construções de linguagem. Não é possível negar que
é difícil operar com o instrumental da linguagem escrita, da mesma forma
que não é fácil dominar realmente técnicas de pintura, escultura ou um
instrumento musical. 7.Como utiliza a internet? Não
sou um internauta. Utilizo a internet de forma muito prática: receber e
enviar e-mails, quando visito um site é para buscar algo que já sei que
vou encontrar, dali clico em outros links, navego para outros sites, mas
enfim, ainda utilizo a internet para pesquisar. 8.Qual a importância de submeter textos à análise crítica de outros poetas e gente especializada? Esse
diálogo é fundamental para quem pretende ser bom poeta. O olhar felino (às
vezes ferino) do crítico nos fornece informações preciosas, que
sozinhos, na torre de marfim, não conseguiremos visualizar. Não era à
toa que os nossos modernistas da primeira geração faziam leituras em
saraus, discutiam e se correspondiam tanto, assim com escritores, críticos, os poetas franceses do início
do século se reuniam nos cafés para ler, trocar e discutir seus poemas.
Sempre passo meus poemas para os amigos lerem. Gosto de ver o
distanciamento crítico do outro.
Ademais é um exercício de humildade que nos proporciona novas
aprendizagens. 9.Tem algum mote? O
acaso é que me impulsiona. 10.Qual o papel do escritor na sociedade? Diria que a função do escritor, é provocar a desautomatização da consciência, para ressuscitar um termo dos formalistas russos, num mundo em que as coisas tornaram-se imperceptíveis em sua totalidade. Através e pela linguagem o escritor ainda renova nossas percepções do mundo cotidiano. |