ENTREVISTA COM
AFFONSO ROMANO DE SANT’ANNA
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SOBRE AFFONSO
Um dia dizendo seus poemas no Festival Gerald
Hopkins(1996), na Irlanda ou na Casa de Bertold Brecht, em
Berlim(1994), outro dia no Encontro de Poetas de Língua
Latina(1987) no México, ou presente num encontro de
escritores latino-americanos em Israel(1986), ou
participando o International Writing Program,em Iowa(1968),
ARS tem reunido através de sua vida e obra, a ação à
palavra . Foi assim quando em 1973 organizou na PUC/RJ a
EXPOESIA, que reuniu 600 poetas desafiando a ditadura e
fazendo emergir a poesia marginal, foi assim quando em
1963, no início de sua vida literária foi um dos
organizadores da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, em
Belo Horizonte. Com esse mesmo espírito de aglutinar e
promover seus pares criou, em1991, a revista “Poesia
Sempre” que divulgou nossa poesia no exterior e foi lançada
tanto na Dinamarca, quanto em Paris, tanto em São Francisco
quanto New York, incluindo também as principais capitais
latino-americanas.
Atento à inserção da poesia no cotidiano, produz poemas
para rádio, televisão e jornais. Tendo vários poemas
musicados, foi por essa e outras razões convidado a
desfilar na Comissão de Frente da Mangueira na homenagem a
Carlos Drummond de Andrade,em 1987. Apresentou-se falando
seus poemas, em concerto, ao lado do violonista Turíbio
Santos e tem também um CD de poemas gravados por Tônia
Carrero.
>Neste mundo em que os pobres não têm vz, como que, saindo
da pobreza, você chegou aonde está? Como foi o menino
Affonso? Quais/como foram os primeiros contatos com a
literatura?
Resposta - Vim de uma família de baixa classe média.
Trabalhar desde cedo é influência de minha mãe, filha de
imigrantes italianos, que trabalhou em fábrica e padaria.
Meu pai, era da Polícia Militar de MG. Menino eu ganhava
trocados cuidando de jardins de vizinhas, carregando
marmita, vendendo ferro velho, esterco e papel, sendo
baleiro de cinema. Adolescente, custeei meus estudos a
partir do científico sendo representante de produtos
caseiros, vendendo doce e refrigerantes para os colegas no
colégio. Literatura veio se infiltrando, não sei desde
quando, possivelmente de tanto ouvir a Bíblia na igreja.Aos
14 ou 15 comecei escrever umas coisas.
>A poesia só aumenta os problemas de um ser humano. O poeta
não pode se dedicar à poesia. Não ganha dinheiro pelo que
faz. Não recebe glórias em >vida. O que leva alguém a ser
poeta?
R - Instalei-me na poesia ou a poesia instalou-se em mim e
virou meu mais legítimo meio de expressão. Se quisesse
glórias poderia ter procurado coisas mais fáceis.
>“Mentiram-me.Mentiram-me ontem/e hoje mentem
novamente.Mentem/de corpo e alma, completamente/E mentem de
maneira tão pungente que acho que mentem sinceramente “. O
poema em questão foi escrito em 1984. Trata-se de A
IMPLOSÃO DA MENTIRA. De lá pra cá decorrem quase vinte
anos. Continuam mentindo pro povo? Você acredita/acreditou
no governo FHC?
R - Mentem sem parar. Governo FHC? Acreditei no
princípio.Depois vi que era um blefe.Ele tem um projeto de
poder. Não tem projeto de país. Está jogando fora uma
histórica oportunidade de ouro e encalacrando nossas vidas.
>QUE PAíS É ESTE, de 1980, é refrão do jovem brasileiro
cantado pelo Paralamas do Sucesso. Você gostaria que este
brado fosse ouvido e sua poesia e a letra do Renato Russo
tornassem obsoletas?
R - Essa pergunta existirá sempre. Todo país é uma
insolvente cicatriz.
>Em 1975 você já fazia poemas sobre poemas. A metalinguagem
é o futuro da poesia?
R - Não, é o passado.
>“A vida - é o impoemável poema”. Ainda concorda com o que
escreveu em O GRANDE íNDIO GUARANI? Uma vida dá para contar
a vida?
R -A vida é o que conseguimos fazer da vida, e a poesia é a
poesia possível.
>O que o novo livro, TEXTAMENTOS, representa para sua
carreira?
R - Um susto. Estou gratificado com a calorosa recepção em
todos os níveis.
>A lírica amorosa também está presente em sua obra. Falar
de amor é fácil?
R - Falar de qualquer coisa em literatura é fácil e é
difícil. O difícil é você deixar falar o que tem que
necessidade falar e só você, e ninguém mais, pode falar.
Quando você fala o que só você pode falar talvez os demais
se interessem por isto,porque acaba falando por eles.
>Você tem poemas musicados, poemas falados etc. O poeta tem
que ir aonde o povo está? Qual a vantagem de ser um poeta
popular?
R - Por temperamento aceito desafios. Poemas para rádios,
jornais, publicidade, televisão, música,etc. Não há fórmula
para ninguém. Cada um vai atrás de si mesmo.
>O melhor artista plástico brasileiro não tinha braço. De
que forma
Aleijadinho pode ser uma paródia da condição brasileira?
R - Na verdade, é da " falta" que surge a busca de
plenitude.
>Os poetas invadiram a internet. O que mudaria na WWW? Qual
uso faz da rede? Como montou o seu site?
R - Uso pouco a internet. Uso mais o e-mail. Minha
página(http://pagina.de/affonso) foi um presente de Alysson
Artuso, um garoto de 17 anos, lá do Paraná, que leu poemas
meus. Fez algo realmente comovente. E o que é sensacional,
a área de interesse dele é a Física. E, no entanto, escreve
também poesia. Morro de inveja dessa dupla competência.
>Há quem hierarquize em importância crônica, conto, novela,
romance e poesia. Há também quem diga que tudo é uma
questão de idade. Afinal as fôrmas literárias são mais
importantes do que o conteúdo? É possível um grande
romancista com 22 anos?
R - Minha obra é algo sistêmico. Quem a ler com atenção
verá que a crônica, o ensaio, a poesia (etc.) se informam
mutuamente e se complementam.Há uma relação intertextual,a
poesia invade a prosa a prosa invade a poesia.
>Décio Pignatari disse recentemente que Drummond era um
intelectual de segunda categoria apesar de ser um grande
poeta. É mais importante hoje) ser poeta, jornalista,
ensaísta, tradutor, resenhista etc. Não estão confundidas
as funções? Quem é o escritor brasileiro?
R - Drummond não era um teórico. Nem tinha que ser. Quanto
ao mais, em termos de pretensão e água benta cada um toma
quanto quer.
>Tem saudade do amigo, do poeta Drummond? Todo o grande
poeta não deixa legado? É único?
R - Drummond era uma referência. E sua poesia deixou
rastros em toda parte. Me lembro que o poeta americano Mark
Strand confessou, quando o entrevistamos para a antiga
revista POESIA SEMPRE, que foi influenciado por ele. O
curioso é que o fato de Drummond existir tranqüilizava e
gratificava até o público leigo.
>Tem alguma epígrafe?
R - Não, tenho TEXTAMENTOS.
>Qual o papel do escritor na sociedade?
R - O mesmo de sempre: escrever interagindo com o
imaginário social.