ENTREVISTA COM LUIZ RUFFARO |
Luiz
Ruffato - Nasci em Cataguases (MG), em fevereiro de 1961, filho de um
pipoqueiro e de uma lavadeira. Sou formado em Comunicação pela
Universidade Federal de Juiz de Fora (MG). Já fui, nesta ordem,
pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil,
torneiro-mecânico, jornalista, sócio de assessoria de imprensa, gerente
de lanchonete, vendedor de livros autônomo e novamente jornalista,
profissão que exerço atualmente em São Paulo, onde moro há dez anos.
Publiquei dois livros de contos, "Histórias de Remorsos e
Rancores" (1998) e "(os sobreviventes)" (2000), ambos pela
Boitempo Editorial, de São Paulo. Tenho um livro de poemas inédito,
"As Máscaras Singulares". 1. O escritor brasileiro deve escrever para o povo
brasileiro? O escritor deve escrever. 2. O professor Malcolm Silverman começa a introdução
do seu livro comparando-o a Tchecov e termina dizendo do "estilo
denso e machadiano". O que você tem destes dois mestres? Na introdução, o professor Malcolm Silverman fala
de familiaridades... Não saberia responder o que tenho destes dois
mestres, mas poderia dizer o que tenho por estes dois mestres (e
acrescentaria mais três, Pirandello, Faulkner e Guimarães Rosa): uma
admiração profunda. Procuro sempre reler estes cinco autores. 3. A linguagem é o ponto alto da sua literatura? Acredito que há duas formas de fazer literatura: há
os que contam uma história e há os que escrevem uma história. Ambas as
formas são válidas e produzem excelente literatura (só a título de
exemplo, Érico Veríssimo e Guimarães Rosa; Hemingway e Faulkner;
Dickens e Joyce; Balzac e Proust). Para mim, a linguagem é fundamental,
pois todas as histórias já foram contadas. O que as diferencia é a
maneira de contar. 4. A utilização do itálico, das reticências etc
nos seus contos, mais especificamente em "A Solução", definem
um escritor que busca uma linguagem própria. Depois de Joyce, existe
novidade? Ainda existem novas linguagens a serem descobertas? A busca de uma linguagem própria, de uma voz específica,
é a necessidade intrínseca a cada escritor. Eu busco a minha diferenciação
na linguagem, na forma. Depois de Joyce houve Faulkner, houve o nouvea 5. Bach ou Beethoven? Nem só paixão, nem só razão: o equilíbrio. 6. Pergunta idiota: "o senhor, um homem lido,
que sabe de tanta coisa... o senhor... o senhor é... (...) Feliz?" A
felicidade, parte do trinômio, o lema da Revolução Francesa, é possível? A felicidade é a utopia, é o indutor existencial,
é a busca, a procura, a possibilidade de realização do ser humano... 7. Antônio Torres diz que seu texto é tão real que
nem parece literatura. O que há de bom em estar tão perto da realidade?
Qual a fronteira entre realidade e ficção? Toda literatura está perto da realidade, pois se
nutre dela. Há graus de proximidade diferentes. Mesmo quando se trata de
uma literatura escapista, a realidade é a referência. No meu caso, a
realidade que me interessa é a física - cheiros, sons, volumes, cores e
sabores - que informam a realidade metafísica - sentimentos, desejos, angústias,
culpas, remorsos, vinganças etc etc. Minha tentativa é a de reproduzir
seres de carne e osso em papel. Daí ser tão real. Daí ser tão
ficcional. Porquê, entre a realidade e a ficção - a poesia. 8. Você é ao mesmo tempo conservador e inovador.
Conservador no tema e inovador na estética. É possível esta ambigüidade? Faulkner descrevia tragédias rurais (homens rudes,
sentimentos primitivos) numa forma absolutamente inovadora. Além do mais,
prefiro tratar "temas conservadores" (apesar de discordar dessa
definição) de uma forma inovadora, que, ao contrário, tratar de temas
inovadores (continuo discordando da definição) de uma forma
conservadora. É a forma a diferença. 9. O que Cataguases empresta à sua literatura? O nome, Cataguases - que é uma mera referência
geográfica -, e o combustível da infância, da memória. A Cataguases
das minhas histórias é uma Cataguases que não existe, ou pelo menos não
existe para os outros, nos outros, mas para mim e em mim. 10. Às vezes uma carta é impossível de ser
escrita. Quando a realidade é tão forte assim? Quando se perderam todos os referenciais... 11. Borges dizia que se existia no texto uma vassoura
e ela não tinha função, não tinha razão de estar no conto. Como
encara essa questão? Em princípio, não gosto de sentenças definitivas.
A literatura não é só a função, é também a beleza. Há momentos em
que a vassoura tem que estar presente porque vai varrer alguma coisa na
cena seguinte ou então alguém vai sair voando em cima dela. E há
momentos em que ela está presente pelo simples motivo de a palavra
vassoura (ou o objeto vassoura) ser esteticamente bonita (o). 12. Seus contos são longos. Pretende escrever alguma
novela, algum romance? As histórias que compõem os meus dois livros são
longas porque assim exigiu a trama. E, na verdade, ambos os livros e mais
alguns que ainda pretendo escrever, são uma única e mesma história: um
romance, em mosaico, que tenta retratar a vida proletária sob a ditadura.
No final, a minha pretensão é publicar as histórias em alguns volumes
(quantos?, não sei) sob o título geral de Histórias de Remorsos e
Rancores, num gênero que, se não existe, inaugura-se agora, chamado não
romance, ou conto, ou novela, mas mosaico. 13. Faltou algum conto no livro Os 100 Melhores
Contos do Século 20, do professor Italo Moriconi? Toda antologia é uma aposta. E acho que, nessa
aposta, ganhou o leitor. Claro, como na seleção brasileira, somos milhões
de organizadores de antologias e se pudéssemos dar palpites, trocaríamos
fulano por beltrano, embora, no caso, a base fosse a mesma. Na minha seleção
ideal, incluiria ainda, por exemplo,
Evandro
Affonso Ferreira, Hugo de Carvalho Ramos, Adelino
Magalhães, Julio Cesar Monteiro Martins, Luiz Fernando Emediato... 14. A história do Brasil é moda, mote para romances
históricos e livros sobre o descobrimento. É uma fuga da realidade? As
editoras não se interessam por livros com temática atual? Livros que romanceiam a História sempre existiram.
É mais um gênero que chegou com atraso ao Brasil. E o descobrimento é
uma efeméride. No mercado editorial há espaço para tudo e para todos, a
diversificação é importante e saudável. 15. A tragédia é uma vocação brasileira? A tragédia
é uma vocação humana? Schopenhauer estava certo? A vocação humana é a felicidade. A não realização
desta vocação deve-se às limitações que os próprios seres humanos
impõem a si mesmos e aos outros. 16. "Evitava amizades, almejava estar sozinho.
Nas folgas, pegava o trem e se mandava para São Paulo, andar sem rumo, a
Praça da Sé, a Praça da República, o Viaduto do Chá, o Viaduto Santa
Ifigênia, o Vale do Anhangabaú, o Brás, o Museu do Ipiranga, o Zoológico,
a Avenida Paulista". Grande parte da filosofia foi feita em trânsito,
andando. O que a gente descobre andando? O que o personagem descobre
andando? Andando temos contato com o outro, temos a
oportunidade de refletir, de verificar na prática que existem outras
maneiras de ser, de pensar. E isso estimula a tolerância, a
solidariedade, a certeza de que somos muitos e nada. 17. Como utiliza a internet? Na internet uso o correio eletrônico e os mecanismos
de busca para encontrar sites culturais e fazer pesquisas específicas. 18. Existe idade para ser escritor? Há necessidade
de ser um Saramago e começar depois dos sessenta? Há novos escritores
bons? Quais? Toda a obra de Rimbaud foi escrita antes de ele
completar vinte anos... Cervantes publicou o Dom Quixote com 58 anos... No Brasil há uma nova geração de escritores que
merece toda a atenção do público leitor e dos estudiosos, porque é
excepcionalmente interessante. E, mesmo correndo o risco de omitir muitos
nomes, cito esses, que, na minha opinião, estão já entre os melhores:
Nelson de Oliveira, Marçal Aquino, Marcelo Mirisola, João Carrascoza,
Ricardo Lísias, Menalton Braff, Fernando Cesário, Hugo Almeida, Aleilton
Fonseca, Marcos Bagno, Fernando Bonassi, Bernardo Ajzenberg, Bernardo
Carvalho, André Sant'Anna, Marilene Felinto, Ariosto Augusto de Oliveira,
Marcelino Freire, Sérgio Fantini (na prosa). E Iacyr Anderson Freitas,
Edimilson Almeida Pereira, Donizete Galvão, Ronaldo Cagiano, Moacir Amâncio,
Fernando Fábio Fioreze Furtado, Eloésio Paulo, Esio Macedo Ribeiro, José
Santos Matos, Julio Polidoro, José Henrique da Cruz (na poesia)... 19. Tem algum mote? O que me fascina é a vida, é a trajetória do Ser
Humano no tempo e no espaço, a sua complexidade, os seus limites... 20. Qual o papel do escritor na sociedade? Há escritores e escritores. Como há médicos e médicos
e políticos e políticos e mecânicos e mecânicos. Eu tento lutar, como cidadão, por uma sociedade mais
justa, mais solidária, mais tolerante. E isso, provavelmente, deve se
refletir no meu trabalho.
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