ENTREVISTA COM ULISSES TAVARES

Ulisses Tavares, 48 anos, publicou seus primeiros poemas  aos
8  anos  nos jornais de sua cidade natal, Sorocaba.  E  nunca
mais parou de se envolver com poesia.
Na  década de 60, exibia seus poemas em varais estendidos  em
praças e publicou seu primeiro livro em 1968.
Na  década  de  70,  publicou, entre  outros  livros,   “Pega
Gente”, o primeiro bestseller brasileiro da poesia marginal e
editou  o  jornal/movimento  “Poesias  Populares”,  agregando
poetas de todo o Brasil na luta pela liberdade de expressão.
Nos  anos  80, teve uma novela da TV Globo inspirada  em  sua
vida  de  poeta,  “O  Amor  É Nosso”,  fez  experiencias  com
Eletropoesia, performances poéticas baseadas no  psicanalista
maldito William Reich, e lançou “Caindo na Real” (poemas para
adolescentes) que figurou por mais de um ano entre os  livros
mais vendidos do País.
Nestes  anos  90, lançou “Aos Poucos Fico Louco” (Ed.  Globo)
para  crianças,  e  “Viva A Poesia Viva” (para  adolescentes-
Editora  Saraiva)  e  “Pulso”  (para  adultos).  Coordena  os
recitais do Publisher Brasil e realiza oficinas poéticas
para  professores  (“UTI da Poesia”), além de  administrar  o
site poético em wmulher.
Já  publicou  ao  todo  62 livros em  praticamente  todos  os
gêneros  e, nas horas vagas, é professor de criatividade(pós-
graduação em E-Commerce e Internet da FIAP e diretor da  UTI-
Unidade  de  Talento  Intensivo),  publicitário,  dramaturgo,
compositor e jornalista.
.Como consegue vender tantos livros de poesia?
Não  tem  segredo: é pela insistência mesmo. Como recebo  uma
média  de  10  cartas  por  dia de  leitores  (agora,  com  a
Internet,  isso  aumentou  muito)fui  formando  um   cadastro
enorme,  com  o qual me comunico continuamente.  Dá  um  puta
trabalho, mas compensa porque, mais dia menos dia,  o  leitor
em  potencial  acaba comprando outro livro meu.  Tem  de  ver
também  que estou na estrada há exatos quarenta anos.  Aos  9
anos  de idade, em Sorocaba, eu já publicava poemas todo  dia
nos  jornais  e expunha meus poemas em cartolinas  penduradas
num varal na praça pública. E sempre fui caixeiro viajante de
minha poesia. São poucas cidades deste País em que não estive
alguma  vez,  seja declamando, palestrando, lendo  poesia  em
rádio,  enfim, acho que não tem outro jeito de vender  poesia
que  não  seja uma enorme paixão, paciência e trabalho.  Para
mim, poesia é missão.
.Existe  algum preconceito, do meio literário, contra  a  sua
poesia?
Não  sei se é preconceito, é um pouco mais simples. Nunca fiz
parte  de  nenhuma patota acadêmica. Sempre corri  por  fora,
pela  marginália,  pela contracultura, nunca  puxei  saco  de
jornalista  ou  de  intelectual  do  sistemão  literário.   A
opinião, o aval que me interessa é do leitor. E este,  graças
a  Deus,  tem me apoiado. Nunca recebi um convite oficial  do
governo,  por  exemplo, para ir a algum evento  literário  de
peso. Em compensação, só os poemas que publico há 12 anos  na
Agenda   da   Tribo,  tem  120  mil  leitores  garantidos   e
entusiasmados.  Não  sou faraó para ambicionar  uma  estátua,
posteridade,  monumento. Quero é ser lido.  Escrevo  para  os
outros,  não  para meia dúzia de donos da cultura tupiniquim.
Os  carreiristas acadêmicos cagam e andam para mim, mas  como
também cago e ando para eles, tá tudo certo.
.Em   AMBIÇÃO  você  diz  que:  “quando  crescer,/quero   ser
criança.”   O que o poeta, em particular, e o adulto deve ter
de criança?
Se  você  matar a criança que existe em você estará cometendo
um  suicídio espiritual e criativo. É a criança dentro de mim
que  me  impede, por exemplo, de eu me levar tão a sério  que
vire  um chato. O adulto é a pose. A criança é a vida pedindo
passagem.  No  meu  livro,  “Garcia  Quer  Brincar”   (Global
Editora),  falo sobre isso em forma de parábola: Garcia  quer
poder  brincar  como  criança mesmo sendo  adulto,  mas  logo
descobre que adulto adora brincar de uma coisa só. De  ganhar
dinheiro,  por  exemplo.  Veja quem  tem  muito  dinheiro  no
Brasil.  Não diria que algum deles sirva de bom exemplo  para
ninguém.  Qualquer  filho de uma puta pode  ganhar  dinheiro,
basta  ler  a  revista caras ou ouvir a Hora do  Brasil  para
comprovar  isso.  Mas só quem conserva e respeita  a  criança
dentro de si pode ganhar a plenitude de gozar a vida.
.Existe muita diferença entre escrever para crianças  e  para
os adultos?
De  forma, sim. Você está falando com alguém cujo vocabulário
ainda  está  em  formação e expansão. Agora  de  conteúdo,  a
diferença é pequena. Nos meus livros para adultos,  abordo  a
morte, a dor, o espanto e a delícia de viver, os encontros  e
desencontros.  Se você pegar meus textos infanto-juvenis  vai
ver  que  esses temas também estão lá, ditos de outra  forma.
Quando  escrevo,  nem lembro que estou falando  com  adultos,
jovens ou crianças.
Mas  nunca  esqueço  que  sou uma pessoa  falando  com  outra
pessoa.  E pessoas são iguais, só muda a idade. Mas as  vezes
me  surpreendo,  sim. Quando lancei “Caindo  Na  Real”,  pela
Brasiliense,  por iniciativa do saudoso Caio Graco,  o  livro
era   claramente  dirigido  ao  adolescente,  tanto  que  foi
ilustrado  pelo  Angeli para ficar mais leve  e  carregava  a
rubrica ‘Coleção Jovens do Mundo Todo’. Ficou 3 anos entre os
mais  vendidos, na categoria infanto-juvenil.  Pois  bem:  na
última página havia uma convocação para o leitor escrever  ao
poeta  contando o que achou. Recebemos milhares de  respostas
e,  adivinhe?, bem mais da metade eram de pessoas com mais de
30  anos.  Tenho a impressão que, para muitas, aquele  foi  o
primeiro  livro  de  poesia que chamou  sua  atenção.  Também
aconteceu  isso com o “Garcia Quer Brincar”, a tal ponto  que
ele foi excluído de todos levantamentos de literatura infanto-
juvenil  porque os críticos e ensaístas consideraram  ser  um
livro  para adultos. Nesse caso, errei eu, achando que  tinha
feito  um livro para crianças, e acertaram eles. Tanto que  o
“Garcia”  acabou  sendo musicado e entrou num  espetáculo  de
música  contemporânea, junto com obras do John Cage no  Museu
de  Arte  Moderna do Rio de Janeiro em 1987, direção  de  Tim
Riscala.
.No  poema  SEMÂNTICA está escrito “Me recusa. me  foges.  me
feres.//ah,  se  te pego palavra!” Quando a palavra  foge  do
poeta?
A  palavra  foge  do  poeta sempre.  Porque  fazer  um  poema
continua,  em  princípio,  sendo colocar  palavras  uma  após
outra.  Só  que as palavras insistem em escapar  e  as  vezes
acabam indo parar num grande poema escrito por outro.  Aí  dá
inveja e frustração, né?
.Em  KARMA,  GENTE  o  ser  humano tenta  acreditar  em  Deus
enquanto  pisa na bosta. O Homem é mais do que pensa  ser?  O
poeta é ainda mais homem ainda, quase um Deus?
O poeta é, sim, um Deus. O pior tipo deles. Porque o poeta se
sente   um  Criador  mas  sabe  que  está  apenas  recriando,
traduzindo  aquilo que já foi criado há muito mais  tempo.  O
poeta  tem  uma  cruz pesada, que é sempre se  explicar  como
Homem  para  si  mesmo. Quando acerta, acaba  explicando  aos
Homens os deuses e demônios que nem eles sabiam ser.
.Em  JINGLE  BELL você quer destruir a mentira  ou  o  sonho?
Navegar é preciso e viver não é preciso?
Como  um  cara do marketing e propaganda há 30 anos,  eu  não
apenas  sei  como tenho certeza, e presencio isso  todo  dia,
como  os  símbolos  do consumo (tipo o Papai  Noel  do  poema
Jingle  Bell) alienam, infantilizam e reforçam a  ilusão  das
pessoas  em  compensar  com produtos e consumo  desvairado  o
imenso vazio interior. A única coisa que me consola é que  as
coisas  que  realmente importam nunca poderão ser  compradas.
Você  pode comprar sexo, mas não pode comprar amor. Você pode
comprar  vassalagem, puxasaquismo, mas não pode  comprar  uma
amizade  sincera. Você pode comprar discos do padre  Marcelo,
mas não pode comprar uma fé.
.Como definiria a sua poesia? O que é poesia e poema?
Como diz um amigo meu, me inclua fora dessa. Juro que não sou
capaz de definir minha poesia, nem o que é poesia e poema. Se
soubesse, virava um ensaísta, um crítico, enfim, qualquer uma
dessas  coisas que não tenho a mínima intenção de ser. Também
meu  ego não é tão grande que me leve a ficar analisando  meu
próprio  umbigo.  Acho mais útil olhar o umbigo  dos  outros.
Aprendo mais.
.Hoje  o  poeta  é  um erudito. Fala várias línguas,  escreve
ensaios etc.  É necessário tanta erudição para escrever poemas?
Depende. Em alguns casos, como de João Cabral, parece  que  a
erudição  ajudou  sim, inclusive a se livrar  do  excesso  de
erudição.  Mas,  na maioria das vezes, pelo que  vejo,  muita
erudição   pode   acabar  gerando  uma   poesia   estéril   e
esterilizada. Tipo essa que os jornalistas da  Folha  de  São
Paulo  parece  que  adoram. Uma punheta  intelectual  pura  e
simples. Já um Manoel de Barros, ou o poeta do absurdo, o  Zé
Limeira,  da Paraíba, são exemplos de outro tipo de erudição,
talvez  a  melhor  sabedoria,  aquela  instintiva,  visceral,
nascida  com  o  poeta  e aprimorada por  sua  sensibilidade.
Erudição  não  garante  que sua poesia vai  melhorar.  Agora,
claro  que  quanto  mais  você ler, estudar,  pode  ajudar  a
aumentar  o seu senso crítico, estético, e isso é  bom,  para
você e seus leitores.
.O  que  as  universidades poderiam fazer e  não  fazem  para
divulgar a Cultura ?
As universidades brasileiras em geral vivem de costas para  o
mundo, elas se bastam. O melhor a fazer é pegar uma Faculdade
de  Sociologia e instalar numa favela, por exemplo. Quem sabe
assim, sairia uma fornada de sociólogos com coração dentro do
peito,  sangue nas veias, e não figuras imperiais  e  omissas
como  esse FHC. Está mais que na hora de derrubar o  muro  de
Berlim que as universidades vem construindo. As universidades
refletem  o  que a elite brasileira tem de pior:  o  nojo  do
povo, a covardia social, a abstenção de propor, de mudar,  de
repartir o conhecimento. Dá uma olhadinha nas publicações  da
USP,  nas teses acadêmicas. Com poucas exceções, parecem  uma
revista Caras em linguagem de iniciados.
.Quem ganha com a falta de marketing das editoras?
Ninguém,  nem  elas  mesmas.  Geralmente,  editor  brasileiro
trabalha  sempre do mesmo jeito: edita um monte de títulos  e
reza  para  alguns dêem certo, aconteçam. Já percebeu  que  o
livro  é  o  único produto que nasce sem verba de propaganda,
sem  planejamento  de comunicação? Algumas  editoras,  poucas
ainda,  estão  descobrindo agora que o  livro  é  um  produto
especial, não apenas um pacote de folhas impressas.
.Os  poetas  brigam  tanto quanto  dizem  as  revistas  e  os
jornais?
Isso  é  uma  bobagem  que  o  Carlos  Graieb  inventou  numa
reportagem  da  Veja, comparando os poetas a vespas  furiosas
que  se picam entre si já que ninguém os lê. Uma piadinha sem
graça, puro besteirol. Poesia não entra fácil nas listas  dos
mais  vendidos,  ok, mas se você somar  por  alto  o  que  se
publica  de  poesia no Brasil por conta própria deve  superar
todos os outros gêneros. Só na Internet já são mais de 6  mil
sites  de  poesia, setor Brasil. Recitais acontecem todos  os
dias, de Norte a Sul.
Claro  que, em geral, quem lê e acompanha poesia e movimentos
poéticos  são também poetas. Mas como no Brasil,  felizmente,
temos  mais  poetas  que  saúvas, a  quantidade  impressiona.
Carlos  Graieb  errou feio. Poderia, isso  sim,  comparar  os
poetas  a  ormiguinhas, cada um envolvido  em  divulgar  seus
poemas  do  jeito que der. Formiguinhas não brigam entre  si.
Trabalham.
.Você   é   especialista  em  criar  motivação  nas   pessoas
desmotivadas. Como são os seus cursos? É algo perto  da  auto
ajuda?
A  UTI-Unidade  de  Talento Intensivo é a minha  empresa  que
promove  cursos  e  workshops de aprimoramento  do  potencial
criativo. Já existe há mais de 10 anos e já reciclou cerca de
5  mil  profissionais e estudantes. Como  não  tem  jeito  de
expandir   a   criatividade  sem  mudar  também   a   postura
conformista e acomodada das pessoas, meus cursos acabam sendo
uma  espécie de terapia holística. Vou te dar um exemplo:  se
você  precisa se comunicar com o Outro, seja esse Outro  quem
for,  você  precisa primeiro entender a psicologia básica  do
ser  humano.  Você precisa saber como o Outro funciona,  suas
especificidades. Você precisa literalmente  “virar”  o  Outro
para conseguir estimula-lo.
Pelas  técnicas que uso (há uma grande preocupação  que  elas
sejam  práticas, fáceis de usar no cotidiano)acaba sim  sendo
uma  bela auto ajuda. Afinal, só de procurar um curso  UTI  a
pessoa já está se ajudando, procurando crescer. Parece pouco,
mas  quando um empresário descobre no meu curso que ele nunca
poderá  abrir  uma padaria porque não gosta de acordar  cedo,
ele vai fazer outra coisa que lhe dê prazer, não só lucro. Ou
quando  uma  mulher descobre, no workshop UTI  do  Amor,  que
estava  gastando energia e vida com a metade  errada  da  sua
maçã.  Ou  quando um profissional de jornalismo descobre  que
uma  notícia pode ser escrita de outra maneira, que  não  lhe
ensinaram  na faculdade, também ajuda. As técnicas  criativas
da  UTI  foram todas tiradas da experiência, da  vida,  e  se
adaptam ao mundo. Daí o sucesso que fazem.
.Como a internet pode ser útil para a divulgação de cultura?
De  ene maneiras, mas a que eu acho mais fantástica é  que  a
Internet rompe o monopólio da informação. Você vai ler o  que
quiser, e não aquilo que os jornais e revistas dizem pra você
ler.  Você vai estudar o que quiser e não só o que as escolas
ensinam.  A  Internet permite que todo mundo faça e  pratique
cultura, praticamente sem custos.
Quer melhor maneira de publicar seu primeiro livro sem gastar
um tostão?
.O que mudaria na web?
Eu  mudaria os sistemas de busca. Por enquanto eles são um pé
no  saco. Você está interessado num assunto e chegam milhares
de sites que você tem de fuçar um por um.
.O livro vai acabar?
O  livro,  nunca. Mas o suporte do livro que a gente conhece,
com   certeza.  O  suporte  já  foi  plaquinhas  de   argila,
pergaminhos etc. Você já viu os e-boocks? Pois é  todo  mundo
dizia  que  o  papel  impresso  não  iria  acabar  porque   é
impossível  levar  um computador pra ler no  banheiro  ou  na
cama. Agora isso já é possível e, como tudo na informática, a
tendência é que fique baratinho. Quando isso acontecer,  Acho
que  o livro dança sim. Vão sobrar consumidores como eu,  que
adoram um livro de papel, seu cheiro, seu formato, uma  coisa
mais  sentimental  que prática. Livro de papel  vai  é  virar
cult, coisa de iniciados.
.Como será o Primeiro simpósio de Literatura na internet?
Será  o  primeiro mesmo. A primeira experiência de  discutir,
expor  e  pensar a cultura e literatura on line. Vai  ser  ao
vivo  e  todos  os micreiros vão poder participar,  assistir,
opinar.  Estaremos  conectados  o  tempo  todo.  Quem  quiser
assistir ao vivo é bom reservar vaga logo no telefone (0xx11)
282-5023. Informações no site hospedado na página inicial  do
SBT  On  Line  (Sol)Tomara que dê tudo certo  porque  é  algo
grande,  num formato que nunca se fez antes. Coisa do Claudio
Willer,  que consegue ser mais maluco que eu.
.Tem algum  mote que o acompanhe?
Escrever  é  bom,  mas viver é melhor. Como nunca  aprendi  a
viver plenamente, escrevo até o que não vivo.
.Qual o papel do escritor na sociedade?
Essa é fácil: escrever. Sobre o quiser e do jeito que quiser.
Escritor não tem autoridade nem poder para mudar o mundo,  só
seu próprio mundo. Mas quando ele acerta a mão, acaba mudando
o mundo inteiro.
 

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