Poética (I)

De manhã escureço

De dia tardo

De tarde anoiteço

De noite ardo.

A oeste a morte

Contra quem vivo

Do sul cativo

O este é meu norte.

Outros que contem

Passo por passo:

Eu morro ontem

Nasço amanhã

Ando onde há espaço:

-Meu tempo é quando.

 
 

A Rosa de Hiroshima

Pensem nas crianças

Mudas telepáticas

Pensem nas meninas

Cegas inexatas

Pensem nas mulheres

Rotas alteradas

Pensem nas feridas

Como rosas cálidas

Mas oh não se esqueçam

Da rosa da rosa

Da rosa de Hiroshima

A rosa hereditária

A rosa radioativa

Estúpida e inválida

A rosa com cirrose

A anti-rosa atômica

Sem cor sem perfume

Sem rosa sem nada.

 
 

Anfiguri

Aquilo que eu ouso

Não é oque eu quero

Eu quero o repouso

Do que não espero.

Nã quero o que tenho

Pelo que custou

Não sei de onde venho

Sei para onde vou.

Homem, sou a fera

Poeta, sou um louco

Amante, sou pai.

Vida, quem me dera...

Amor dura pouco...

Poesia, ai...

 
 

Soneto a Quatro Mãos

Tudo de amor que existe em mim foi dado.

Tudo que fala em mim de amor foi dito.

Do nada em mim o amor fez o infinito

Que por muito tornou-me escravizado.

Tão pródigo de amor fiquei coitado

Tão fácil para amar fiquei proscrito

Cada voto que fiz ergueu-se em grito

Contra o meu próprio dar demasiado.

Tenho dado de amor mais que coubesse

Nesse meu pobre coração humano

Desse eterno amor meu antes não desse.

Pois se por tanto dar me fiz engano

Melhor fora que desse e recebesse

Para viver da vida o amor sem dano.

 
 

Soneto de Desesperança

De não poder viver na esperança

Transformou-a em estátua e deu-lhe um nicho

Secreto, onde ao sabor do seu capricho

Fugisse a vê-la como uma criança.

Tão cauteloso fez-se em seus cuidados

De não mostrá-la ao mundo, que a queria

Que por zelo demais, ficaram um dia

Irremediavelmente separados.

Mas eram tais os ciúmes dela

Tão grande a dor de não poder vivê-la,

Que em desespero, resolveu-se: - Matou-a.

E foi assim que triste como um bicho

Uma noite subiu até o nicho

E abriu o coração diante da estátua.