MANO MELO

 

 

1.O que as viagens pelo mundo deram a sua poesia?

 

Me deram a dimensão de que o mundo não é só aqui. Mas isso não é preciso viajar muito pra saber. Apenas comigo foi assim. Um chamado nômade. Vivenciar o mundo, tatuar na pele dos sentidos. Um dos aspectos que marcam mais a quem fez uma viagem assim, é que todos os teus liames culturais, quem você é, sua cultura, o que você sabe, ou pensa que sabe, todas as referências perdem o sentido, tudo é em aberto. Você tem que reaprender tudo de novo, até mesmo a falar. Apenas o mais essencial de você mesmo é  que permanece. A poesia permaneceu. Ganhou em espontâneidade. Esqueceu as técnicas. Descobriu novas técnicas. Ficou a mesma coisa. Só que mais profundamente no sentir. Não é preciso um poeta viajar 38 países do mundo pra chegar a isso. Apenas comigo foi assim. É a minha experiência. Àlvaro de Campos olhou para uma tabacaria e viu a terra inteira, mais a Via Láctea e o indefinido. Fernando Pessoa viveu quase toda a sua vida peregrinando pelo mesmo bairro, um mundo entre dez ou quinze esquinas de Lisboa. Ele fez uma viagem importante na infância, que pra Durban, e  em Durban teve uma formação inglesa. Poderia Ter sido um escritor inglês, construir sua obra em inglês, mas preferiu ser lusitano. Quer dizer, a grande viagem do poeta é no universo das palavras.

 

 



2.Como surgio o VER O VERSO?

 

A gente se reuniu pra fazer um recital, gostamos, resolvemos fazer outro, gostamos. Então resolvemos fazer regularmente. E começou a vir muitos convites para viagens pelo Brasil  e aqui mesmo dentro do Rio. E assim foi acontecendo. Nós temos muita fé na palavra, escrita e falada. Para um poeta, dizer poesia para um público atento, é um prazer inenarrável.  Os recitais de poesia estão atraindo pequenas multidões, existe uma necessidade de poesia, poesia é também diversão e esclarecimento.  Temos viajado muito pelo  Brasil e vemos que existe algo de muito forte acontecendo nessa onda de poesia falada, recitais de poesia. Somos apenas um elo dentro disto tudo. Poesia é algo assim como aquela tocha das Olimpíadas. Tem que levar a chama, ir passando através das gerações. Em algum ponto do universo tudo faz sentido. E o Ver o Verso surgiu também porque nos divertimos muito fazendo o Ver o Verso.

 


3.Você escreve para ser declamado?

 

Não necessáriamente. Mas existem poemas que são para serem interpretados, e outros são mais para serem  lidos. Esta questão da oralidade nasceu muito cedo em mim, naturalmente sempre gostei de ler em voz alta tudo que escrevo. É bom poder ouvir e dizer poesia. Como também é bom ler poesia, um prazer mais sozinho, uma experiência de recolhimento. Não, não escrevo para ser declamado, mas tenho a intuição de que tal e tal poema vão funcionar muito se falados. Então vou  buscar o ritmo dele, vou buscar as nuances. É um trabalho diferente de escrever, mas é a mesma coisa. Como se fosse uma outra etapa, um segundo movimento de uma mesma música.

4.Aonde mora o Brasil nos seus poemas?

 

Posso dizer que meus poemas trazem uma forte brasilidade. Uma questão de vivência. Uma das fontes do poeta são as memórias de infância, de sabores, cheiros remotos, afetos, brincadeiras, amigos, namoradas, sensações que ficaram para sempre em algum lugar recôndito da alma. Um poema tipo Repentes, que está no meu livro O Lavrador de Palavras é um poema assim, nasceu de minhas memórias mais remotas do Ceará, de onde saí aos 16 anos. Uma inspiração que me  ficou dos repentistas que vi, em férias no sertão,  na casa de meu avô, arrancharem na varanda da casa para pernoitar, da população das redondezas que se deslocavam para ouvir versos e cantorias. Isto é algo muito forte em mim. E também de Ter sido um menino de Fortaleza, da beira do mar de Fortaleza.  Por outro lado, toda esta vivência de ter viajado o mundo, Índia, Nepal, Europa. E todos os autores universais que me habitam, Pessoa, Whitman, os Beats, o rock and roll, Sartre, Van Gogh,  Rilke, Rimbaud, Baudelaire, mais Drummond, Bandeira, Patativa e Jorge de Lima, o que você leu e viveu, uma salada de tudo isso. Uma mistura urbana, cosmopolita. Universal sem deixar de ser nacional. Mas sem xenofobismos.

  

5.Como fazer a poesia chegar ao grande público.

 

A maneira ideal seria via TV. Brasileiro é muito ligado em TV. Um programa de TV dedicado à poesia seria ótimo. Com um formato adequado, poderia ser um  programa da boa audiência. Outro bom meio seria se os grandes jornais publicassem poesias, como já publicaram. Mas isto não vai acontecer agora, eles ainda não descobriram. E as coisas são como são. Temos que usar os meios que temos a nosso dispor. Por exemplo, os recitais. Os recitais atraem pequenas multidões. Poesia é uma arte para pequenas multidões. Quer dizer, na época de Maiakovsky, os russos lotavam grandes teatros e até campos de futebol, para ouvir poesia. Outro bom meio é através da Internet, vejo com muito otimismo esta proliferação de sites de poemas que rolam na Internet. Tem só que tomar cuidado, porque poema na rede corre o risco de ser pirateado. E também fico feliz quando chego em qualquer cidadezinha e tem sempre um jovem poeta distribuindo panfletos, editando fanzines, folhetos, cds, livros. É importante esta agitação, poesia não foi feita para ficar na gaveta. O que é realmente bom, a História vai selecionar. Pessoalmente, os recitais me ajudam muito a circular minha poesia, muitos dos meus poemas se popularizaram através dos recitais. Além disso, me ajuda a vender meus livros, já que sou minha principal livraria. É um excelente meio de divulgação. Chegam convites de muitos lugares. Além disso, poder dizer meus versos para as pessoas me dá muito prazer, me faz muito feliz. Enquanto Deus me conceder o privilégio de reunir pequenas multidões para me ouvir, já considero uma grande conquista. Mas quem sabe um dia não poderei interpretar poemas no intervalo de um jogo no Maracanã, ou  num rock in Rio? Tudo é possível...



6.Com quantas metáforas se faz um poema?

 

Com todas as metáforas. E com nenhuma. Poesia é feita de símbolos. É preciso não descascar os símbolos. Os símbolos não são cebolas para serem descascados

7.Qual uso faz da internet? O livro acaba? Quais sites mais lhe agradam?

 

Não sou um navegador contumaz. Ãs vezes faço pesquisas, por conta de algum trabalho que esteja fazendo. De vez em quando visito sites. Gosto do Jornal da Poesia, um site do Soares Feitosa, do Ceará. O Roteiro de Poesia do site da APPERJ, o Oficina, também é legal, pra quem queira se informar sobre os eventos de poesia que estão rolando na cidade. Gosto também do site Cama na Rede, da Regina Navarro Lins. O Telescópio, do Edney Carrara, também é interessante. De vez em quando, um ou outro Domingo, pego um tempo para uma navegada e procuro sites, de uma forma meio aleatória. Se o livro acaba? Creio que nós, poetas e escritores, escrevemos o mesmo livro durante a vida inteira. Meu poema mais recente começou no momento da minha vida em que escrevi o primeiro verso. 



8.Quem leu e quem está lendo no momento?

 

Acabei de ler o livro A ROCA, de um poeta chamado Afonso Barroso, que achei muito bom. Li também os Cadernos de Serúbia, revista de nova poesia portuguesa.

Hoje, Sábado, comecei a ler O Poeta da Paixão, uma biografia de Vinicius de Morais por José Castelo.

9/Tem algum mote?

 

Tenho: Poesia é meu tótem/ Único Deus vivo que me restou do Olimpo/ Tá limpo/ E amém. Ou este outro: Amar e odiar é fácil: difícil é ser gentil e elegante.

10.Qual o papel do escritor na sociedade?

 

Escrever. Escrever o melhor possível. Tentando sempre se superar , ir mais longe, buscar sempre o melhor. Uma vez, na Índia, numa cidade chamada Panaji, estava com um irmão brasileiro que viajava com uma bíblia presenteada pelo pai. Numa noite de insônia, uma noite de  incertezas e inquietações. À guisa de oráculo, abri a Bíblia ao acaso e caiu numa frase que considero a melhor definição para a arte do escritor. E adaptando, para qualquer gênero de arte. Era do apocalipse de São João e dizia assim: "Escreve, pois, as coisas que vistes, as que são e as que hão de ser".  É o que venho tentando fazer durante toda a vida.

 

 

 

Mano Melo, poeta e ator, nasceu no Ceará em 1945. Aos 16, veio para o Rio de Janeiro. Nos anos 70, fez uma viagem pelo mundo através de 38 países. Escreve poesia desde que se conhece por gente. Já fez recitais de poesia por todo o Brasil, do Rio Grande do Sul à Amazônia. Faz parte do grupo Ver o Verso, junto com Alexandra Maia, Claufe Rodrigues e Pedro Bial. No próximo dia 9 de março, faz a re-estréia de seu espetáculo sólo, O LAVRADOR DE PALAVRAS, que ficará em cartaz todos os fins de semana de março, sextas, sábados e domingos, no Teatro Cândido Mendes, Rua Joana Angélica, Ipanema. Não percam.

 

 

 

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