Machado de Assis

(1839-1908)

 


"Não te irrites se te pagarem mal um benefício, antes cair das nuvens que de um terceiro andar." ; "O maior pecado,depois do pecado,é a publicação do pecado."; "O homem,uma vez criado,desobedeceu logo ao criador,que aliás lhe dera um paraíso para viver.Mas não há paraíso que valha o gosto da oposição."; "O trabalho é honesto,mas há outras ocupações pouco menos honestas e muito mais lucrativas."; "A melhor definição do amor não vale um beijo de moça namorada."; "Se achares três mil réis,leva-os à polícia.Se achares três contos,leva-os a um banco."; "O país real,esse é bpm,revela os melhores instintos.Mas o país oficial,esse é caricato e burlesco."; "Não tive filhos,não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria."

Mestiço de origem humilde-filho dum mulato carioca, pintor de paredes, e duma imigrante açoriana-, tendo freqüentado apenas a escola primária, obrigado a trabalhar desde a infância, Joaquim Maria Machado de Assis alcançou alta posição na burocracia e obteve a consideração social numa época em que o Brasil era ainda uma monarquia escravocrata, de tal maneira, graças às tendências litarárias de D.Pedro II, o valor intelectual era acatado, de preferência aos econômicos e tanto, talvez, como os valores hereditários. Autodidata que se formou na biblioteca do Gabinete Português de Leitura, sendo aprendiz de tipógrafo e, depois, revisor, tudo esse homem aprendeu por si. E pelo esforço próprio foi erguendo o espírito e depurando o gosto de tal forma que aos 42 anos, ao publicar as Memórias póstumas de Brás Cubas, se apresentou perfeito no estilo, sem vestígios da menor escória do autodidatismo e da falta de ambiente familiar socialmente elevado. Foi precoce-a sua primeira poesia data dos 16 anos-, triunfou cedo, viu-se consagrado, como poeta, aos 25 anos, com o livro Crisálidas, fez a sua evolução dentro duma época literariamente convencional, viveu sempre no Brasil, longe dos grandes centros da civilização literária, prodigalizou-se em colaborações jornalísticas, obteve um êxito prematuro com contos ainda balbuciantes e romances sem originalidade, julgou-se, talvez, principalmente poeta-e nenhum desses fatores negativos o prejudicou e nada impediu a eclosão, quase súbita, da obra novelesca de língua portuguesa mais reveladora de genial poder de análise psicológica. O poeta parnasiano das Ocidentais não é, sem dúvida, desvalioso, e quem escreve o soneto "A Carolina"-sua mulher, a portuguesa Carolina Augusta de Novais, que tão beneficamente influiu na sua vida-merece figurar em qualquer antologia da lírica de língua portuguesa. Mas é tão excepcional o valor do contista e do romancista que o brilho da sua estrela poética nos parece pálido. Também o seu teatro ficou na sombra. Nunca se deu, aliás, na literatura brasileira, e muito raramente em qualquer literatura, um fenômeno como esse Machado de Assis, que, quase de repente, já na maturidade, se pôs a fulgurar com brilho próprio e tão intenso que passou a ser, e ainda hoje o é, o mais original escritor do seu país. Antes dos cinqüenta anos, pôde ser celebrado pelos contemporâneos como o "primeiro de todos","o único"-e, se não é o único, numa literatura que conta alguns valores absolutos, é, pelo menos, o maior escritor brasileiro de todos os tempos, o mais extraordinário contista do idioma e um dos raros romancistas de interesse universal, como o atestam as traduções das suas obras mais representativas para o principais idiomas cultos, sem que haja influído nessa preferência a atualidade dos seu livros, mas sim, a perenidade da sua quase ferina análise da alma humana. As Memórias póstumas(1881) e o Dom Casmurro(1900), sem a menor dúvida, mas também Quincas Borba(1891), Esaú e Jacó(1904), Memorial de Aires(1908), e muitos dos seus contos, incluídos em Papéis avulsos(1882), Histórias sem data(1884), Várias histórias(1896) e Páginas recolhidas(1899), dão-lhe o direito de ocupar a posição-cume da literatura brasileira, pela originalidade da concepção, pela agudeza dos conceitos, pela penetrante análise dos sentimentos e pela perfeição do estilo sóbrio e conciso numa literatura derramada. Mas só a capacidade ideadora, que lhe permitiu subtrair as personagens dos seus melhores romances e contos às contingências de tempo e de lugar, tornando-as representativas das paixões humanas, consideradas em absoluto, poderia fazer de Machado de Assis o escritor universal que é.

FONTE-José Osório de Oliveira em:ASSIS,Machado de. Seus trinta melhores contos. 6.ed. Rio de Janeiro:Nova Fronteira, 1994