TRAMAI-VOS UNS AOS OUTROS

Fernando Cortes Leal

Estamos a ficar surpreendentemente egoístas, solitários e intriguistas. Estigmatizados pela orfandade das ideologias que deixamos de aconchegar no regaço do nosso mais íntimo sistema de crenças, tornamo-nos subservientes perante os poderes simbólicos impostos pela cultura da moderna sociedade de consumo: alimentamos convicções light e partilhamos afectos descartáveis.

Bem vistas as coisas, somos hoje o mais apetecido e transaccionado dos bens de consumo da economia de mercado: vivemos a crédito e constituímo-nos em hipoteca dos desígnios funcionais da máquina capitalista, diferindo a nossa felicidade existencial para um tempo que há-de vir. Não temos mais filhos porque de quatro em quatro anos queremos ter um automóvel da última geração; não temos os nossos pais a coabitar connosco porque trocamos a grandeza da família pela exiguidade dos espaços hiper-povoados de objectos e de artefactos quase-inúteis; não temos disponibilidade para os outros porque estamos ocupados em com eles concorrenciar; não temos tempo para amar na medida em que já não temos tempo para ter vagar.

Na nossa cultura pós-moderna (a mesma que em questões de amor nos tem vindo a transformar em analfabetos funcionais) o «bem-estar» em nada se aproxima da noção ética de «ser feliz»: o importante é TER; o SER é-lhe sucedâneo e sequencial. No fundo, as nossas convicções (e tudo quanto de mais sublime contém as relações humanas) estão hoje a preços de saldo nos escaparates da nossa feira de vaidades, e é no carroucel da intriga mais comezinha que alimentamos o nosso pobre e anão imaginário civilizacional.

 

 

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