Home

   
           
      a construção social da estupidez  
       

 

Por entre omissões de amizade e de braço dado com a sonegação da liberdade dos outros, cá vamos andando «com a cabeça entre as orelhas» num enredo de promíscua incoerência entre a tolerância social que apregoamos e o exacerbado egocentrismo que nos faz descortinar nos outros potenciais predadores do nosso idolatrado «curriculum vitae».

Somos uma espécie de novos e sofisticados escravos de colarinhos azuis que, no deserto da amizade e na aridez da ambição desmesurada, construímos, pedra sobre pedra no dorso dos outros, as pirâmides que mumificam o cio e os ciclos da nossa patética avareza. O «bezerro de oiro» da sociedade capitalista equipara-nos àquele jovem jónio que ao entrar em Atenas envolto numa túnica bordada a ouro, respondeu quando lhe perguntaram pela sua pátria: «-Eu sou rico!».

A típica cretinice com que habitualmente tendemos a rapidamente identificar nos outros os seus defeitos, (como que a insinuar a inexistência de espelhos à nossa volta), faz relevar em nós a face oculta da construção social do oportunismo, do individualismo e da intolerância. Numa só palavra: da estupidez. Tudo isto em nome da democracia; tudo isto em nome do mais vil e ardiloso egocentrismo.

A fé no capitalismo parece legitimar novos e requintados processos inquisitórios de exclusão social. Exilar os mal-aventurados nos mapas do nosso esquecimento é, à semelhança dos leprosos outrora enviados para a «terra dos mortos», a oculta tentação de muitos auto-proclamados democratas que à tolerância dizem não e à apregoada solidariedade social fazem figas. A amizade morre cedo no regaço da nossa cega avidez e a este vandalismo socialmente consentido e institucionalmente instigado, já quase ninguém parece escapar.

Em nome dos desígnios economicistas do sucesso pessoal, temos vindo a perder a grandeza do humanismo relacional: há amigos que nos lançam à bicharada; há amigos que são bichos. Darwin encontraria no comportamento humano contemporâneo bases sólidas para reformular a teoria da evolução das espécies; La Fontaine, por sua vez, encantar-nos-ia com novas e mais fascinantes fábulas a propósito da nossa refinada matreirice.

Começo a acreditar que o DNA das hienas invadiu a nossa estrutura biológica, ou não fosse manifestarmos cada vez mais a oscilante ambivalência emocional deste aberrante predador: choramos e/ou rimos em conformidade com os nossos mais egoístas e mesquinhos interesses. Outras vezes mais parecemos afastar amigos como quem se coça das pulgas. E, nesta senda de primários instintos animalescos, não raras vezes digerimos amigos como quem come caracóis: sugamo-los e alfinetamo-los até saciar o nosso devassador oportunismo.

Fernando Manuel Cortes Leal

1998

lealhome@hotmail.com

 

BACK / Voltar