Exortação Apostólica
Pós-Sinodal Christifideles Laici de sua Santidade o Papa João
Paulo II Sobre
Vocação
e Missão dos Leigos na Igreja e no Mundo
Introdução
Os fiéis leigos (Christifideles
laici), cuja "vocação e missão na Igreja e no mundo
ha vinte anos do Concilio Vaticano II" foi tema do Sínodo dos Bispos
de 1987, pertencem aquele povo de Deus que é representado na imagem
dos trabalhadores da vinha, de que fala o Evangelho de Mateus: "O Reino
dos Céus é semelhante a um proprietário, que saiu
muito cedo, a contratar trabalhadores para a sua vinha. Ajustou com eles
um denário por dia e mandou-os para a vinha" (Mt 20,1-20). A parábola
do Evangelho abre aos nossos olhos a imensa vinha do Senhor e a multidão
de pessoas, homens e mulheres, que ele chama e envia para trabalhar nela.
A vinha é o mundo inteiro (cf. Mt 13,8), que deve ser transformado
segundo o plano de Deus em ordem ao advento definitivo do Reino de Deus.
Ide vos também para a vinha "Ao sair pelas nove horas da manha,
viu outros, que estavam ociosos, e disse-lhes: 'Ide, vos também
para a minha vinha'" (Mt 20,3-4)O convite do Senhor Jesus "Ide vos também
para a minha vinha" continua, desde esse longínquo dia, a fazer-se
sentir ao longo da historia: dirige-se a todo homem que vem a este mundo.
Nos nossos dias, a Igreja do Concilio Vaticano II, numa renovada efusão
do Espirito de Pentecostes, amadureceu uma consciência mais viva
da sua natureza missionaria e ouviu de novo a voz do seu Senhor que a envia
ao mundo como "sacramento universal de salvação" Ide vos
também. A chamada não diz respeito apenas aos pastores, aos
sacerdotes, aos religiosos e religiosas, mas estende-se aos fieis leigos:
também os fieis leigos são pessoalmente chamados pelo Senhor,
de quem recebem uma missão para a Igreja e para o mundo. Lembra-o
S. Gregório Magno que, ao pregar ao povo, comentava assim
a parábola dos trabalhadores da vinha: "Considerai o vosso modo
de viver, caríssimos irmãos, e vede se já sois trabalhadores
do Senhor. Cada qual avalie o que faz e veja se trabalha na vinha do Senhor".
De um modo especial o Concilio, com o seu riquíssimo patrimônio
doutrinal, espiritual e pastoral, dedicou paginas maravilhosas a natureza,
dignidade, espiritualidade, missão e responsabilidade dos fieis
leigos. E os padres conciliares, feitos eco do chamamento de Cristo, convidaram
todos os fieis leigos, homens e mulheres, a trabalhar na sua vinha: "O
sagrado Concilio pede insistentemente no Senhor a todos os leigos que respondam
com decisão de vontade, animo generoso e disponibilidade de coração
à voz de Cristo, que nesta hora convida com maior insistência,
e ao impulso do Espirito Santo. De modo particular os mais novos tomem
como dirigido a si próprios este chamamento e recebam-no com alegria
e magnanimidade. Com efeito, é o próprio Senhor que, por
meio deste sagrado Concilio, mais uma vez convida todos os leigos a que
se unam a ele cada vez mais intimamente, e, sentido como próprio
o que e' dele (cf. Fl 2,5), se associem à sua missão salvadora.
E' ele quem de novo os envia a todas as cidades e lugares aonde ele ha
de chegar.(cf. Lc 10,1)"<...>
EU SOU A VIDEIRA E VÓS
OS RAMOS
A dignidade dos fiéis
leigos na Igreja-Mistério.
Participantes no múnus
sacerdotal, profético e real de Jesus Cristo. Dirigindo-se
aos batizados como a crianças recém nascidas, o apostolo
Pedro escreve: "Agarrando-vos a Ele pedra viva, rejeitada pelos homens,
mas escolhida e preciosa aos olhos de Deus, vós também, quais
pedras vivas, sois usados na construção de um edifício
espiritual, por meio de um sacerdócio santo, cujo fim é oferecer
sacrifícios espirituais que serão agradáveis a Deus,
por Jesus Cristo... Vós, porém, sois a raça
eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo que
Deus adquiriu para anunciar as maravilhas d'Aquele que vos chamou das trevas
à Sua luz admirável..." (1Pd 2,4-5.9).
Eis um novo aspecto da graça
e da dignidade batismal: os fiéis leigos participam, por sua vez,
no tríplice múnus - sacerdotal, profético e real de
Jesus Cristo. Trata-se de um aspecto que a tradição viva
da Igreja nunca esqueceu, como resulta, por exemplo, da explicação
que Santo Agostinho deu ao Salmo 26. Escreve ele: "Davi foi ungido rei.
Naquele tempo ungiam-se apenas o rei e o sacerdote. Nessas duas pessoas
prefigurava-se o futuro e único rei e sacerdote, Cristo. Não
foi, porém, ungida apenas a nossa Cabeça, mas fomos ungidos
também nós, Seu corpo... Por isso, a unção
diz respeito a todos os cristãos, quando no tempo do Antigo Testamento
pertencia apenas a duas pessoas. Deduz-se claramente sermos nós
o corpo de Cristo, do fato de sermos todos ungidos e de todos sermos n'Ele
'cristos' e Cristo, porque, de certa forma, a Cabeça e o corpo formam
o Cristo na sua integridade".
Nas pegadas do Concilio Vaticano
II, propus-me, desde o inicio do meu serviço pastoral, exaltar a
dignidade sacerdotal, profética e real de todo do Povo de Deus,
afirmando: "Aquele que nasceu da Virgem Maria, o Filho do carpinteiro -
como julgavam - o Filho do Deus vivo, como confessou Pedro, veio para fazer
de todos nós 'um reino de sacerdotes'. O Concilio Vaticano II recordou-nos
o mistério deste poder e o fato de que a missão de Cristo
- Sacerdote, Profeta-Mestre, Rei - continua na Igreja. Todos, todo o Povo
de Deus participa nesta tríplice missão.
Com esta Exortação
mais uma vez convido os fieis leigos a reler, a meditar e a assimilar com
inteligência e com amor a rica e fecunda doutrina do Concilio sobre
a sua participação no tríplice múnus de Cristo.
Eis agora em síntese os elementos essenciais dessa doutrina. Os
fiéis leigos participam no múnus sacerdotal, pelo qual Jesus
se ofereceu a Si mesmo sobre a Cruz e continuamente Se oferece na celebração
da Eucaristia para a gloria do Pai e pela salvação da humanidade.
Incorporados em Cristo Jesus, os batizados unem-se a Ele e aos Seu sacrifício,
na oferta de si mesmos e de todas as suas atividades (cf. Rm 12,1-2). Ao
falar dos fieis leigos, o Concilio diz: "Todos os seus trabalhos, orações
e empreendimentos apostólicos, a vida conjugal e familiar, o trabalho
de cada dia, o descanso do espirito e do corpo, se forem feitos no Espirito,
e as próprias dificuldades da vida, suportadas com paciência,
se tornam em outros tantos sacrifícios espirituais, agradáveis
a Deus por Jesus Cristo (cf. 1Pd2,5); sacrifícios estes que são
piedosamente oferecidos ao Pai, juntamente com a oblação
do corpo do Senhor, na celebração da Eucaristia. E, deste
modo, os leigos, agindo em toda a parte santamente, como adoradores, consagram
a Deus o próprio mundo". A participação no múnus
profético de Cristo, "que, pelo testemunho da vida e pela força
da palavra, proclamou o Reino do Pai", habilita e empenha os fiéis
leigos a aceitar, na fé, o Evangelho e a anuncia-lo com a palavra
e com as obras, sem medo de denunciar corajosamente o mal. Unidos a Cristo,
o "grande profeta" (Lc 7,16), e constituídos no Espirito "testemunhas"
de Cristo Ressuscitado, os fieis leigos tornam-se participantes quer do
sentido de fé sobrenatural da Igreja que "não pode errar
no crer" quer da graça da palavra (cf. At 2,17-18; Ap 19,10); eles
são igualmente chamados a fazer brilhar a novidade e a força
do Evangelho na sua vida cotidiana, familiar e social, e a manifestar,
com paciência e coragem, nas contradições da época
presente, a sua esperança na gloria "também por meio das
estruturas da vida secular".
Ao pertencerem a Cristo Senhor
e Rei do universo, os fieis leigos participam no Seu múnus real
e por Ele são chamados para o serviço do Reino de Deus e
para a sua difusão na historia. Vivem a realeza cristã, sobretudo
no combate espiritual para vencerem dentro de si o reino do pecado (cf.
Rm 6,12), e depois, mediante o dom de si, para servirem, na caridade e
na justiça, o próprio Jesus presente em todos os seus irmãos
sobretudo nos mais pequeninos (cf. Mt 25,40).
Mas os fieis leigos são
chamados de forma particular a restituir à criação
todo o seu valor originário. Ao ordenar as coisas criadas para o
verdadeiro bem do homem, como uma ação animada pela vida
da graça, os fieis leigos participam no exercício do poder
com que Jesus Ressuscitado atrai a Si todas as coisas e as submete, com
Ele mesmo, ao Pai, por forma a que Deus seja tudo em todos (cf. 1Cor 15,28;Jo
12,32).
A participação
dos fieis leigos no tríplice múnus de Cristo Sacerdote, Profeta
e Rei encontra a sua raiz primeira na unção do Batismo, o
seu desenvolvimento na Confirmação e a sua perfeição
e sustento dinâmico na Eucaristia. E' uma participação
que se oferece a cada um dos fieis leigos, mas enquanto formam o único
corpo do Senhor. Com efeito, é a Igreja que Jesus enriquece com
os Seus dons, qual Seu Corpo e Sua Esposa. Assim, os indivíduos
participam no tríplice múnus de Cristo enquanto membros da
Igreja, como claramente ensina o Apostolo Pedro, que define os batizados
como "raça eleita, sacerdócio real, nação santa,
povo que Deus adquiriu" (1Pd 2,9). Precisamente por derivar da comunhão
eclesial, a participação dos fieis leigos no tríplice
múnus de Cristo exige ser vivida e agilizada na comunhão
e para o crescimento da mesma comunhão. Escrevia Santo Agostinho:
Como chamamos a todos cristãos em virtude do místico crisma,
assim a todos chamamos sacerdotes porque são membros do único
Sacerdote".(...)
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