NOITE DE NOVAS

    “O amor não é para ser eterno, mas sim infinito... enquanto dure”

      O tema do amor eterno sempre foi uma das minhas grandes perguntas...
      Chama-se “estrela nova” àquelas estrelas que, por dizê-lo de uma maneira simples, estão se apagando; processo que, como todos nós sabemos, leva  seu tempo.  Sem irmos  longe demais , o sol, o nosso astro rei, é um rei em decadência, pois já é uma estrela nova.
      Sempre tive a idéia de que as estrelas eram os amores das pessoas, isto é, que cada estrela representava uma estória de amor entre duas pessoas. Cheguei até a supor que o brilho ou a intensidade de cada estrela respondia ao grau de união, ou de paixão, ou de mágica que entre esses dois seres existisse.
      É só nos afastarmos das grandes cidades para observar, com plenitude, esse espetáculo celestial: centos e centos de amores... digo... de estrelas, a brilhar.
      Sobre um céu aberto vemos brilhar as estrelas.
      Há muitas que são novas e outras tantas que já estão apagadas... sempre o sabemos tarde!
      Às vezes custa entendê-lo, mas vemos lá no alto, por causa de um “raro efeito físico”, uma luz que já não existe.
      Há, neste mundo, muitas estórias de amor.
      Alguns destes amores estão se apagando, outros faz muito tempo que estão apagados, mas... obviamente... sempre o percebemos tarde!
      Repito, o tema do amor eterno sempre foi uma das minhas grandes perguntas... é uma fantasia? é real...? é um mito? uma necessidade...? um invento... ?
      Quando moleque costumava viajar muito com o meu pai. Olhava, nas estradas, os ninhos tão particulares dos “joão de barro”, e pensava que o amor humano tinha que ser como o “amor” destas aves. Achava que as pessoas deviam se unirem de vez e para sempre,  e se o destino  punha  fim  à  vida de  algum  dos  membros  do casal, o outro, indefectivelmente, também tinha de morrer.
      Era uma fantasia de amor eterno que alimentava, de alguma forma, meu coração infantil...
      Um dos tantos lugares históricos da minha adorada Angra dos Reis é a Bica da Carioca ou Chafariz da Carioca. É constituída de uma bacia de cantaria que recebe as águas de cinco bicas; águas que descem do morro. Foi fundada em 1842 e conserva todas as características da época.
      Encontra-se no final da rua Professor Lima, uma rua estreitinha (como toda rua do centro), no encontro com a José Riegert.
      O prédio é rodeado por grossas cadeias de ferro pintadas de azul e unidas por pilares. O chão é de pedras e as paredes, que fazem  limite com outras casas, estão pintadas de branco, certamente, esverdeadas pela úmida passagem do tempo, e enfeitadas com grades em estilo colonial.
      Tem uma entradinha, mas do que nada, simbólica pois, tranqüilamente, poderiam ser saltadas as cadeias. Por fora tem alguns bancos. Estarmos aí dentro  transporta-nos, sem dúvida nenhuma, a meados do século XIX.
      À esquerda da bacia há um obelisco no qual está escrita, sobre uma placa de bronze, uma lenda muito bonita que tentarei relatar sucintamente:
      Havia, na cidade, um casal de namorados que se encontravam sempre na Bica. Podiam ser vistos todas as noites, de mãos dadas, enfrentados seus corpos, encostadas suas testas, a contar-se seus sonhos e segredos de amor.
      Ele era um jovem poeta de humilde condição e ela pertencia a uma das famílias mais importantes da aristocracia angrense, razão pela qual impulsara ao pai da donzela a proibir-lhe continuar com esse relacionamento.
      Viram-se secretamente mais algum tempo, até que o jovem, desconsolado pela proibição que pesava sobre eles, decidiu alistar-se no exército para somar homens na guerra contra o Paraguai.
      Ela ia uma e outra vez à Bica a esperá-lo, mas ele jamais voltaria, pois fora morto por uma certeira baioneta inimiga. A sinhá-moça chorava seu amor como intuindo o que já acontecera.
      Com o correr das noites ela era vista, cada vez mais fraca, aproximar-se da fonte, às vezes fazendo um esforço sobre-humano, para esperá-lo... até que caiu numa confusa doença que a prostrou... finalmente a tristeza acabou com sua vida.
      Dizem em Angra que as noites de luar, se observa-se bem, podem ser vistas as sombras destes amantes, abraçados, a contar-se seus imortais segredos de amor.
      Mas a coisa não fica por aí. Diz a lenda que todos aqueles amantes que beberem água da bica do meio, dada com suas próprias mãos, um ao outro, converterão sua história de amor em eterna e voltarão sempre a Angra.
      Esse é o presente que nos deixaram estes amantes.
      Eu costumo dizer, com uma definida e marcada posição ideológica, que o amor eterno ou o amor perfeito é aquele que não se realiza...
      Mas voltemos à poesia.
      O personagem de “Noite de novas” percebe, numa noite de inverno, que sua história de amor é uma estrela nova. Ela? Ela não o sabe.
      Sem dizê-lo explicitamente, ele lhe pede de mil maneiras para ela reagir, para ela tomar consciência da gravidade da situação, para ela entender que essa não era mais uma noite... que era o começo da despedida.
      Ela não pode entendê-lo... mas sejamos sinceros, ele não lhe dá todos os elementos.
      Por que ele pensa que está frente de uma estrela nova?... é muito simples... porque algo tinha acontecido... e esse algo era outra mulher.
      Em “Noite de novas” é a voz de um terceiro que fala a ela enquanto os dois fazem amor. Tenta conseguir o que nosso personagem não pode (ou não quer), isto é, fazer-lhe entender que essa não era uma noite qualquer... que era uma noite de novas!
      Diz-lhe o que tem e o que não tem que ser feito: “Não esteja nem tão perto nem  tão  longe  dele...!
      Não  o  apresse,  nem  o  contradiga... !  Não  se  iluda  e, fundamentalmente, sinta!!!  Porque estes minutos  vão ficar  suspensos  por  fora do  tempo real. Depois? Depois só vai restar tempo... simples e ordeiro tempo... e, certamente, como todo tempo vazio... sobra”.

( Há pouco escutei, num programa radial de
meia-noite, um ensino que deixara um mestre
de música ao condutor do programa. O mestre
lhe dissera que a música, (e o locutor acrescentou
acertadamente que também valia para o amor),
era o mais simples... ou era impossível.)

      O tema do amor eterno sempre foi uma das minhas grandes perguntas e, como a maioria das grandes perguntas, às vezes, angustiam.
      Não se pode viver cheio de perguntas, mas aprendi que é ainda pior viver cheio de respostas  porque, em definitiva, as respostas em excesso, idiotizam.
      Mas valha esta resposta que nos deixou Vinícius de Morais:  “O amor não é para ser eterno, mas sim infinito... enquanto dure”  

Isto é para você... meu amor perfeito...

presente em cada ato e pensamento da

minha vida... In œternum

(1995)

Humberto Dib


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