É, MAURÍCIO...


 
Entrou no elevador olhando para baixo e apertou o térreo. A porta fechou. A voz veio.
- É, Maurício...
Virou-se.
- Você! O que faz aqui?!
- Eu? Nada.
- Como assim, “nada”?
- Assim, nada. O que você faz aqui?
- ...
- Hein?
- Nada.
- Então.
- Então o que?!!
- Calma, amigo. Você está nervoso, relaxe. Tome aqui um charuto.
Olhou para o charuto.
- Eu não fumo.
- E daí? Isso não é problema, é?
- Não, mas...
- Mas?
- Estamos no elevador. Não posso fumar aqui.
A porta abriu. Saíram. Pegou o charuto.
- Tem um isqueiro aí?
- Claro.
Pegou o isqueiro com a esquerda e acendeu o charuto com a direita.
- Onde está meu carro?
- Carro? Você não tem carro, Mau-rício.
- Claro que tenho, deixei ele bem...
- Está ficando nervoso de novo, relaxe. Vamos, vamos pela praia, você vai se sentir melhor.
Tragou o charuto e foi andando.
- Você foi um cara mau, Maurício. Muito mau.
Soprou a fumaça.
- Poupe-me.
- Você nunca fez nada de bom, Maurício.
- Ah, calaboca.
- Diga-me uma coisa: você acha que viveu bem?
Sentou-se num banco de beira de praia e olhou o outro nos olhos.
- Quer saber? Sim.
- Não ouvi.
- Sim!
Sorriu.
- É, Maurício...
- Pare com isso, já está ficando chato.
- Então vamos, diga-me porquê acha que viveu tão bem.
Soprou fumaça antes de começar.
- Por onde quer que eu comece? Pela minha riqueza? Minha influência? Por viver para sempre, talvez? Ou porque eu e meus sócios a bem dizer controlamos o mundo?
- Você esqueceu do seu fantástico casamento com uma das mulheres mais lindas do país.
- Isso também.
- E do horrível divórcio também. Vocês realmente se odeiam, não?
- E daí? Deveríamos é nos amar como dois verdadeiros pombinhos? Ora, por favor. Meu casamento foi mais que as tolices juvenis, foi um grande...
- Negócio?
Olhou desconfiado.
- É. Isso.
- Deixar um herdeiro também foi um grande negócio.
- Meu filho não foi um grande negócio.
- Tem razão. Quando teve de es-colher, escolheu um grande negócio e não seu filho...
Tragou. Soprou.
- Eu não tive opção.
- Não, você nunca tem... nem mesmo agora há pouco. Sabe, parece que seu discernimento claro mais uma vez ajudou seu filho a...
Levantou-se.
- Deixe meu filho fora disso!
- Calma, amigo. Ainda esta nervo-so. Sente-se, sente-se.
Sentou.
- Mas que merda, estão sempre envolvendo meu filho...
- É, Maurício...
- Quer fazer o favor de parar com isso!
- Você se acha mesmo rico?
- Já lhe disse que sim!
- Você é um parasita, Maurício. É isso que você é. Você já era um parasita de dinheiro e de idéias. Agora você tor-nou-se um parasita de vidas. Bela vida eterna.
- Não diga bobagens...
- E seus sócios? Você acha que con-trola o mundo com eles? Há! Você nem sabe direito o que eles são. Não faz idéia do que eles podem. E o que faz? Acha que manda e começa a desafiá-los... Você perde a cabeça, Maurício; seu último só-cio que o diga. Ah, é. Acho que ele não pode mais dizer muito...
- Deixa o homem em paz.
- Mas tudo bem. Os amigos dele ainda te adoram. Te adoram tanto que a essa altura já devem estar vindo aqui com você comemorar. Quem sabe tragam seu filho? Hmmm... em quantos pedaços você acha que ele vem?
- Eu acabo com todos se puserem um dedo...
- Bom, acredito que você vá ter sua chance. Eles devem chegar a qualquer minuto, sabe? E sobre esse negócio de você viver pra sempre, é bom lembrar que isso é só mais ou menos certo.
Levantou-se de novo.
- Pare com essa palhaçada! Já dis-se que não tive escolha!!!
- Aí está. Perdeu a cabeça de novo. Vamos Maurício, relaxe. Tome aqui outro charuto... O sol já vai nascer. O nascer do sol é tão bonito... Há quanto tempo não vê um, Maurício? Sete anos, não é? Até que é pouco. Ah, veja o carro lá embaixo, estão chegando. O que você acha que vai ser? Eu aposto nas estacas. O clássico é sempre o melhor.
Sentou-se com o rosto entre as mãos.
- Me deixa ir, por favor. Eu não quero morrer aqui.
- É, Maurício...
- Pare com isso! Pare de falar essa merda!!!
- É...