Ecos à já desencarnada
Que na distância se releve, leve,
Toda amargura em ti guardada, dada
A quem te ouvisse prestativo, ativo,
A quem visse teu assombrado brado.
Que o tempo tire estes apuros puros
Deixados pela tua partida. Tida
Como uma ida desastrada à estrada,
Que te tirou pela desgraça a graça.
Não te tortures ou desesperes, espera
Que acertarás no descompasso o passo.
Terás no fim desta revolta a volta
E verás na morte também o bem.
Visito o teu mausoléu ao léu,
Pois por aqui só eu passei. Sei
Que é duro estar neste sombrio brio
De defunto em cemitério etéreo.
Hipocrisódromo
Que hipócrita o bom dia,
Sem se preocupar com nada.
_Como vai sua namorada?,
diz, querendo possuí-la.
Todos sabem da jogada.
Todos fingem que não vêem.
_Você é muito prendada,
Não merece estar com ele!
_Seus olhos como cintilam!,
fala um cego com ironia.
Sabe-se que é mentira,
Mas ri-se acalmando o ego.
_Não nego,...diz um sincero.
_...Espero ter te conquistado.
Mas o chamam louco, Nero.
E pela amada é execrado.
E assim segue a sociedade
Feliz e com galhardia.
Escamoteando a verdade,
Nutrindo a hipocrisia.
Íntimo
Deixa eu encostar meu corpo ardente,
Métrico e indecente nas curvas da tua grafia.
Nesse dia não haverá nenhuma profilaxia
Que te livre do meu vírus do amor inconseqüente.
Deixa minha alma percorrer
As voluptuosas entrelinhas, entre a roupa e a tua pele
E encostar lá, bem na chaga que me fere,
Arte abstrata e impressionista, por ela posso morrer!
Pena que tu és só um poema
Que não rima, não tem frase, papel vazio, sem tema.
És um problema que, feliz, ainda hei de resolver,
Pois garanto que escrever-te será mais do que um prazer.
Vive cá comigo no meu mundo
Tão moderno, tão antigo, acolhida na gramática
Que a estática que atrai os nossos corpos, e que corpos,
Não passa de matemática no fundo, que eu vi!
Sei que eu te dei uma canseira
Nessa nossa brincadeira, no prazer da exclamação.
Diz então, só admite, como queiras e como é,
Que eu sei, com toda ação, ceder prazer a uma mulher.
E eu sei!
Ao mais debochado romântico
Amor, oh jóia rara
Que não possui qualquer valor,
Tu és pérola aos aflitos
E asas ao sonhador.
Por que gozas da minha cara
Eufórico e com ardor
Ao ouvir meus rumores e gritos
De saudades e rancor?
Acabou? Não acredito.
Onde está meu empenho e vigor?
Dediquei-me a ti, maldito!,
Foram minhas falas, lembraste, Amor?
O que foi encanto hoje é pranto.
Por que então começou?
Foi o vento e seu belo canto
Que repentino tempestuou.
Hoje o dilúvio é contínuo,
Carrasco e decapitador.
E eu que te pus tão divino,
Te acho dantesco, Amor!
O avô
Clamo eu ao coração que fraco bate
Devido à idade avançada e derradeira...
Que cesse agora meu pulsar de inútil traste,
Tire minha vida tão penosa e corriqueira.
Quando fui jovem, vivi pura regalia
Me perecia ser o tempo meu amigo...
Mas o destino tirou toda minha valia
E ambicioso, o tempo terminou comigo.
Em meu abrigo, me tratam como criança,...
Fazem da minha experiência como idoso
Desvarios jocosos de um velho sem esperança.
Há muito tempo não me sinto animoso,...
Pois descobri que o tempo faz com relutância
Do envelhecido um morfético, leproso.
Renato de Souza Ribeiro