Canção ao vento

 O gesto a meio,
 do que estava fazendo, paro.
 Observo o vento.

 Como menino traquinas,
 com as árvores bolina
 de cá e de lá.

 Verga o pobre raquítico eucalipto,
 trança as folhas da goiabeira,
 faz cócegas nas bananeiras.
 Pára e observa o que mais há.

 Voa ao céu, empurrando as alvas nuvens
 que sem nenhum queixume,
 qual algodões doces, se deixam levar.

 E corre de cá e de lá,
 esse vento safado,
 espiando as pernas da moças,
 das saias por baixo.

 E vendo o pomposo cipreste,
 não se controla, se achega
 e sacode, fazendo-o sorrir
 sob o sol a brilhar.

 Vê então a pipa subindo
 e sai de sopino e a leva
 pro mar. Fica o menino a chorar.

 E cansa-se então o elemento,
 assobiando um lamento, sobe...

 Mais sobe e põe-se o mundo a espiar.

 De humor incerto, nunca se sabe
 o que vai aprontar.

 Para os amantes, escondidos na noite,
 afasta das árvores os galhos e traz
 a lua para os iluminar.

 Manda também do alecrim, do jasmim,
 os perfumes, espia ainda os beijos trocados,
 e vai...

 Vai revirar os telhados,
 crespar as ondas do mar.

 Vira tufão e tornado,
 zangado, lares destrói.
 Transforma-se em garras de gelo,
 açoita forasteiros e as vezes,
 gentil, assobia canções de ninar.

 Elemento zombeteiro, se faz amigo,
 quando estamos a pensar.
 Afaga-nos levemente os cabelos,
 e vai virando, uma a uma, as páginas
 das lembranças, fazendo-nos sonhar.

 Nas estações passeia inconseqüente:

 Espalha a folhas do outono.
 No verão perde-se em abandono.
 Na primavera recolhe as almas do inverno,
 enfeita-as de cores, assopra suas dores
 para em arco-íris do tempo transformar.



 Eu quero

 Tapar os ouvidos.
 Fechar as portas,
 me esconder do vento.

 Nudar a pele,
 congelar os sentidos,
 abraçar-me ao nada
 cessar o tempo.

 Não ouvir tua voz,
 não ler meus pensamentos,
 não sentir teus afagos,
 não perceber tua ausência.

 Não ver o final do caminho,
 fechar os olhos e pensar
 que é só por isso, essa escuridão
 tamanha, sem teus carinhos...

 Não afagar meu corpo,
 pensando tuas mãos.
 Não morder os lábios,
 segurar o grito prá
 não gritar em vão.

 Eu quero

 Parar o mundo,
 desviar o abismo,
 quebrar o relógio,
 Calar as vozes...

 Mas como?

 Se todas as vozes,
 se todos os caminhos,
 só seguem um destino:

 A dolorida ausência de ti,
 no vazio do meu coração.



Bahia

Falar da Bahia, é como rezar terços.
 Em versos? Como, se eu não os sei?
 Falar da Bahia, é mais...
 É cantar, na tarde os ais.
 E não vou fazê-lo em trovas,
 porque Bahia é história e lá
 menino é rei.

 Bahia de Amado e amores,
 terra de pescadores,
 berço de Caetano,
 de Gal, Gil e outros mais.

 Bahia de Castro:
 "Espumas flutuantes"
 "[..]Na flor silvestre que embalsama os ares;
 [..]Qual branca vela n’amplidão dos mares.

 Horror maior que o inferno de Dante,
 no grito do poeta contra atrocidades:

 "[..]Astros! Noite! Tempestades!
 Rolai das imensidades!
 Varrei os mares tufão!..."
 

 Bahia, do Brasil, o coração.

 Bahia que eu não conheço,
 mas sinto dos sons o molejo,
 em dias de carnavais.

  Sons de cristais

 dos choros do pelourinho,
 da fome dos negrinhos,
 dos amores da senzala,
 dos tambores e atabaques.

 Formando, em contas
 os colares da estória,
 de um bravo povo
 seus amores e sua glória.

 Bahia, pôr-do-sol e jangadas.
 Saraus, poetas e alvoradas,
 Do Brasil a namorada.
 Lá, menino é rei.

Mas falar da Bahia...
 Como se eu não sei?
 Se não faço trovas.
 se não canto em prosa.
 Se não lhe conheço os encantos,
 Como hei?

 Você já foi a Bahia nega - hein?

Asta Vonzodas