Balacobaco
Planeta Terra
Rio de Janeiro
ENTREVISATA COM ANDRÉ RICARDO AGUIAR
Nasci em 24/08/69 na cidade de Itabaiana, interior da
Paraíba. Aos 4 anos mudei-me para João Pessoa, fiz os
estudos em diversos colégios, estou atualmente na
Universidade Federal da Paraíba, em Letras. Comecei
colaborando no Correio das Artes ( e continuo
assíduo)colaborei com poemas na Revista Poesia Sempre, na
Blocos, na Antologia da Poesia Paraibana do Sebo Cultural,
entre outros. Participei de concursos, ganhei menção
honrosa do IX Concurso de Poesia do Sesc, 1º lugar no
Concurso do CAAP-Pb e o quase recente Prêmio Novos Autores
Paraibanos para o livro “Alvenaria”. Tenho contos e
crônicas publicados no Jornal Correio da Paraíba, no
fanzine-poético José e em diversas revistas on-line da Web.
Publicados os livros “Espelho do Corpo”, “A Flor em
Construção” e “Alvenaria” e tenho guardados inéditos um
futuro livro infantil ainda sem título.
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Balacobaco - Você chega aos trinta com três livros de
poemas. Como foi este caminho? O que “ALVENARIA” tem que os
outros livros não tinham? Como foi a evolução do seu
trabalho?
Andre Ricardo Aguiar - No final da década de 80 eu ainda
tateava todo um processo poético, era um leitor voraz de
tudo, de bons e maus poetas. Ainda estava a léguas do
entendimento da construção, do fazer poético. Escrevia e
publicava, escrevia e publicava sem dar chances a mim mesmo
de reescrever-me, de descrever um círculo que, partindo de
mim se dirigisse à linguagem de mim. Daí, fazia uma poesia
sem rosto, sem identidade. Só o contato com a universidade,
a amizade com os poetas, a leitura de crítica, do novo, dos
poetas como Sérgio de Castro Pinto, Assunção, Lúcio Lins,
no âmbito paraibano, criaram em mim as bases para uma nova
formulação do meu fazer poético o do meu estar-no-mundo.
Com a publicação de “A flor em construção” em 1993,
arrisquei o primeiro lance de dados com a imagem. Pela
primeira vez, o ato de publicar foi como se eu tivesse
saído de mim para melhor me observar. Que tipo de poesia eu
estava propondo? Era aquilo que eu queria? Mais do que
nunca, soube ver naquele momento de minha vida que meus
poemas seriam espelhos de minhas leituras. Nada mais
lógico, pois ler para mim sempre foi ler de uma maneira
indireta o mundo que me rodeia. Isto não quer dizer que eu
não faça também poesia da “realidade”, ou seja, uma poesia
mais “fotográfica”, ou outro tipo qualquer. Digo apenas que
descobri em mim uma tendência, um pathos filosófico. Daí,
ALVENARIA veio consolidar este modo filosófico. Primeiro, a
consciência do meu fazer poético está mais marcada neste
livro. Há uma unidade que me agrada: o Alvenaria trata
basicamente de mitos, sejam poéticos, universais,
cotidianos. Também é heterogêneo, porque sempre retomo
minhas leituras. A evolução está nos recursos técnico-
estilísticos, no condensare poundiano, nas imagens.
Dividido em três, há que se notar que a primeira parte é um
diálogo universal com mitos, com a atemporalidade. Lá estão
Ícaro, Epicuro, o Cântico dos Cânticos, o Tempo. Depois,
seguem-se as leituras: do morto, da infância, do gato, dos
amantes. Os temas são recorrentes, o que vale é minha
maneira de dize-los. É o modo como leio que faz o poema. A
leitura em si é só o leitmotiv. No final de Alvenaria,
mostro um fato: poesia não tem limites ontológicos,
ideológicos, tudo está oculto para ser desvendado. Poesia é
a cartilha de nossa salvação existencial.
B - “ALVENARIA” remete a simplicidade e ao artesanato...
comente o título.
ARA -Alvenaria nasceu de um poema que está no livro,
“Leitura da Insônia”. Está lá: “e os homens/ de rara
alvenaria”. Mas transplantei para a metalinguagem, pois
traduzia todo o meu processo. Para mim poesia é um lidar
com materiais diversos para depois molda-los numa
argamassa. A unidade que buscamos, o fim da distância entre
os objetos nomeados e a sua própria existência. Opera este
título também o sentido de construção. O próprio manejo do
eixo de seleção sobre o de combinação. O trabalho de
escritura, o suor posterior à inspiração. Tudo isto está
contido no que eu penso sobre uma alvenaria poética. É
metalingüístico, quando se pensa em forma, manutenção de
materiais para formar uma estrutura; existencial, porque
cria o abrigo em que o poeta recebe as coisas que o
habitam.
B - “Icaro”, “Voyeur”, “Leitura da Insônia” e o homônimo
“Alvenaria” são poemas onde o poeta decola para altos vôos.
Concorda que são poemas que dialogam entre si? Ou é apenas
coincidência?
ARA - Não chamaria de coincidência, mas reincidência.
Algumas metáforas dialogam entre si, porque vão atuar em
diversos planos de significação. “Vôo”, por exemplo, está
recortando uma visão erótica em “Voyeur”, ao passo que em
Ícaro é prêmio existencial, é o sentido mais alto que uma
vida pode alcançar. Se dialoga, é porque tudo remete para o
humano, o amor também é o sentido mais alto que podemos dar
à vida, é uma ambição para sermos mais do que já somos. O
mesmo posso dizer de “Leitura da Insônia” : trata de uma
realidade aparentemente cotidiana, a ante-sala do dia de
sempre, em que somos obrigados a ficar no chão, na
sobrevida, deixando o vôo para o sonho, para o período em
que o homem é insone e tentar alçar vôo via devaneio,
sonho, na “quilha do seu telhado”. Todos estes poemas
dialogam com um tipo de vôo que no fim é um mesmo vôo, o
desejo.
B - “(...)a vida seja a âncora/presa ao cais”. O que dá
eternidade? O que é a liberdade para o poeta?
ARA - Palavra é o material mais abundante, no entanto,
quanto poeta não se vê preso, de mãos atadas. Liberdade, no
fundo, é a capacidade que o poeta tem de se servir do
material mais prolixo e tirar dali a jóia mais rara e densa
e vertiginosa: o poema que fala por si, pathos ora isento,
ora dependente da respiração, do suor, da ideologia, da
mulher com filhos, do desemprego do poeta ou de qualquer
traço biográfico. A liberdade ou a eternidade está na
capacidade que o poeta tem de ser em qualquer época um ser
de palavras ou um homem com o mais alto grau de
sofisticação da língua.
B - O que um poeta tem de lúdico? A infância é mesmo uma
“aldeia/em pleno deserto//habitada pela memória”?
LEITURA DA PERDIDA INFÂNCIA
Nada se perde
da infância
na dupla erosão
de ir, passar o rio
nada se leva
da infância
- uma aldeia
em pleno deserto
habitada pela memória.
ARA - Não sei. A linguagem poética abarca tantos sentidos,
tantas óticas. Quando se tem de lúdico em Mário Quintana,
tem-se de lírico. Fazer jogos mirabolantes, brincadeiras
com poesia, torcer o sentido de uma palavra, se tudo isso
são ludismos... Não, acho que poesia é um ponto onde pode
convergir todas as formas, o patético, o nonsense, o
lúgubre, o grandioso. O poeta pode ser um palhaço, um
diplomata, um louco, um ditador. Um poeta tem de lúdico na
medida e na circunstância que se adequar ao seu projeto
literário. Sobre a infância, que eu falo no poema com
certa nostalgia seca, só tenho a dar a visão de exílio, do
meu exílio. Toda a minha meninice está erigida como uma
aldeia para que a minha memória tenha a casa arrumada, os
meus pertences, meus móveis já na condição de componentes
mitológicos. Quando se saí da infância, cai-se na vida sem
fantasias, sem aventuras, sem mistério.
B - Você termina o poema “Leitura do morto” com humor:
“um morto dispensa/comentários”. Qual o lugar da ironia e
do humor na sua poesia?
LEITURA DO MORTO
O morto
e seus pertences
concisos:
o imenso cais
de madeira exata
na sala
os dias inúteis
na próxima agenda
e a eternidade,
salário:
de resto
um morto dispensa
comentários.
ARA - O lugar mais privilegiado possível. O humor é uma
vestimenta de cor berrante, agride ou balança as estruturas
da normalidade, do automatismo, do estabelecido. Quando o
poeta parece não levar a sério, leia-se: ele está levando a
sério com as armas que a poesia nos dá e “agride”
estruturalmente, faz artimanha, é lúdico, mas não passivo.
O humor na minha poesia – ainda faço pouco – nunca será de
gratuidade.
B - Em “Epitáfio” é dito que “mais que um rarefeito
horto,/seja uma poesia de menos/e de poucos”. Qual é o seu
projeto literário?
EPITÁFIO
Posto que não serei nada
que meus versos mais esquivos
sirvam de esquife (ou de esfinge),
que eu saia da vida por via da dúvida
e que minha poesia,
mais que um rarefeito horto,
seja uma poesia de menos
e de poucos.
ARA - Esta pergunta exigiria uma bifurcação, parte
genérica, parte particular. De modo geral, meu projeto será
sempre exercer minhas potencialidades, aconteçam elas no
momento adequado. E eu prefiro não olhar uma extensão, mas
concentrar-me no ponto específico em que estou: meu
presente, minha escritura. Agora o que planejo/desejo
particularmente é dar prosseguimento a uma depuração dos
meus mitos literários, voltar-me para minhas esfinges em
outros livros de poesia, lidar com a literatura infantil
(outra ligação muito forte com o menino que há em mim),
quem sabe um dia ousar um romance. Mas a literatura é um
caminho vasto, labirinto de caminhos e é coerente não
perder-se, dispersar o ofício.
B - Em “Leitura do dicionário” e em vários outros poemas
de “ALVENARIA” há a presença da metalinguagem. Falar do
poema, no poema, é o futuro da linguagem poética?
ARA - Sim. Quando a poesia perdeu terreno para o capital,
as mazelas, a propaganda, a industria viciosa e
acachapante, resistiu alimentando-se do seu próprio código.
Engana-se quem pensa que falar de si, como uma serpente
autofágica, é alienar-se da corrente humana: o poema que se
reflete também é um movimento de melhor consciência entre
os homens e o fluxo interno coleciona todas as relações
possíveis e utópicas entre os seres e as coisas. Valha-nos
o exemplo do Drummond, do João Cabral e de tantos outros.
Sem sofismar, sempre é possível ter esta ótica, de que todo
poema no fim acaba sendo metalingüistico, pois privilegia-
se, lato sensu, o próprio código, a imanência é a própria
linguagem.
B - Quantos e quais poetas cabem em André Ricardo Aguiar?
ARA - Vários. Como Álvaro de Campos: “Quanto mais eu sinta,
quanto mais eu sinta como várias pessoas,/ Quanto mais
personalidade eu tiver/ Quanto mais intensamente,
estridentemente as tiver/(...) Mais possuirei a existência
total do universo/Mais completo serei pelo espaço inteiro
fora.” Quanto mais eclético, mas cria das minhas leituras,
melhor posso exercer o meu traço particular. Habitam em mim
Dante, Camões, Baudelaire, Pessoa, os poetas que dialogam
com minha infância, o Drummond, o Bandeira, Mário
Quintana, minha particular predileção pelos criadores,
pelos poetas de grande invenção. Herberto Helder e poetas-
críticos como T.S. Eliot, Valery, o cinismo de Jacques
Prèvert, etc. Sempre leio João Cabral, Manoel de Barros,
Carlos Nejar, os paraibanos. Tudo é universal quando se é
competente com a palavra.
B - A Paraíba tem uma poética própria dominante? Como anda
a terra de Augusto dos Anjos, em matéria de poesia?
ARA - Difícil de responder. Em termos de identidade atual a
Paraíba parece repetir a tendência para nenhum movimento
coletivo, mas há iluminações individuais das mais
criativas. O lugar tem uma “tradição” para estar na ponta
de alguma coisa que podemos definir como atuação poética.
Poetas que têm uma prática constante e coerência idem como
José Antônio Assunção, Hildeberto Barbosa, , Lúcio Lins;
que estão sempre em busca de exercer o modus faciendi – e
há muitos, não daria para citar todos, publicados e
inéditos, lavra boa como Antônio Mariano, Lau Siqueira,
Chico Lino, Angélica Lúcio. A Paraíba está fora do eixo
geográfico, mas tem dado grandes saltos – mas claro que de
exercícios individuais e desiguais, a realidade está aqui
idêntica a outros lugares exilados dos centros culturais.
Ver uma identidade, um traço, um rosto para a atual poética
ainda é cedo, há que se distanciar um pouco. Enquanto isso,
um dos poucos veículos de cultura, o Correio das Artes,
serve como um aglutinador, um registro histórico do que foi
movimento, do que está sendo e do que virá.
B - O que faz nas horas vagas? Pratica algum esporte? O que
é o lazer para o poeta?
ARA - Primeiramente, leio, escrevo. Gosto de observar as
pessoas quando saio ou quando busco um contato com a
natureza. Sou um praticante do bate-papo com amigos e sou
simpático a todos os assuntos. De esporte, caminhada.
Confesso que gosto de nadar, do contato com a água. Mas de
graça, sem grandes preparativos, andar é o mais poético dos
esportes e até um quase sedentário como eu se sente bem
representado na vida com o ato de caminhar, caminhar e ver
o mundo.
B - Qual uso faz da internet? Acredita no fim do livro?
ARA - Bem, tento fazer o melhor meio de multiplicar as
possibilidades de divulgação da minha poesia, o intercâmbio
humano, a troca de experiências; um meio de trazer para o
meu convívio, off-line, a colheita saudável que a internet
pode me proporcionar. Como todo meio de comunicação
poderoso, lido com parcimônia, porque a rede é
assustadoramente caótica (símile do mundo que vivemos).
Sobre o suposto, hipotético fim do livro, me pergunto: e o
que substituiria? O eletrônico? Minha resposta é o gesto de
buscar o livro na estante – sem precisar não ser moderno –
e o ler em qualquer lugar do mundo sem mediação de nada, só
a luz natural, meus olhos, o gosto de tocar o papel, sua
durabilidade. Não estou atrás da versatilidade,
interatividade do livro eletrônico. Não há coisa mais
versátil, interativa do que nossa imaginação. Não acredito
no fim do livro: não é uma máquina que falha ou que se liga
a uma tomada. Mesmo que outra forma se torne popular, só
pensaria em algo aproximado se não mais houvesse a matéria-
prima que possibilita a sua existência, papel, celulose.
Ainda assim, sempre haveriam livros. Prefiro não acrediar,
mesmo que o futuro mude radicalmente de gosto.
B - Tem algum mote?
ARA - Tenho um atual, mas garanto que não o terei em breve,
que outro me servirá, porque sou um homem que passa, e que
muda. Está como epígrafe do meu livro. De Carlos Nejar:
“Nossa sabedoria é a dos rios./Não temos outra./Persistir.
Ir com os rios/onda a onda.”
B - Qual o papel do escritor na sociedade?
ARA - Fazer a sua parte. O bombeiro tem a sua competência,
que faça a sua parte. Mal comparando, o escritor domina a
sua arte para melhor dizer algo. Não apenas o estético, mas
o essencialmente humano, para que possamos entender a alma
humana, conviver, retribuir. Por outro lado, isso não
indica uma relação obrigatória, como se todo escritor deva
sempre dizer algo à sociedade. Cada um que procure melhor a
sua verdade, a literatura não tem que ter papéis.
Literatura já é um patrimônio em si.