ANISTIA

 

                                                                                    Silas Corrêa Leite

 

           "De tudo o que está escrito, eu amo somente aquilo que

            o homem escreveu com o seu próprio sangue"

                                                               (Friedrich Nietzsche)

 

 

 

"Eu creio que os labirintos  são símbolos evidentes  da      perplexidade."

  Jorge Luís Borges

 ................................................................

                                   

 

                                    Eu estava brincando de pular carniça com o Gaudêncio Bereba, quando repentinamente vi chegarem os baitas comboios. Caminhões pesados, posudos, "tombeiras"  enormes  cobertas com toldos de lona oliva, entre jipes, picapes, escavadoras e tratores. Desceram dezenas de pessoas com uniformes esquisitos; pareciam soldados de chumbo a pedirem histericamente que nos afastássemos.

 

                                    Pediram, modo de dizer.

 

                                    Foram chegando com aquele aparato violento todo, como que marchando em grupo, e limparam a rua num piscar de olhos. Dispersando afoitamente os entusiasmados e curiosos que nela se atrevessem a fincarem os pés.

 

                                    Das janelas, alpendres, varandas, calçadões afastados e mesmo dependurados em ramos de grandes árvores e cercas de tabuinhas, vimos que trouxeram  aparelhos estranhos.

 

                                    Montaram, deram aprumo.

 

                                    Destrancaram engenhocas desconhecidas. Ligaram máquinas de um aparato de construção sem se preocupar com tapumes para curiosos e despreocupados viventes comuns da rua e imediações.

 

                                    E nem foi um instante-prosa, nem nada, como robôs governados por um hino que cantavam meio que babando, maquinando afinco ergueram um MURO. Bem no meio da rua larga; de paralelepípedos como se cacau quebrado.

 

                                   A cidade  de Itararé é dividida em parte alta e parte baixa. Na parte baixa onde o rio Itararé sempre transborda e inunda tudo, há doenças, lixões, falta saneamento primário. E problemas sociais vários, por causa de históricas riquezas injustas,  riquezas impunes. Além de contrastes sociais e empresários suspeitos, contrabandistas informais e narcotraficantes terceirizados

 

                                   A parte alta da cidade é outra coisa. Lá moram os latifundiários, estrangeiros, a fina flor da alta sociedade, chefes militares, e, por questão de segurança máxima, as ditas autoridades oficiais da aldeia

 

                                    Meu pai até que não é maleixo. Aposentado do antigo IAPC, hoje INPS, era um comerciante de artigos de couro, como selas e tralhas, cordames, arreios. Minha mãe lecionava as primeiras letras num curso noturno para adultos. Até acidentar-se e ficar encostada. Recebendo um minguado salário que hoje não cobre sequer a mistura.

 

                                    Vi tudo porque moramos bem perto; bem rente a divisa entre a cidade alta e a  pobre cidade baixa. Entre a riqueza e a miséria. Meu pai herdou a chacarazinha de um tio-avô picego que especulava com grileiros por essas bandas. E aqui resolveu de decantar-se após a parca aposentadoria.

 

                                    O Muro fecha toda a enorme única rua da cidade; com as  cercanias de arame e outras chácaras de gente rica fortalecida de segurança no paralelo, não é permitido o atravessar; impedidos que estamos de passar para o outro lado. Somos a escória, a ralé, o lixo humano.

 

                                    Ficamos portanto impedidos de ir na farmácia do Seu Vitorino. No açougue do Silvio Machado. Na Prefeitura. Quanto mais se precisarmos - deusolivre! - de dar parte de um dano qualquer. Um desengate de trem noturno; um lobisomem com feição de filhote de cruz-credo, ou mesmo precisão do Pronto Socorro que um ex-prefeito demagogo bancou aqui numa eleição passada, tempos de Jango.

 

                                    De-primeiro meu pai achou tudo aquilo muito ridículo, impossível de se acreditar num primeiro instante cainho de se pôr acentuado reparo. Depois é que foi apurando tino nas coisas todas. Uma toleima. Estávamos separados. Como quem separa o trigo do joio, tinham dividido abruptamente o nosso vilarejo bem no meio. Os de lá não tinham o que vir ciscar, xeretear pro lado de cá. Tinham tudo .Mas os nossos maleixos cidadãos surrados da vida difícil que levavam, tinham muito o que fazer do outro lado. Até por uma questão de sobrevivência. Onde já se viu aquilo, ara?

 

                                    Mal-e-mal os soldados armados com picaretas, bazucas, binóculos e espécies de lanças modernas, terminaram o monumento infame ao arbítrio, bateram continência por atacado para o símbolo absurdo que o Muro representava - cantaram (parecia um hino às avessas) - e foram embora garbosos. Com panca do dever cumprido.

 

                                    Meu velho logo se assuntou com o Deodoro. O dono de uma vendinha de pinga na Vila dos Pobres: que vende mais é banana que é praga nas imediações. Ficou com um nojo cidadão. E um tipo tongo e saranga que vadiava por ali, puxou conversa afiada:

 

                                    -Eu te falei, Agenor, que esses estrangeiros que ficaram amigos íntimos dos porcos milicos e dos donos da Serraria iriam botar banca, água na fervura.

 

                                    -Mas isso é um acinte, velhacaria - retrucou meu pai - que "subiu a serra" com a barbaridade do que tinha visto acontecer.

 

                                    Desde que os estrangeiros chegaram com dólares fartos, comprando até consciências, empinando o nariz de uns poucos dinheirudos da classe média alta, que meu pai aduziu que a coisa tendia a piorar mais ainda.

 

                                   -Dizem que é uma tal "Revolução"- sapecou Tião Rabeca, que é dono de um ferro-velho bem porqueira da periferia distante. E tem esse sobrenome no apelido porque fala fino com voz de taquara rachada.

 

                                   -Credo em cruz - assoprou Sinhá Bentinha, que tricoteava na esquina lotada de caipiras empacados no ver. Olhando o Muro como se fosse bem mais do que uma ameaça, uma provocação. Para ela era sinal do fim do mundo.

 

                                    Pois meu pai desembestou. Montou um baio velho que tinha, arrancou na marra alguns mourões com arames farpados de cercanias limites, despregou umas tramelas de segurança a pontapés de botinas cevadas em banha de capivara, cortou uns alarmes estratégicos que haviam nos campos paralelos à rua bloqueada e foi com mais alguns gatos pingados falar com o doutor delegado.

 

                                    -Como é que o senhor chegou até aqui? - perguntou o bacharel Mandarico que estava de "causo sério" e desfrute íntimo com uma ruiva sardenta, espeloteada, filha de um caipora estrangeiro.

 

                                    -O senhor me conhece, doutor - refugou meu pai. Quando fico fulo ninguém me segura. E que negócio é esse de um maldito Muro dividindo a cidade? E bem perto de minha toca, quase paredemeia? Meu pai era pau pra toda obra.

 

                                    -Ame ou deixe-o, inexplicou o delega pançudo, adunco, arrotando grandeza, chupando um torresmo da sinusite encalacrada no nariz de abutre.

 

                                    -Como disse? sapecou meu pai, enfurecido, de tromba.

 

                                    -Ordens superiores, esclareceu o delegado que tinha também virado um marionete e capacho da grana dos estranhos e exóticos.Com toda uma corja de meio e pose. Antro de escorpiões.

 

                                    -Mas não é possível! retrucou meu pai, olhos estalados, nervoso, cascavel. E cobrou: -Como é que os pobres coitados dos trabalhadores, lazarentos, que já ganham mal; vivem sempre doentes, labutam fora do horário sem receber um tico a mais, vão poder ganhar o já miserável pão para a sobrevivência vital de cada dia?

 

                                    -Ah...- esclareceu a autoridade - vão abrir um pequeno Portal Moderno no Muro. Para poder passar um tipo de cada vez. Como um mata-burros, o senhor sabe! Todos serão criteriosamente cadastrados, na forma e no rigor da lei. Pagarão apenas uma mera taxa de manutenção do Muro. Em nome da ordem, da Pátria, de Deus, da Família e da Redentora

 

                                    -Mas a rua é do povo - sugeriu meu pai já meio desacorçoado.

 

                                    -O senhor é comunista, Seu Agenor?

 

`                                  -"Nem por fosse"..., doutor! Credo. Mas essa gente vai ficar ainda pior do que estava! Só pra dar mais lucro para uma caterva ordinária e com dinheirama sem medida que perdeu as estribeiras da ética?

 

                                     Meu pai de vez em quando fala com viço. Palavras que eu não compreendo direito. Que não são de usar sempre, no bucólico do cotidiano trivial de Itararé, mas têm força, estimulam o ouvir comum. Nutrem a gente humilde que se contenta com palavras cheias de esperança. Afinal, a esperança é a inteligência da vida, diz sempre meu velho genitor arigó.

 

                                    -O senhor deseja registrar queixa, dar parte? Cutucar onça?...

 

`                                  -Não vai adiantar nada, concordou meu pai segurando o relho frágil da toleima.

 

                                   Virando as costas e saindo foi que notou que a pequena delegacia do povoado estava todinha cercada. Centenas de homens fortemente armados, tanque de guerra, armas pesadas. Aparato bélico bem montado na fuça da emergência estimada. Tipos preocupados com os pobres coitados magros e pobretões; que foram saber o que realmente estava acontecendo, em busca de uma só satisfação que fosse.

 

                                   Meu pai era muito conhecido e respeitado na região. Além do comércio onde labutou mais de trinta anos, foi correspondente de um jornal na capital na época de  Getúlio Vargas. Isso em tempos idos, anos 30. Tinha até fama de bom poeta parnasiano. Para ninguém botar defeito ou arreparo.

 

                                  No outro dia lá estava o emperiquitado Portão. Boca dos quintos. Os trabalhadores da Serraria passavam em fila indiana. E eram fotografados. Assinavam um livro preto, recebiam um crachá oliva somado a uma estranha ordem dita funcional:

 

                                -Não podem levar marmita. A direção da companhia vai dar a bóia equilibrada. Que será descontada depois do salário trimestral.

 

                                Muitos deixaram ali perto do Muro, a marmita humilde. Com arroz e ovo, arroz e couve, arroz e lingüiça. Uma outra com feijão, torresmo e abobrinha ou bolinho de cambuquira caseira.

 

                                Meu pai pensou em escrever pro jornal da cidade grande, denunciando. Que também diziam estar comprometido até o rabo com a grana suja dos estrangeiros. E depois, o Posto do Correio ficava do outro lado. Tinha um novo gerente nomeado por ordem estimulada dos donos da Serraria. E não podíamos sapear pras bandas de lá. Afinal, minha mãe encostada; meu pai aposentado (e eu com pouco mais de 13 anos) iria apenas provocar ares de acirrado desconfio. Sem tirar nem pôr.

 

                               Provisoriamente, avisaram, a Escola pro pessoal que morava no lado pobre do Muro iria ser desativada. Não queriam ninguém evoluindo, pegando senso crítico, ninguém aprendendo a pensar. Muito menos estudando Filosofia, Sociologia, Latim, Grego, Francês. Liberdade, Igualdade, Fraternidade, essas coisas. Meu pai encafifou, diacho.

 

                               Se mandava um alguém comprar banha, açúcar ou querosene na venda central da área murada, o coitado que atravessava com o pedido era fichado em desconfiança. Além dos preços das coisas, da bóia até, assustarem  enormemente, inclusive os babaquaras ricos. Roubança mesmo. Ver pra crer.

 

                          Tínhamos que fazer a feira quase duzentos quilômetros Estado do Paraná a dentro. Numa Cooperativa que ficava na região nordeste do estado, perto da Vila das Mercês, ramal ferroviário lados de Ventania.

 

                         Meu pai aprumava a carroça do Vadico Taludo coberta com lona  cor de burro quando foge, e ia com o Deodoro buscar os pedidos do lado pobre da cidade dividida pelo Muro. Um trabalhão danado. O céu por testemunha.

 

                         Uma bela noite, estava a vila toda deitada, ferrada no sono, quando na hora do curupira houve uma explosão. Putamerda! Saímos à rua saber o havido; campear o desboque. O baita Muro tinha sido explodido. Ficamos de butuca, entre alegres, alvoroçados e a cismar acontecência pertinente ou seguinte.

 

                         Não foi nem um princípio de clamor geral e os comboios voltaram com os tipos sisudos.  Alvoroçados. Pega pra capar. Cercaram os quarteirões pobres. Prenderam os suspeitos de sempre. Fizeram demoradas perguntas com ares de contaminável preocupação. Um coronel boca mole de nome Erasmo armou uma tenda roxa bem em frente de casa. Dali, num megafone roufenho, comandou a reconstrução imediata do hediondo Muro. Dizendo, entre tantos impropérios pelo inusitado havido, que aquele atentado contra o Muro era coisa de terroristas. Que eram comunistas os que tinham derrubado parte do Muro. Como se o próprio Muro não fosse um outro atentado.

 

                        Iria investigar. Abrir inquéritos, "sentar a  pua" por causa daquela provocação. Animalóide, repetia - ninguém seguraria o curso do progresso. Não foi nem o retintar da manhã bronzeada, lá estava o Muro reerguido. Um pouco mais feio e rude do que o outro, cheio de bandeiras, símbolos bobos com espadas cruzadas e outras barbaridades.

 

                       Pessoas começaram a sumir. Pirambeira. Sem mais nem menos. Umas apareciam mortas mesmo. Outras, presas para suspeitas averiguações, apareciam estranhamente "suicidadas". E nada era esclarecido ou provado. Uma vergonha.

 

`                       No lado pobre do Muro, algumas velas ou poemas de protesto começaram a aparecer, em lembrança cívica de operários ou outros cidadãos desaparecidos. Crime e castigo? Benzadeus! No próprio lado rico do Muro, apareceram pichações contra o muro. Contra as atrocidades que em seu nome ou causa eram cometidos pelos donos da Serraria e seus comandos paramilitares radicais. Impunidade solta.

 

                       Quem vinha de lá, disfarçava um sorriso medroso e baixinho passava a animada esperança. Os dizeres das faixas que pendiam em frente ao Muro:

 

                     -Abaixo a ditadura! - A Corrupção financia a Revolução - Justiça Social Já -

 

                      Mas logo mandavam alguns prisioneiros bem comportados (por causa de torturas ou dietas bem dirigidas), que passavam uma demão de verde-musgo no Muro. E ele voltava  a ficar limpinho. Como novo em folha. Camuflo.

 

                      Mas no outro dia, lá estava a pichação-desafio encorpando novamente o triste feitio do Muro: Democracia e Luta - Legalidade, Constituição e Cidadania - Cadeia pros Ladrões e psicopatas do Sistema! - Fora Porcos Verdes!

 

                       Passaram a fazer turnos de vigília durante a noite que rondava o Muro. Soldados armados até os dentes, gordos, posudos, juntos com civis babaquaras, paisanos comprometidos com o regime nojento, vigiavam eventual insurreição que o Muro tendia a permitir, provocando. Pulga atrás da orelha da cupinchada .

 

                       Se uma dona qualquer mesmo do lado rico, desse de criticar abertamente o Muro em favor da reunificação, dias depois era achada morta por atropelamento estranho, segundo versão oficial da caterva do poder. Se alguma mãe do lado nobre se atrevia a ir dar parte do sumiço do filho revoltado e esquerdista, logo ficava com estranha doença. Se era um artista ou intelectual boêmio, então, simplesmente aparecia morto numa cela de um aparelho clandestino qualquer. Ou por drogas no uísque. Mortes bem concatenadas. De ofício. E com um certo escabroso estilo de quem confiava no "status de sítio" da impunidade instituída com violência. Só que a dor une as pessoas. Como uma dobradiça de meio ligando elos diferentes num mesmo diapasão.

 

                      Do lado dos ricos; do lado dos pobres infelizes a desconfiança era generalizada. Insatisfação geral. Tramas. Boatos de fora: diziam que outras cidades e regiões já sabiam do horrendo muro nefasto e suas sofrências afins. E estava havendo interferências com implicações econômicas para a serraria e seus asseclas violentos. O pavio do povo ganhava a marotice da quentura.

 

                      O Muro foi virando ponto de encontros. Pessoas vinham de fora, em caravanas obreiras, protestar pela queda dele. Turistas em procissões silentes. E era muita gente atiçada pras chamadas autoridades botarem no "xilindró".

 

                      Começou a pegar fogo a chama civil dos direitos humanos até a nível internacional. Calha pra legalidade clamada. Pela derrubada dos totens amorais. E pela justiça das necessárias reformas sociais tão precisadas. Cobranças de cadeia para os animais psicopatas de terno, gravata, farda, batina e toga.  E  a Justiça seria feita. Os "Muristas" iriam presos. Cambada de ladrões, corruptos, canalhas amorais.

 

                                  Todos passaram a sonhar dias melhores. Os assassinos seriam julgados. O terrorismo estatal iria pagar caro, muito caro. Sem tardança.

 

                                 Quando sentimos que a situação inumana iria explodir; que haveria seqüência de convulsões sociais; que os donos da Serraria Redenção seriam processados  e presos; que o delegado corrupto e algo senil seria exonerado do cargo; que o prefeito descendente de turcos responderia pelas milhares de flores dadas para as madames dos cupinchas canalhas que mandavam em tudo aquilo, eis que aconteceu uma coisa que envernizou o lume e tornou o triste, tráfico. Tráfico?

 

`                                  Um bruxo dentre as panelas podres do poder deu de pregar uma tal de "Anistia". Que também perdoaria os tachados “terroristas” que atentaram contra o sórdido Muro. Em qualquer lugar do mundo derrubar um Muro igual era plausível, até mesmo com violência. Mas erguê-lo nunca. Por que a falácia da tal Anistia? Pois era a bendita Anistia que os lazarentos muito bem programaram de acontecer. E dopavam o povo com  bem montados aparatos nesse sentido.

 

                                     Era Anistia pra cá, Anistia pra lá; e os comprometidos até as vísceras do lado rico logo encamparam a idéia que somou, vingou por atacado, fez vulto até com promoções ignóbeis de algumas crias do meio vil.

 

                                    Tempos idos, crises administradas com vernizes novos em velhos aparatos, um Decreto frouxo do prefeito financiado pelos donos da serraria acabou promovendo oficialmente a Anistia Geral, Ampla, Total e Irrestrita. "Xaropada"

 

 

 

                                    Quando um sanfoneiro sonhador cobrou a derrubada do Muro, chiaram aloprados:

 

                                    -Revanchistas!

 

                                    Hoje o Muro já não tem graça. Perdeu a expressão. Já o assimilamos ao redor, por gerações e gerações, na gene, na alma, no corpo-a-corpo, na consciência, dentro de nós. Feito um pertencimento-nódoa, um questionário-renúncia, um butim de foro íntimo. Ganhou musgo, caiu de um lado, apodreceu de outro entre jias. Mas é como se ainda estivesse ereto ali. Justiça seja feita.

 

                                    Os ricos estão cada vez mais ricos, claro. Eles nunca perdem. O bairro dos pobres aumentou tanto que virou a parte maior da cidade, ganhando espaços, paisagens, esgotando horizontes, saturando mediações sociais improváveis. Invadindo cafundós. A cidade toda agora é uma enorme Favela Ordem e Progresso.

 

 

 

                                    Mas em tudo quem manda mesmo, direta ou indiretamente, são os filhos dos antigos donos da serraria, juntos com empresários narcotraficantes, liberais contrabandistas, matadores de aluguel sem fronteiras, estrangeiros com imunidade diplomática ou financeira. Que alvissareiros se intitulam reformadores modernos; falam em globalização, neoliberalismo, quando passeiam pra lá e pra cá chiques com a grife-crime de um consumismo neo-bobo. E ainda provocam outros tipos de muros, violências, mentiras, desempregos; além de suspeitas privatizações-roubos beneficiando banqueiros amorais e agiotas do capital estrangeiro.

 

                                    O portão foi arrancado de um lado por ridículos novos ricos exploradores da miséria insana que há no nosso amoral selvagem e acumulativo capitalismo-câncer de terceiro mundo.

 

                                   

 

                                    No espaço onde antes havia o portão divisor,  transitam agora miseráveis como  mendigos, favelados, sem teto, desempregados, sem terra, sem Amor.

 

 

 

                              E importadas carroças coloridas.

 

-0-

 

(FIM)

 

 

Conto da Série “Campo de Trigo Com Corvos” – Contos Estranhos - Livro Inédito de Ficções do autor, em poder de Bernardo Adjzenberg (Folha de São Paulo Online) para ser prefaciado.

 

 

 

Silas Corrêa Leite, de Itararé-SP, Poeta e Ficcionista, é membro da UBE-União Brasileira de Escritores,  autor de “Trilhas & Iluminuras”, Poemetos Quase Haikais, 1995, Editora Grafite-RS, e autor do e-book “O Rinoceronte de Clarice”, livro virtual de contos fantásticos com três finais cada, que está no link Interativos do site  http://www.hotbook.com.br – Poemas, premiações e bibliografia (até 1998) do autor no link Poetinha Silas do site  http://www.itarare.com.br

 

 

                                                                      volta