RESENHA
ANTONIO MARIANO
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Cantar a própria aldeia para ser universal é um ensinamento estético, virou uma bela recorrência nas lições daquele que pretende seguir as certezas e contingências da criação artística. Trilhando este caminho, o poeta goiano Fausto Rodrigues Valle (vallet@zaz.com.br) fez imprimir, em 1999, a sua Aldeia Absurda (quem não há de lembrar da Global, de McLuhan?), uma publicação das Edições Consorciadas UBE-Goiais e da Editora Kelps. A partir de uma visão sensível, o poeta construiu um retrato de um universo que aterroriza e fascina. Nesta e naquela situação nos leva a uma atitude de sentinela, de especulação frente a um mundo que surpreende e nos põe alertas. Num passeio por algumas peças, podemos ter a clara noção de como este arquiteto traçou o projeto literário de sua aldeia. Nas palavras do ensaísta Éris Antônio Oliveira, "um conjunto de metáforas bem elaborado, que traduz com adequação ímpar o impacto do homem contemporâneo, que se pasma frente a uma realidade prenhe de múltiplos segredos." De um total de 86 poemas que compõem a coletânea, as 13 peças relacionadas a seguir são os becos, esquinas, vielas, ruelas, largos, praças, ruas e avenidas que costuram a comunidade imaginada pelo poeta nesta recente incursão literária. O livro é aberto com o poema "Cárcere" (p.15), onde ratos, " cheiro de suor, de roupa suja, de excretos" ambientam uma "procissão de robôs no delírio do poeta". Seguem-no "Aniquilamento" (p. 21), "Degredo" (p.22) e o poema que dá título ao livro, um espaço " universal por que abriga os absurdos do mundo" (p. 23). "Coelhos Assustados" (p. 24) é certamente a melhor definição para os habitantes desta Aldeia. O desejo de ser pássaro é ícone da liberdade lembrada neste poema. De procura inútil, no entanto, porque " suas asas já se bateram/rumo ao planeta tentável." A idéia de impotência associada ao não ser ave passa por outros poemas como "Pássaro sem asas" (p.26) e "Asas imóveis" (p.39). Nada disso, porém, é exterior ao poeta. Ao contrário. A consciência coletiva identifica a "Multidão" (p.28) como parte de si. "Para uma menina morta" (p.33) traz consigo sua carga de simbologia. São cenas tristes da vida reverenciadas numa futura mulher/mãe que não cumpriu o seu ciclo. Em ritmo monocórdio, o poeta descreve em sete tercetos ( e eu nem penso em numerologia!) este contexto de estagnação. "Minutos se arrastando, tardonhos (galos tentam, inútil, o dia) e a menina morta." "Olho-te com fervor" (p. 36) é um diálogo com a pedra e os interlocutores naturais Dante e Drummond. O poeta parece confirmar a regra de que toda aldeia há de ter uma pedra no caminho de seus homens. "Olho-te com fervor, pedra no caminho. Não és a coisa morta que aparentas(...) Um dia parecerei mudo, Ombro a ombro a contigo No caminho, também pedra." A propósito de Drummond, "Desolação" (p.58) nos remete à Itabira particular de Fausto, doendo, afligindo como mais um retrato na parede da sala "Casas, ruas e almas sucumbem à desolação das tardes enfumaçadas. O sol solferino não consegue enternecer mágoas e solidão, o silêncio das árvores na praça desesperada, o bafio dos bueiros abertos, o sentimento de esterilidade pairando no ar imóvel. São apenas momentos, efêmeros por certo. Mas afligem!" "Serei Rei"? (p.79), com o subtítulo "linguagem de botequim", entre parêntesis, são bem as reflexões de um artista, embriagado com as dúvidas da criação Me amarro na poesia, uma bengala branca a tatear o caminho. Inútil, há tropeços. "Goiânia", cidade real onde o poeta habita (p. 105), é o poema perfeito para fechar este ciclo "Em Goiânia, o dia não termina e a noite é o dia interminável, nas ruas lavadas de azul. Praças, ruas e avenidas com cheiro de lençol limpo, escoam sôfrega robustez dos notívagos dos bares. Não há odor de naftalina em lugar algum. Nas alcovas, a ocupação secular do sexo, a embriaguez do amor. Em Goiânia, o farol do dia Clareia a noite interminável." Observe-se os contrastes existentes entre este e o universo descrito em "Cárcere", poema com que abre o projeto estético. Não nos escapa e visão crua no início e a sublimada no fim. Lá, tem o cheiro de suor, de roupa suja, de excretos; cá, "as ruas são lavadas de azul", há "praças, ruas e avenidas com cheiro de lençol limpo". E no entanto são partes de mesmo espaço lírico. Desde a publicação da primeira obra Fausto parece ter, a exemplo de Kappus, o jovem poeta correspondente de Rilke, atentado bem naquelas palavras do mestre "Fale de suas tristezas e de seus desejos, dos pensamentos que o tocam, de sua fé na beleza. Diga tudo com sinceridade calma e humilde". Tal não é outra a tônica desde livro. Aqui, Fausto, pedreiro ou operário em construção, prepara a argamassa e os tijolos, dá mais um ponto no tecido de seu ideário humano e poético. Conheça a página pessoal de Antônio Mariano Lima http//clientes.jpa.zaz.com.br/trema Correspondência Caixa Postal 216 João Pessoa, Paraiba 58001-970 Brasil |