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       Entrevista com Fábio Fiorese 
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       Fernando
      Fábio Fiorese Furtado
      nasceu em Pirapetinga, Zona da Como
      professor do Departamento de Comunicação e Artes da Faculdade de
      Comunicação e do Curso de Especialização em Estudos Literários da
      Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e membro do Grupo de Pesquisa
      "Estéticas de Fim-de-Século" da Faculdade de Letras da
      Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), desenvolve pesquisas nas áreas
      de Cinema e Literatura, com publicações regulares em coletâneas de
      ensaios e revistas especializadas. Além disso, atua como
      professor-convidado em cursos de pós-graduação de faculdades e centros
      de ensino de Juiz de Fora e região. Mestre em Comunicação e Cultura
      pela Escola de Comunicação da UFRJ, atualmente elabora tese de doutorado
      em Ciência da Literatura/Semiologia na Faculdade de Letras desta mesma
      instituição, tendo por objeto a obra poética de Murilo Mendes. Recentemente
      disponibilizou poemas, contos e ensaios na página teia Corpo Portátil: http://www.terravista.pt/Enseada/6460   1.A
      sua geração é a de poetas embasados em teorias. São professores,
      doutores. Em que aspectos o fato de ter uma vasta formação acadêmica os
      afasta da poesia mais popular? A poesia pode ser popular? Ao
      menos desde Baudelaire já não é possível o leitor ou o poeta ingênuo.
      A poesia exige o “olho armado” - a expressão é de Murilo Mendes -
      para o que faz questão nas relações entre a poesia e a sociedade. Não
      creio que este olho seja “armado”, nem apenas nem principalmente, nas
      universidades, pois a poesia sempre inaugura outros circuitos de
      aprendizagem. Com o uso exaustivo a que foram submetidos nos últimos 50
      anos, os termos  “erudito” e “popular” parece que chegaram ao limiar
      da dessignificação, converteram-se em clichês, talvez enredados em
      discursos e práticas sem consistência. No entanto, o popular continua a
      ser um fenômeno fundamental na cultural brasileira, mesmo quando
      folclorizado ou simplesmente excluído pela indústria cultural.
      Permanecer à margem é a estratégia de sobrevivência do popular, talvez
      a única possível. Desta forma, o popular não se deixa conspurcar com os
      valores e lógicas estranhas à sua sofisticada trama. E neste âmbito
      cultural, a poesia foi, é e sempre será popular, pois ela é o próprio
      fundamento desta lógica que nos estranha. 
 Não
      me empenho no especialismo, mas nas paixões que duram até a consumação
      completa. Pretendo-me apenas um “amador” em/de Murilo Mendes, no que
      esta palavra barthesiana tem de manuseio e de cuidado com uma obra ainda
      pouco explorada em sua multiplicidade. Assim, como poderia falar do
      advento de uma paixão sem remeter ao enigma, ao obscuro cerne da própria
      poesia? E toda paixão é um desafio, uma questão que se nos impõe e da
      qual, quando a reconhecemos no seu vigor, já não podemos fugir. Haverá
      alguma lógica, mesmo casual, que decida as nossas “afinidades
      eletivas”?   
 Ainda
      não tenho uma obra publicada consistente em termos quantitativos para que
      possa qualificá-la. Pretendo que seja uma poesia visceralmente abismada
      no tempo presente, empenhada nas questões e perplexidades do homem
      contemporâneo, afinada com os paradoxos da cultura brasileira. O vigor e
      a radicalidade que caracterizam a melhor poesia surrealista são
      horizontes que persigo, sem pretender alcançá-los. 
 Na
      cena da palavra, as vidas do poeta são tantas quantas forem as personae
      que ele lograr in-vestir. Penso o ator no poeta, para experienciar múltipos
      “eus”, assumir vozes díspares, multiplicar-se em corpos e sentidos.  
       
 Falar
      da poema é o exercício diário da poesia numa época que recusa olhar-se
      no espelho. Uma época que desvia o olhar de si e do outro. Diferentemente
      de Narciso, no frágil espelho da palavra a poesia procura o outro, a
      diferença radical que nos comunga a todos. Neste sentido, não pretendo
      paradigmas, se deste termo depreende-se a possibilidade de forjar uma
      igualdade que aponta para a homogeneidade. Assim, prefiro horizontes, um
      termo menos marcado e, necessariamente, plural, porque multiplicando-se na
      medida em que avançamos ou recuamos, estrategicamente. Os horizontes da
      linguagem - reino de ação e matéria da poesia, casa da memória e do
      segredo do homem histórico e plural - são o lugar onde todos e cada um
      acolhem as aporias com que o presente nos desafia a existir.  
 A
      sua interpretação do poema, mesmo explicitada sinteticamente, parece-me
      interessante. Soubesse você das circunstâncias fortuitas e banais que
      engendraram tal poema... mas não cabe aqui falar da gênese de um texto.
      A casa é um motivo recorrente na poesia ( incluindo a minha) - e a
      amplitude da sua simbólica pode ser aferida pelas inúmeras páginas que
      lhe dedicou Gaston Bachelard. Para abrigar não apenas o poeta, mas o
      homem, a casa deve ter o sentido do “habitar”, que não se confunde
      com o “morar” ou “residir”. Habitar preserva as janelas e as
      jornadas, o teto e o horizonte, o interior uterino e as verticais do
      exterior, o descanso e a passagem, todos os sonhos (no sentido freudiano
      de representação da realização de um desejo) e as ásperas realidades.   
       
 Escrever
      é o esquecimento de toda a teoria. Não em direção à ignorância ou à
      ingenuidade, mas no sentido de abrir-se aos corpos e às máscaras dos
      personagens, de entregar-se à trama da história, deixando surgir o
      tensionamento próprio da vida que urge e age. Não digo que a teoria não
      participe, mesmo porque ela é constitutiva do escritor enquanto “eu
      civil”. Mas creio que, mais ainda que um lance de dados, a teoria não
      abole o acaso. Neste sentido, talvez a comparação mais adequada do
      contista seja com o músico de jazz, aquele que se dedica ao longo
      aprendizado da teoria musical e à árdua tarefa dos ensaios (até a
      perigosa proximidade do virtuosismo) apenas para que possa rasgar as
      partituras e se entregar ao improviso. 
       
 Nos
      inéditos Pequeno livro de
      linguagens e Corpo portátil,
      escritos em 1998 e 1999, respectivamente, predominam os poemas longos
      (embora não muito). No entanto, acredito que os textos curtos se adequam
      à urgência que domina os internautas, garantindo aos poemas
      disponibilizados no site Corpo Portátil
      um mínimo de leitores. De qualquer forma, a poesia moderna já se
      afirmara no fulcro dos paradoxos da consciência de linguagem, denunciando
      a longa dicção como tentativa de restaurar uma idéia de totalidade
      fundada sob os princípios da linearidade histórica, da razão
      positivista e da natureza domesticada. Os poetas contemporâneos
      continuamos debruçados sobre a verticalidade de uma época em que os
      fragmentos não reconstituem qualquer totalidade, em que o verbo já não
      se refere a qualquer verdade (seja teológica ou científica), em que o
      estranhamento e o artifício são  condições
      de ser homem. Resta-nos, então, desmontar os ardis deste tempo, até o âmago
      (caso seja possível extrair deste termo o seu sentido metafísico). 
       
 As
      circunstâncias do circuito comercial nos condenam a uma filmografia específica
      e restrita. Nas últimas décadas, os custos da tecnologia cinematográfica
      reduziram drasticamente as produções, inclusive nos países europeus.
      Desta forma, tornaram-se mais evidentes as relações de interdependência
      entre o cinema (leia-se Hollywood) e os demais setores da indústria
      cultural, notadamente a fonográfica. Assim, a música no cinema tornou-se
      tão comercial e anódina quanto os roteiros e as interpretações, de
      forma a adequar-se ao que os “capitalistas” da indústria cinematográfica
      denominam espectador médio, uma abstração que pretende dar conta do
      perfil do público nos cinco continentes. No entanto, creio ser um equívoco
      considerar a música apenas um “adorno” das imagens. Em sendo um meio
      audiovisual, o cinema deve experimentar as múltiplas possibilidades desta
      acoplagem entre som (música, ruídos, diálogos) e imagem, explorando no
      limite os recursos significantes de cada um destes elementos.  
 “Linko,
      logo existo” é apenas a tradução de “Link therefore exist”, de um
      poeta norte-americano cujo nome não me recordo agora. O meu contato com a
      Internet é muito recente e restrito para que possa eleger os sites mais interessantes. Como estou conectado a apenas três meses,
      não me sinto habilitado para tanto, e mesmo os sites que “linkei” na minha página ainda preciso passá-los por
      um crivo mais rigoroso. Quanto à rede, creio que se trata de um fenômeno
      muito recente, tanto para dizer da sua adequação ao texto curto (o
      poema) quanto para exercícios de futurologia. Contudo, constato que
      multiplicam-se as páginas dedicadas à prosa curta e à poesia. Seria de
      se pensar se tal recorrência deve-se à adequação da rede ou (um motivo
      bastante prosaico) ao exílio a que o mercado editorial brasileiro tem
      condenado poetas e contistas inéditos.  
       
 Como
      disse acerca da paixão por Murilo Mendes, um ensaio nasce do desafio que
      a obra nos propõe e impõe. Embora seja difícil explicitar, existe uma lógica
      sutil nestas escolhas, no mais das vezes desvelada a posteriori. Uma lógica que não repudia o acaso, o desvio, o
      paradoxo; ao contrário,  faz
      destes plataforma de trabalho, trabalho cuidadoso e paciente. Inspiração,
      trabalho... qual o nome daquilo que nos move para o interior de uma obra e
      nos faz habitá-lo?  
 O
      termo “pós-moderno”, aproximei-me dele com extrema desconfiança.
      Depois, como todas as modas acadêmicas, revelou-se de baixa operatividade,
      quando não vazio, nas mãos dos que operam com os antolhos do conceito.
      Definições, classificações e conceitos são tributários daquela idéia
      de totalidade a que me referi anteriormente, servindo àqueles que
      preferem a superfície ao mergulho nas aporias do nosso tempo. Nominar é,
      de alguma forma, dominar, domesticar, tomar posse e impor uma identidade.
      Mesmo o discurso que elege o “novo” como definidor da modernidade
      parece-me uma armadilha, pois que este “novo”, não poucas vezes, o é
      em relação a referenciais bem estreitos. Onde o “novo” na poesia
      chinesa tão fundamental para a obra de Ezra Pound? Onde o “novo” nas
      máscaras tribais que tanto influenciaram a pintura de Pablo Picasso? 
       
   “But
      yet the body is his book”. De um
      poema de John Donne. “Escrever
      é tantas vezes lembrar-se do que nunca existiu”. De uma crônica de
      Clarice Lispector. 
 
 
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