ENTREVISTA COM ANDRÉ SEFFRIN
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André Seffrin (1965, Júlio de Castilhos/RS),
crítico literário e ensaísta, reside no Rio de
Janeiro desde 1987 e é autodidata. Colaborador de
diversos órgãos da imprensa brasileira, já atuou em
jornais e revistas tais como Jornal do Brasil
(Idéias-Livros), O Globo (Prosa & Verso), Jornal da
Tarde (Caderno de Sábado), Letras & Artes (Fundação
Rio), Manchete, Poesia Sempre (Fundação Biblioteca
Nacional), Zero Hora (Cultura), Gazeta do Povo etc.
Escreveu diversas apresentações e prefácios para
livros de autores brasileiros (Fausto Wolff, João
Silvério Trevisan, Octávio de Faria, Lúcio Cardoso
etc) e ensaios a respeito de Roberto Burle Marx,
Joaquim Tenreiro, entre outros temas ligados à
literatura e às artes plásticas. Autor da edição
revista e ampliada do Dicionário de pintores
brasileiros, de Walmir Ayala (Editora da UFPR,
1997).
Joyce foi eleito o escritor do século pelos
Ingleses. Concorda?
- Gosto de Joyce, embora não tenha lido toda sua
obra. Sem dúvida é um autor fundamental. Mas se é
ou não o autor do século, isto é outra questão.
Fico com o que disse certa vez Mário Quintana - se
bem me recordo, perguntado sobre poetas maiores ou
menores, afirmou que nenhum poeta é cavalo de
corrida para se querer julgar quem chega primeiro.
Há uma idade correta para ser/se tornar escritor?
- É óbvio que não. Rimbaud escreveu sua obra antes
dos 20 anos, Pedro Nava com cerca de 70 anos.
Com a morte de João Cabral morreu um poeta que
rivaliza em importância com Drummond. O que
perdemos? Há alguém querendo a alcunha de maior
poeta brasileiro vivo?
- Só mais tarde saberemos. Por enquanto, prefiro
ficar com a história dos cavalos de corrida do
Mário Quintana.
Há escritores que só aceitam críticas de
escritores. Concorda que alguém envolvido com a
criação está mais próximo de uma boa crítica?
- Acredito que não. Como você pode notar, na
literatura brasileira os críticos (e ensaístas) que
mais se destacam não são poetas nem ficcionistas -
Tristão de Athayde, Álvaro Lins, Otto Maria
Carpeaux, Brito Broca, Antonio Candido, Temístocles
Linhares, Wilson Martins, Alfredo Bosi, Massaud
Moisés e Fábio Lucas só se dedicaram à crítica e ao
ensaio. Se temos exemplos como o de Fausto Cunha,
que escreveu alguma ficção científica, é fácil
notar que o melhor de sua obra é a crítica de
poesia, sobretudo os seus ensaios sobre o
romantismo brasileiro - sua obra de ficcionista é
episódica e praticamente insignificante diante de
sua importância como crítico literário. O caso de
Guilhermino César é parecido, grande historiador
literário, poeta e romancista menor. Os criadores
costumam escrever a respeito das obras com as quais
sentem mais afinidade, geralmente não escrevem
sobre antípodas, sobre seus dessemelhantes. Já os
críticos tem por obrigação de ofício escrever sobre
as mais variadas tendências, embora nem sempre o
façam, mas é um dever profissional que assumem ao
exercer a crítica (Alceu Amoroso Lima, o Tristão de
Athayde, há mais de 50 anos, enumerou os predicados
que devem nortear o crítico literário e ainda hoje
os seus conselhos são válidos). Apesar de movidos
por um gosto pessoal, presos às suas
idiossincrasias, quando verdadeiros os críticos são
plurais, abertos às mais variadas correntes e
abertos sobretudo ao novo. Um grande exemplo de
crítico é Sérgio Milliet, hoje esquecido. Por
acaso, era também poeta, mas não ficou senão por
sua obra crítica, sua importância como poeta é bem
menor. São raros os ficcionistas que são também
bons críticos de ficção, ou os poetas que são bons
críticos de poesia. Você pode lembrar de Drummond
(especialmente o de Passeios na ilha), de Bandeira,
de Augusto Meyer, de Lêdo Ivo, de Mário Faustino,
grandes poetas com um potencial crítico raro. No
geral, é uma exceção. Não acredito nos escritores
que só aceitam crítica de escritores, como você
sugere em sua pergunta. Todo criador é muito
sensível à crítica e sempre espera uma boa recepção
por parte dos críticos do momento. Quem nega esse
fato está tentando enganar a si próprio. Em recente
entrevista à revista Cult, Ignácio de Loyola
Brandão afirma não conhecer nenhum crítico que
tenha mudado a carreira de um escritor. Admiro-o
como ficcionista mas sua afirmação é das mais
absurdas. Para só citar um exemplo, é notório o
caso de Erico Verissimo com a publicação de Saga.
Foi a crítica da época que mudou de rumo a obra do
escritor, ele próprio admitiu isso anos mais tarde.
A teoria literária é importante para o crítico? O
que não pode faltar numa boa resenha?
- O que não pode faltar numa boa crítica é
inteligência. É claro que a teoria é importante.
Tudo que é literatura é importante para o crítico,
para sua formação. Mas não é só com teoria que se
faz um bom crítico. É com leitura, com muita
leitura, é lendo a boa e a má literatura, é se
entregando ao fascínio da literatura e sobretudo
exercitando a crítica através dos anos. E são os
anos de trabalho que contam na formação de um
grande crítico, quando verdadeiramente vocacionado.
Quais eram as suas sensações iniciais no contato
com a leitura?
- As mesmas de hoje: de fascínio.
Quais escritores fazem a cabeça de André Seffrin?
- Muitos. Entre os brasileiros: Machado de Assis,
Olavo Bilac, Carlos Drummond de Andrade, Gilberto
Freyre, Pedro Nava, Mário Quintana, Erico
Verissimo, Joaquim Cardozo, Dalton Trevisan,
Tabajara Ruas e diversos outros que agora não me
ocorrem. Entre os estrangeiros: Dante, Milton,
Tolstoi, Hemingway, Camus, Gide etc etc.
O que deve ter um bom poema, romance para que
agrade o critico que é?
- Como nenhum escritor deve pensar em agradar
quando escreve, não há nada de especial num poema
ou num romance que por ventura deva agradar este ou
aquele crítico. Não acredito em escritores que
escrevem para agradar: só a subliteratura pode
pensar assim.
A crítica migrou para as universidades. Há algum
problema na comunicação escritores e mundo
acadêmico? Há um abismo entre estas duas partes?
- Há. O nosso mundo acadêmico, com honrosas
exceções, tem uma visão míope da literatura
brasileira. A academia costuma se dedicar aos
escritores que elege como seus, são os eleitos, os
escritores da moda. Se a moda é escrever sobre
Guimarães Rosa, sobre Clarice Lispector, sobre João
Cabral, todas as teses giram em torno deles.
Escrevem agora sobre Carlos Heitor Cony ou Lucio
Cardoso, como já foi moda (e ainda é) escrever
sobre Autran Dourado, Dalton Trevisan e Rubem
Fonseca. Talvez por isso a visão que a academia tem
da literatura brasileira é deficiente, não tem uma
visão de conjunto. A academia é uma espécie de
gigolô da literatura. Pouco do que realiza rompe o
circuito acadêmico. São professores que escrevem
para a própria academia, para conquistar a
admiração de seus pares ou apenas para conquistar
um novo posto acadêmico.
Qual o papel do escritor para a sociedade?
- Há os que escrevem com a pretensão de mudar o
mundo, como também aqueles que nem pensam no
assunto, apenas escrevem. A boa literatura sempre
terá o seu papel na vida dos homens.
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