A TÁBUA
Quando menino eu era traquinas, rabugento, respondia a tudo que me dissessem
e não contribuía absolutamente para que nossa casa fosse um paraíso. Muito
pelo contrário!
Meus pais me aconselhavam com paciência infinita e com muito amor sem que
eu, entretanto,
seguisse os seus conselhos.
Um dia papai me chamou para conversarmos.
Eu tinha feito diabruras de toda espécie e pensei
que ele tinha perdido a paciência e ia, ou dar-me uma surra, ou um castigo
e uma repreensão.
Ele, todavia, não me fez nada disso.
Não parecia aborrecido e simplesmente me disse:
- Filho, eu percebo que você não tem idéia do que é a sua conduta.
Mas pensei em algo que
poderá mostrar-lhe isso muito bem.
É uma brincadeira, mas poderá ajudá-lo muito. Venha comigo.
Levou-me à sua improvisada oficina de trabalho. Lá dentro me falou.
- Veja, tenho aqui uma tábua nova, lisa e bonita. Todas as vezes que você
desobedecer ou tiver
uma ação indevida, espetarei um prego nela.
Pobre tábua! Em breve estava crivada de pregos!
Mas, a cada vez que eu ouvia meu pai batendo
o martelo, sentia um aperto por dentro. Não era só a perda daquela tábua
tão bonita, aquilo era,
também, uma humilhação que eu mesmo me infringia.
Até que um dia, quando já havia pouco espaço para outros pregos, eu me
compadeci da tábua e
desejei, de todo o coração, vê-la nova, bonita e polida como era. Fui
correndo fazer a confissão
a meu pai e ele, fingindo ter pensado um pouco, me disse:
- Podemos tentar uma coisa. De cada vez que você se portar bem, em
qualquer situação, eu arranco
um prego. Vamos experimentar.
Os pregos foram desaparecendo até que, ao fim de um certo tempo, não havia
nenhum. Mas não fiquei
contente. É que reparei que a tábua, embora não tivesse pregos, guardava
as marcas deles.
Discuti isso com meu pai, que me respondeu:
- É verdade, meu filho, os pregos desapareceram, porém as marcas nunca
poderão ser apagadas.
Acontece o mesmo com o nosso coração. Cada má ação que praticamos deixa
nele uma feia marca.
E mesmo que deixarmos de cometer a falta, a marca fica lá: é a culpa.
Nunca mais me esqueci daqueles pregos e da tábua lisa e polida, cuja
beleza foi inapelavelmente
destruída.
E passei a tomar muito cuidado para que a sensação da culpa não
marcasse daquela
forma o meu coração.
Essa experiência me fez pensar muito e estou certo de
que uma vida digna
e bem vivida poderá levar um coração, até o fim, a se manter livre de
qualquer prego e das marcas conseqüentes...
Sentimentos