Veja - Edição 1 620 - 20/10/1999
Aida Veiga
Uma pílula
amarronzada, inteiramente feita de "ingredientes naturais"
(e, portanto, livre da dura regulamentação da FDA,
o dragão que controla os remédios nos Estados Unidos),
promete reduzir o apetite, acelerar a queima de calorias e emagrecer
rapidamente. Quem há de resistir?
Não os americanos, que engolem atualmente
uma média de 225 000 pílulas por hora de Metabolife,
a fórmula que um ex-policial californiano sem nenhuma formação
na área química inventou e que vem conquistando
todo mundo que está ou, mais provavelmente, acha
que está acima do peso. "O Metabolife dá
poder às pessoas", exalta seu criador, Michael Ellis.
"Como sentem menos apetite, podem escolher o que comer sem
complexo de culpa e ainda acumulam menos calorias." E quando
tal maravilha chega ao Brasil? "Primeiro vamos, ainda neste
ano, para o México e a Inglaterra", disse Ellis a
VEJA, todo animado com um mercado sabidamente consumidor de novidades.
"Mas no ano que vem com certeza chegamos aí."
Quem ouve pensa que o Metabolife
é inofensivo. Não é. Por conter apenas ingredientes
tirados de plantas, ganhou da FDA a classificação
de suplemento alimentício e livre acesso às prateleiras
das farmácias. Seu principal componente, no entanto, é
o ma-huang, planta chinesa da qual se tira a efedrina, um poderoso
estimulante que, como descobriu Diego Maradona na Copa do Mundo
de 1994, é banido das competições esportivas
e também da maioria dos remédios neste caso,
por causa de seus efeitos colaterais. Na fórmula desenvolvida
por Ellis, a efedrina faz par com outro estimulante, a cafeína
(também extraída de planta), e as duas, juntas,
aceleram o metabolismo e a queima de calorias. Funcionar, teoricamente
funciona. "A efedrina estimula a liberação
da noradrenalina, substância da família da adrenalina
que aumenta o gasto de energia e diminui a fome. A cafeína,
por sua vez, inibe a metabolização da noradrenalina,
potencializando sua ação", explica o endocrinologista
Amélio de Godoy Matos, professor da Pontifícia
Universidade Católica, PUC, do Rio de Janeiro. Mas pode
fazer mal, principalmente ao coração e ao sistema
nervoso, ao aumentar a freqüência cardíaca e
a pressão arterial, além de provocar excitação
e insônia.
Cada um com sua dose A vasta literatura que acompanha o Metabolife não menciona nada disso, para júbilo das multidões infelizes com os números da balança. Fala, vagamente, em um único caso infundado" de processo por danos à saúde, embora a direção da empresa deva tremer na base quando o assunto é mencionado. Na semana retrasada, dois anos depois de ser obrigado a retirar do mercado o ultrabadalado emagrecedor Redux, o laboratório American Home Products acertou um acordo para pôr fim às ações de consumidores que alegaram problemas cardíacos em conseqüência do remédio. Tamanho da conta: 3,75 bilhões de dólares. A situação do Metabolife é diferente. Primeiro porque não existe nenhuma pesquisa consistente que faça relação direta entre sua fórmula e casos concretos de problemas de saúde. Segundo porque é feito de plantas, e sua concentração de efedrina e cafeína é menor por força da natureza: uma horta inteira não faz o efeito de um punhadinho do equivalente de laboratório. Aí é que as gordurinhas sorriem.
No Brasil, a efedrina
ou melhor, sua gêmea química só é
usada em alguns descongestionantes nasais, sob orientação
médica, a uma concentração média de
120 miligramas por comprimido. Uma pílula de Metabolife
tem um décimo disso, argumento usado à exaustão
pelo fabricante para justificar a venda livre. "A dosagem
é tão pequena que questiono até sua eficácia",
diz o endocrinologista Godoy. "O perigo é que
as pessoas tomem muitos comprimidos várias
vezes ao dia." Perigo, aliás, muito real, já
que a bula do Metabolife não estipula uma dosagem ideal
e recomenda que cada um consuma o quanto achar que deve. "A
própria pessoa vai descobrindo a dosagem que lhe é
conveniente", confirma Ellis."Se ela toma três
comprimidos e fica muito elétrica, deve diminuir para dois.
Eu, por exemplo, mantenho o peso com um por dia." Seu coração,
assegura, bate certo como um relógio. Mas suspeita-se
que, no mínimo, se acelere quando contempla o balanço
de sua empresa criada há quatro anos: em 1999 ela deve
faturar 900 milhões de dólares.
Os "naturais" mais vendidos no
Brasil
Garcínia Comprimidos à base de uma planta asiática que o fabricante alega reduzir o apetite
Coscarque Chá
diurético baseado na carqueja, planta comum no Brasil,
onde é usada para
auxiliar a digestão
Chitosano Fórmula americana à base de fibras de crustáceos, como o caranguejo, que dificultam a absorção da gordura pelo organismo
Magra demais não existe
Se há um mercado de público certo e líquido, ou melhor, sólido, é o dos recursos para emagrecer, maná das gordas que querem ficar magras e das magras que sonham em virar palito entre elas Deborah Secco, 19 anos, 48 quilinhos, que diz que não fez, mas fez, uma lipoaspiração para eliminar invisíveis milímetros na cintura. Nos Estados Unidos, discute-se com fúria o (mau) exemplo das estrelas da TV, que de magras ficaram magérrimas. A campeã, disparada, é Calista Flockhart, de Ally McBeal, pele em cima de osso, obrigada a viver desmentindo que esteja doente. Jennifer Aniston, a Rachel de Friends, perdeu 7 quilos combinando corridas com a tal "dieta do tipo sanguíneo" e, provavelmente, uma dose de stress por namorar Brad Pitt. Helen Hunt, a Jamie de Mad About You, viciou-se em ginástica quando foi fazer um filme e os produtores a acharam magra de menos. Outro enxugamento notório é o da atriz Gwyneth Paltrow uma ex-modelo que, mesmo magérrima, em outros tempos preenchia decotes com competência.
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