Cabo
Girão
O Cabo
Girão situa-se na partilha entre as freguesias da Quinta Grande e
Câmara de Lobos, sendo, contudo, na da Quinta Grande onde se
encontra implantado não só o miradouro como a maior parte do pico do
Galo que lhe fica sobranceiro e onde existe uma capela dedicada a
Nossa Senhora de Fátima. Possui 580 metros de altitude e, a partir
dele, desfruta-se uma deslumbrante panorâmica não só de Câmara de
Lobos, como também do Funchal.
A denominação de Cabo Girão, dada
pelo navegador e chefe da expedição que, em 1419, descobriu a Madeira,
João Gonçalves Zarco, a este promontório com 580 metros de altitude,
tem a ver com o facto dele ter servido de ponto de referência como fim
do giro de reconhecimento da costa marítima da Madeira, efectuado no
primeiro dia após a sua descoberta. Com efeito, de acordo com o Livro
Segundo das Saudades da Terra após a sua descoberta [...] lhe deram
o nome de Cabo Girão por ser daquela vez a derradeira parte e Cabo do
giro de seu caminho.
[1]
Interesse e
projectos turísticos
O Cabo Girão é
um dos pontos mais importantes do circuito turístico madeirense,
sendo, por esse facto, um ponto obrigatório de paragem para todos
quantos visitam a ilha da Madeira.
Este facto
viria aliás a despertar, a partir de finais da década de 60, o
interesse de alguns investidores privados, sem que, no entanto fosse
possível, por razões várias, concretizar qualquer projecto. Associado
ao indiscutível interesse turístico do local e que, já na nos anos 30,
havia levado à construção de um miradouro, miradouro esse que viria,
posteriormente a ser alvo de rearranjo, no início dos anos 80, a
Secretaria Regional do Turismo ver-se-ia obrigada a dotá-lo de uma
pequena infra-estrutura de apoio.
Em 1926, a propósito do interesse
turístico do Cabo Girão, um órgão de informação regional
[2] referia
que era enorme o número de estrangeiros que costumam ali observar
aquele panorama deslumbrantíssimo. É um ponto verdadeiramente de
turismo. Para lamentar é que seja de difícil acesso, os pontos mais
elevados da rocha. Acontece porém que a vereda que ali havia tem-se
danificado. Aliás, já em 1913
[3],
a construção de uma estrada de turismo no Cabo Girão era já uma antiga
pretensão camaralobense e, de certa forma, mostrava que os
responsáveis políticos de então, não estavam desatentos ao problema.
Em Outubro de 1925, a imprensa informava mesmo que numa das suas
últimas sessões a Junta Geral do Distrito havia deliberado mandar
estudar a construção de um ramal da estrada nacional 23 ao Cabo Girão
[4].
Na sua sessão de 10 de Abril de 1934, a Junta Geral delibera efectuar
um estudo sobre a possibilidade de construir na extremidade do Cabo
Girão um pequeno miradouro em cimento armado, devendo não só ser
orçamentada a obra, como os melhoramentos necessários na vereda de
acesso de forma a torna-la mais cómoda para peões
[5].
Contudo, apesar dos desejos e
pretensões da Junta Geral, tudo haveria de continuar na mesma e só a
14 de Setembro de 1937, é que foi adjudicada por José Miguel Gomes a
construção do acesso a este promontório, tal como inicialmente
previsto, a partir da então estrada nacional 23, hoje estrada regional
214 e no seu trajecto dentro do concelho de Câmara de Lobos também
denominada por estrada João Gonçalves Zarco.
As obras ter-se-ão iniciado pouco
tempo depois, uma vez que, logo no início do mês de Dezembro de 1937,
as obras de abertura da estrada iam já adiantadas
[6].
Em Agosto de 1938, os trabalhos de calcetamento da referida estrada
já se encontravam quase concluídos
[7],
o que vem a acontecer muito provavelmente no mês de Outubro
[8].
Reclamado havia já vários anos, este melhoramento acabaria assim por
ser concretizado pela Delegação de Turismo da Madeira, que em finais
de Outubro de 1938 procede ao seu embelezamento com arborização
apropriada.
Esta nova
estrada de turismo, projectada pelo Eng. Severino Antunes, tinha uma
extensão de 850 metros e o empedramento obedecia ao então moderno
sistema de pedras regulares.
Em toda a sua
extensão media 6 metros de largura com excepção de um largo, a cerca
de 50 metros do miradouro, que teria 14 metros e se destinaria a
estacionamento e para que os automóveis pudessem voltar. Nesta parte
seriam colocados uns pilares para impedir a passagem de carros.
Posteriormente,
o Cabo Girão ficaria também ligado à igreja da Quinta Grande através
de um arruamento inaugurado a 14 de Setembro de 1991 e, desde 9 de
Julho de 1998, ostentando o nome do padre António Dinis Gonçalves
Henriques.
Quando, em 1937
se iniciaram as obras da estrada de acesso ao Cabo Girão, necessário e
urgente se tornou dotar o local de um miradouro. Por esse facto a
então Delegação de Turismo da Madeira, de acordo com o Diário da
Madeira de 5 de Maio de 1938, solicita à Junta do Distrito colaboração
na elaboração do respectivo projecto.
No dia 1 de
Setembro de 1938, mediante concurso público realizado pela Delegação
de Turismo da Madeira as respectivas
obras são adjudicadas a António Maria Pereira.
Segundo estava projectado, o
miradouro cujos muros de suporte deveriam ter sido engalgados no dia 1
de Outubro de 1938
[9],
teria uma forma de circunferência com 10 metros de diâmetro; no centro
deveria haver um banco em forma circular com um diâmetro de 2,8
metros; a parede em volta no miradouro deveria ter 1,20 metros de
altura e uma espessura de 40 cm parede.
Em finais de Outubro, a Delegação
de Turismo procede à plantação de trepadeiras por estar quase
concluído o miradouro.
No decurso de 1953 importantes
obras são ali novamente realizadas
[10].
Guido Monterey na sua obra Câmara
de Lobos refere que as obras do miradouro na configuração que ele
apresenta actualmente ter-se-ão concluído só a 23 de Setembro de 1953,
tendo os respectivos actos de medição ocorrido a 18 de Agosto e a
vistoria geral a 8 de Outubro do mesmo ano
[11].
Dotado de um miradouro e de bons
acessos, o Cabo Girão, se já antes constituía
um importante ponto de visita, viu a sua procura aumentada e,
consequentemente, a sua área transformada numa potencial mais valia,
em termos de actividade turística, capaz de poder vir a atrair
investimentos neste sector. É assim que, no decurso do mês de Agosto
de 1968 dá entrada na Câmara Municipal de Câmara de Lobos um
anteprojecto da empresa Desbores & Companhia Lda., na altura, com sede
provisória no Caminho de Santo António, em que se previa a construção,
nas Fontainhas do Mar, um lugar do Cabo Girão, de uma unidade
hoteleira, com capacidade para 200 camas, e que estaria dotada de um
elevador de acesso ao mar. Esta infra-estrutura seria implantada numa
área de 50.000 metros quadrados.
Depois de ter
dado entrado na Câmara, este projecto seria remetido a 28 de Agosto de
1968 à Delegação de Turismo da Madeira para apreciação, sendo
devolvido a 20 de Novembro desse mesmo ano, ao que se supõe com
apreciação negativa, uma vez que, a 10 de Janeiro de 1969, dá entrada
outro anteprojecto, em sua substituição. Este anteprojecto seria
remetido pela Câmara Municipal de Câmara de Lobos, a 16 de Janeiro, à
Delegação de Turismo da Madeira para apreciação.
Tendo sido, a
29 de Março de 1969, presente a uma reunião conjunta dos responsáveis
pelos Serviços de Património Turístico e pela Direcção-Geral dos
Serviços de Urbanização, seriam impostos alguns condicionalismos
ficando a aprovação definitiva do projecto dependente da sua
resolução.
De acordo com
este parecer, entre outras considerações era relembrado que o
primeiro projecto não pôde ser aprovado tendo em conta a qualidade
paisagística excepcional de todo o maciço do Cabo Girão, onde a
implantação de elementos construídos deverá subordinar-se a estudos
muito cuidadosos de inserção e diluição de massas construídas em
conjugação com elementos naturais de vegetação, o que ainda não se
verificava na solução novamente proposta.
De qualquer
forma, os serviços continuavam a admitir a implantação de um
empreendimento hoteleiro neste local desde que apresentasse um
excepcional nível arquitectónico e perfeita integração paisagística.
Chama ainda a
atenção, o parecer emitido, para a necessidade de estudar as
condições de estabilidade do terreno, tendo em vista não só a
edificação, mas também a construção do teleférico que se verifica já
aprovado pela Junta dos Portos do Arquipélago da Madeira.
Assim, apesar
de aceite a nova versão da ocupação do local do Cabo Girão, na forma
de unidade hoteleira, o projecto apresentado deveria ser remodelado
com vista à sua melhor adaptação e integração plástica do ambiente
e, para além deste aspecto, a iniciativa -
simples construção de uma unidade hoteleira tradicional com duzentos
quartos e um teleférico que a ponha em contacto com a pequena praia do
Calhau Rolado situado a 600 metros abaixo da crista do Cabo Girão -
não dispensa como a solução que havia sido anteriormente proposta e
rejeitada, de infra-estruturas sem as quais a construção não pode ser
utilizada.
O abastecimento
de água e de electricidade eram outros aspectos que haveriam de
merecer reparos.
Ainda que não
se conheça, tanto este segundo anteprojecto como, o que se terá
passado posteriormente, aquilo que sabemos é que o empreendimento em
causa não haveria de se concretizar.
Em 1972, outro projecto surge,
desta vez liderado por uma empresa de nome Cabo Girão A.G., com sede
na Suíça e representada em Portugal, por um engenheiro de nome H. Falk.
Em ofício datado de 13 de Outubro de 1972, a Câmara Municipal de
Câmara de Lobos é informada de que esta empresa havia adquirido uma
larga zona de terreno no Cabo Girão a fim de aí proceder à instalação
de um grande conjunto turístico. Ainda que só em 1972 esta empresa
tenha oficialmente informado das suas pretensões, a verdade é que o
processo já se arrastaria deste 1971 e chegou, mesmo, a servir de
justificação, para que a então Delegação de Turismo da Madeira, nesse
ano tivesse chegado a dar parecer desfavorável à pretensão do pároco
da Quinta Grande em demolir a antiga capela de Nossa Senhora de
Fátima, existente no Pico do Galo e substitui-la por outra de maiores
dimensões, isto porque esta zona estaria abrangida pelo projecto
turístico em causa
[12].
Com base nesse parecer a Câmara viria a, na sua sessão de 13 de
Outubro de 1971, a indeferir o pedido, no pressuposto de que este
projecto seria brevemente aprovado.
Depois de dar
conta da forma agradável como haviam decorrido alguns contactos nesse
sentido, nomeadamente com a Câmara e de justificar alguns atrasos na
elaboração dos estudos necessários à concretização da primeira fase do
projecto, solicita à Câmara um parecer sobre a viabilidade da
iniciativa, bem como de referências relativas aos contactos que haviam
sido feitos relativamente ao projecto, isto, no sentido de acalmar
alguns dos accionistas da empresa que, a este propósito, mostravam
alguma inquietação.
Em resposta a
Câmara, através de um ofício datado de 20 de Outubro de 1972, refere
estar ansiosa por ver realizado tão grande empreendimento turístico
no seu concelho e mantém a promessa de dar todo o apoio e colaboração.
No tocante à viabilidade do empreendimento não se vislumbra a
existência de qualquer impedimento futuro porquanto se sabe que é
política do Governo acolher com carinho e até apadrinhar iniciativas
de tal envergadura e interesse.
Até 1999, de
todos os projectos previstos para o Cabo Girão, este foi sem dúvida o
de maior dimensão, uma vez que se propunha desenvolver por uma área de
145.000 metros quadrados, desde o Cabo Girão situado a 580 metros de
altitude ao Pico do Galo, situado a 652 metros.
Destinava-se
este empreendimento a constituir um centro de turismo, adaptado não
só às condições locais, mas que pudesse servir ao longo dos anos, as
solicitações da crescente corrente de Turismo Internacional que
demanda a ilha da Madeira.
O
empreendimento desenvolver-se-ia em três fases. Na primeira fase, tida
como a de arranque, seria ocupada uma área de 40.120 metros quadrados,
com capacidade para 407 turistas e dela faria parte um aparthotel,
dotado de 60 apartamentos; um bloco de apartamentos com cinco unidades
e com capacidade para 120 camas; um bloco de apartamentos em terraço
com 32 apartamentos e 96 camas; 11 moradias unifamiliares com 44
camas; três blocos de apartamentos em dúplex com 12 apartamentos e 36
camas; um edifício de apartamentos com 32 apartamentos e 36 camas; um
restaurante com esplanada; um supermercado; um centro comercial em
galerias; duas piscinas para crianças e adultos; um minigolf; dois
locais de jogos infantis; parques de estacionamento.
Na segunda fase
seriam ocupados 36.280 metros quadrados e previa-se a construção de um
aparthotel; duas piscinas (infantil e adultos) e dois campos de ténis.
Na terceira
fase seriam ocupados 69.000 metros quadrados de terreno, espaço esse
reservado para a edificação de apartamentos e moradias unifamiliares,
bem como de um pequeno centro de compras e diversões.
Para poder
concretizar este empreendimento, a empresa Cabo Girão A.G. teve de
adquirir os terrenos a Ann Contance Fairlie, Susan Grale Seldon e a
Dermont Francis Bolger, através de escritura celebrada no notário de
Câmara de Lobos, a 28 de Agosto de 1971.
Contudo,
algumas clausulas previstas na escritura de venda, nomeadamente, a
libertação dos terrenos da posse de alguns caseiros ter-se-ão
arrastado e acabado por se tornarem inviáveis após a revolta militar
de 25 de Abril de 1974, facto que não só viria a inviabilizar o
negócio, e consequentemente a disponibilização dos terrenos
necessários ao empreendimento, como obrigaria os vendedores a pagar
uma pesada indemnização aos compradores associados na empresa Cabo
Girão A.G.
Falhadas que foram as várias
iniciativas privadas, a Secretaria Regional do Turismo, acabaria por,
no início dos anos 80, construir no local uma infra-estrutura de apoio
composta de sanitários, lojas para venda de artigos regionais e bar
[13].
Apesar da sua inauguração ter
ocorrido no dia 30 de Setembro de 1984, só a 21 de Junho de 1985 é que
entrou em funcionamento, mediante contrato de exploração feito com uma
entidade privada. Deste projecto fazia também inicialmente parte a
construção de um restaurante e zona de lazer, obras que, apesar das
promessas, nunca foram, no entanto, levadas a efeito.
Depois deste projecto, outras
iniciativas privadas de interesse turístico, infelizmente não
concretizadas, voltam a estarem previstas para esta localidade. Na
mesma área que deveria ser utilizada pela empresa Cabo Girão A.G.,
volta a ser projectada, em 1990, a construção de uma outra
infra-estrutura denominada de conjunto urbanístico do Cabo Girão
composta de um conjunto habitacional e de um núcleo turístico, núcleo
este do qual fazia parte um aparthotel com capacidade para 100 camas.
Tendo dado entrada na Câmara a 7 de Março de 1990, o projecto viria a
não ser aceite, acabando parte do terreno por ser vendido à empresa
vinícola Madeira Wine para aí construir o seu armazém.
Ainda que em 1994 tivesse sido
elaborado e apresentado na Câmara Municipal de Câmara de Lobos o
respectivo projecto, opções de natureza empresarial motivariam o
abandono da ideia de construção do empreendimento em causa
[14].
Ainda que raramente citado como
ponto de interesse turístico, não poderemos deixar de referir o Pico
do Galo, situado a norte e sobranceiro ao miradouro
do Cabo Girão, na partilha entre as freguesias da Quinta Grande e
Câmara de Lobos, sendo contudo na da Quinta Grande onde se encontra a
sua maior área. No seu cume ergue-se uma capela com a invocação de
Nossa Senhora de Fátima e a partir dele desfruta-se uma deslumbrante
panorâmica não só do concelho de Câmara de Lobos, como também do
Funchal e ainda de algumas freguesias da zona oeste da Madeira.
Aliás a esta
capacidade panorâmica não estará alheio o facto de ser este um lugar
escolhido para instalação de diversos retransmissores de
telecomunicações.
O acesso
automóvel a este local faz-se pelo Cabo Girão através de um arruamento
aberto em 1969 pela RTP, numa faixa de terreno cedida pela paróquia da
Quinta Grande, por forma a permitir o acesso a uma sua antena ali
existente, servindo também simultaneamente o santuário.
Ainda em terra
batida, previa-se que, em 1999 esta estrada seria alvo de pavimentação
encontrando-se a obra incorporada num projecto mais amplo e que
envolverá não só este troço de estrada mas também a pavimentação de
outro, aberto há alguns anos, e que desde as proximidades do miradouro
do Cabo Girão vai ter ao sítio do Facho, já na freguesia de Câmara de
Lobos e cuja adjudicação teve lugar a 18 de Setembro de 1997.
Possui, ainda
este pico um outro acesso exclusivamente pedestre construído em 1931,
a quando da construção da primitiva ermida de Nossa Senhora de Fátima.
A capela de
Nossa Senhora de Fátima
A primitiva
capela em honra de Nossa Senhora de Fátima, situada no cume do Pico do
Galo, foi mandada construir em 1931, pelo padre Agostinho Abreu
Vieira, natural de Câmara de Lobos e, na altura, missionário em Cabo
Verde.
Estando de licença em Portugal,
visita em Abril de 1931 a Cova da Iria, em Fátima e perante a Virgem
Maria, promete erigir-lhe no Cabo Girão, uma ermida com sua invocação,
caso a revolta
[15] que
então se estava a verificar na Madeira, terminasse sem grandes
estragos materiais ou morticínios. Alcançada a graça, logo iniciou os
passos necessários à sua construção, a 5 de Agosto de 1931 eram
lançados os alicerces, para a 5 de Outubro ficar concluída.
Com 5 metros de
comprimento e três de largura, o seu custo rondou os dez mil escudos,
suportados unicamente por ele, que também dirigiu a obra e nela
trabalhou como qualquer operário. O seu recheio, nomeadamente alfaias
e a imagem de Nossa Senhora de Fátima, foi contudo oferecido por
crentes. À medida que os meses foram passando não só o recheio da
capela se foi enriquecendo, como os seus arredores foram alvo de
alguns arranjos. Assim, em Fevereiro de 1933 já se encontravam
calcetadas as escadarias de acesso à ermida, bem como o adro, obras
que desde a bênção do templo vinham a fazer falta, como de resto
também acontecia com a construção de um fontanário, que saciasse a
sede aos inúmeros peregrinos que todos os meses ali se dirigiam,
situação que só vem a ficar resolvida em Agosto desse ano.
A sua sagração,
ocorreu no dia 11 de Outubro de 1931, num acto presidido pelo Prelado
Diocesano D. António Manuel Pereira Ribeiro e a que terão assistido
cerca de quatro mil pessoas, número que viria a ser suplantado nos
dois dias seguintes. Depois de benzida, a capela passou a constituir
um centro de importantes peregrinações não só por parte das populações
limítrofes, mas também de outros pontos da ilha da Madeira que ali se
deslocavam em excursões. Mensalmente, nos dias 12 e 13 passaram a
realizarem-se diversos actos de culto, que mobilizavam sempre milhares
de peregrinos e chegou mesmo a ser publicado, em 1933, um folheto
denominado Fátima Madeirense, o que reflecte o desejo do seu promotor
em fazer daquele local um centro de culto similar ao da Cova da Iria.
A vontade da
transformação deste local num importante centro de culto com pretensão
de rivalizar com a Fátima da Cova da Iria também está patente num
projecto, que chegou a existir para o local, que poderemos considerar
megalómano, de uma igreja em honra de Nossa Senhora de Fátima.
Segundo o padre Agostinho Vieira
perante a crescente devoção do povo, ao ver que a ermida minúscula e o
vasto adro demasiado pequeno para conter a grande massa dos crentes,
se deliberou alargar o ambiente do actual local, construindo-se ali um
magnífico e amplo santuário. [...] Toda a montanha em que está
construída a capelinha se presta maravilhosamente para um santuário em
honra de Maria. No cume ficaria o templo vasto com uma larga esplanada
a servir de adro com uma larga extensão dando dum lado sobre o
panorama da costa oeste da ilha até à Ponta do Sol, e do outro lado
sobre a baía do Funchal até ao Garajau. E na encosta convenientemente
arborizada construir-se-ia às voltas, em suave declive uma estrada,
com as estações da Via-Sacra como em Fátima e em Lourdes
[16].
Em 1933 o prelado diocesano,
apoiante ao que parece incondicional desta iniciativa, chegou mesmo a
dar licença para a construção, no local, de uma igreja em louvor de
Nossa Senhora de Fátima e a exprimir o desejo na criação de uma nova
freguesia que passaria a denominar-se de freguesia de Nossa Senhora de
Fátima, situação reveladora da importância que esta devoção alcançou
na Madeira
[17].
Relativamente à igreja projectada
em 1933 para o local, seria autor do projecto Edmundo Tavares,
arquitecto e professor da então Escola Industrial do Funchal. O
templo, na altura considerando em estilo moderno, teria 60 metros de
comprimento, uma largura de 30 metros e seria ladeado de alpendres
para abrigo dos peregrinos, em dias invernosos. Para além do altar
mor, teria seis altares laterais, que seriam dedicados a santos
portugueses
[18].
O fim de um
projecto
A onda de peregrinações que se
gerou em seu redor, associada à devoção a Nossa Senhora de Fátima,
cedo originou por parte dos opositores à igreja católica alguma
contestação, até porque também cedo se terão registado indícios de se
procurar associar a este santuário dons milagreiros. Disso aliás, dá
conta, em 1932, o jornal O Povo, num artigo intitulado A
ermida da Cruz de Fátima, no Cabo Girão, é um posto médico - A doutora
é Nossa Senhora, o enfermeiro é o padre Agostinho Vieira
[19].
Ainda que na altura este órgão de informação tivesse uma linha
editorial onde era patente uma forte hostilidade à igreja, é
admissível que se tenham registado situações menos claras.
Por outro lado, também no próprio
seio da igreja, ter-se-á verificado um certo mal-estar, nomeadamente
por parte dos responsáveis pelas paróquias vizinhas, que para além de
se sentirem à margem de toda esta iniciativa, eram ainda confrontados
com a debandada mensal dos fieis desde as suas paróquias para o novo
santuário.
Ainda que desde
a sua bênção e na ausência do seu fundador, tivesse ficado a capela
sob a protecção e responsabilidade do prelado diocesano que, em 1932,
chama mesmo a si a sua direcção espiritual, para transformá-la num
santuário diocesano, a verdade é que problemas de alguma gravidade
cedo a assombraram e estiveram na origem do seu encerramento
prematuro.
Com efeito, em
1934, mais precisamente no decurso do mês de Março, surge a notícia de
que a ermida de Fátima, havia sido encerrada ao culto pela autoridade
diocesana.
Era o fim de um
projecto ambicioso e nem os abaixo-assinados, entretanto efectuados,
para a sua reabertura foram suficientes para demover o então
responsável pela diocese na sua posição, o que deixa antever a
existência de problemas insolúveis ou demasiado delicados.
Em finais dos
anos 50, depois de cerca de vinte de anos sem culto, a capela de Nossa
Senhora de Fátima volta a abrir a suas portas, desta vez já sob a
jurisdição da paróquia de São Sebastião de Câmara de Lobos, situação
que terá assim permanecido até 31 de Dezembro de 1960. Depois desta
data, devido à criação de novas paróquias no concelho de Câmara de
Lobos, a capela passa a ficar dependente da Quinta Grande.
O novo
templo
Todavia, tal
como a quando da sua erecção, a capela continuava sem condições para
albergar os inúmeros fieis que a ela acorriam e a necessidade da sua
ampliação volta a se impor. É assim que, a 15 de Novembro de 1970, a
Comissão Fabriqueira da paróquia da Quinta Grande dá parecer favorável
sobre a reconstrução da capela, o que faz com que logo se tivessem
iniciado os passos necessários.
Em requerimento
datado de 13 de Abril de 1971, o padre Manuel de Nóbrega, na qualidade
de representante da Fábrica da Igreja da Quinta Grande solicita à
Câmara Municipal de Câmara de Lobos a necessária autorização para
demolição e reconstrução da antiga capela, por forma a dotá-la de
maior capacidade, apresentando na mesma altura o respectivo projecto.
No dia seguinte, a Câmara em sessão, delibera remeter o projecto à
Junta Geral para apreciação, entidade que, depois de consultada a sua
Direcção de Obras Públicas, dá parecer favorável. Perante este parecer
a Câmara Municipal delibera na sua reunião de 9 de Junho de 1971
enviar o projecto à Direcção - Geral de Urbanização e solicitar à
Delegação de Turismo da Madeira, informações sobre se a pretensão da
reconstrução da capela de Nossa Senhora de Fátima poderia ou não
afectar qualquer plano turístico já previsto para o local, isto
naturalmente numa alusão ao projecto da empresa Cabo Girão A. G., ao
mesmo tempo que delibera solicitar ao requerente alguns documentos,
necessários ao processo, entre os quais o parecer da Comissão de Arte
Sacra da Diocese.
As respostas às
solicitações da Câmara não se fazem esperar. Em ofício datado de 28 de
Junho de 1971, a Comissão Diocesana de Arte Sacra do Funchal informa
que o anteprojecto da capela havia sido por si apreciado e aprovado em
reunião de 5 de Abril de 1971. A Delegação de Turismo da Madeira
emite, a 15 de Julho de 1971, uma opinião discordante relativamente às
pretensões da Fábrica da Igreja da Quinta Grande, alegando que próximo
da capela iria ser montado um posto de TV, que seria aprovado em
breve, um projecto para um grande complexo turístico para aquela zona,
além de que a densidade populacional da zona não justificaria a
construção de uma nova capela, mas apenas obras de beneficiação na
capela existente.
Talvez, em consequência desta
informação, a 31 de Julho de 1971, o padre Manuel de Nóbrega, envia um
ofício à Câmara
[20],
onde, sob o pretexto de melhor facilitar o estudo e o despacho
definitivo do anteprojecto da capela, começa por fazer um breve
historial da capela existente, nomeadamente referindo que fora
construída em consequência de um voto emitido a quando da revolução da
Madeira, que era tradicionalmente lugar de peregrinação de muitas
partes da ilha e que para ali já havia sido feito, há anos, um estudo
para a construção de uma capela com melhores condições litúrgicas e
funcionais, mas que não havia tido aprovação eclesiástica em virtude
de ter sido demasiado triunfalista, acaba o ofício por alertar para o
descontentamento que, a sua não aprovação desencadeará junta da
população e, mostrar que em termos turísticos, o lugar nada ficaria a
perder, uma vez que, como logradouro público, pertencente à capela
nunca se iria impedir quem quer que fosse de gozar da panorâmica
privilegiada, ao contrário do que aconteceria se o lugar se tornasse
particular.
Chama ainda à
atenção, o padre Manuel de Nóbrega, neste ofício, para o exemplo de
outros empreendimentos turísticos, nomeadamente da Matur e da
Contrata, onde havia sido delimitado um espaço no seu plano turístico,
para culto público da religião. Para além disso vinca ainda o facto
desta capela ter sido o primeiro padrão com esta invocação, levantado
na Madeira, depois de aprovadas pela Autoridade Eclesiástica, as
chamadas aparições de Fátima.
Esta adenda
enviada pelo padre Manuel de Nóbrega à Câmara, não seria, no entanto,
suficientemente forte para destronar o parecer emitido pela Delegação
de Turismo da Madeira e, nem os compromissos provavelmente assumidos
ainda que verbalmente pela Câmara junto da empresa Cabo Girão A.G. e,
a 13 de Outubro de 1971, a Câmara, com base no parecer da Delegação de
Turismo da Madeira indefere o requerimento e a pretensão da paróquia
da Quinta Grande em demolir e reconstruir a velha capela.
Este facto
viria a dar lugar a um recurso contencioso que oporia a Fábrica da
Igreja da Quinta Grande à Câmara Municipal de Câmara de Lobos. Nesse
sentido, por deliberação de 2 de Fevereiro de 1972, a Câmara nomeia o
seu advogado e a 23 de Fevereiro delibera contestar a acção movida em
tribunal pela Fábrica da Igreja da Quinta Grande. A 11 de Maio de
1972, a Auditoria Administrativa de Lisboa decide em favor da Fábrica
da Igreja da Quinta Grande, anulando a deliberação camarária de 13 de
Outubro de 1971. Perante esta decisão a Câmara viria a interpor
recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, o que vem a ser
aceite. Contudo, a Câmara é aconselhada, pelo advogado encarregado de
subscrever as alegações de recurso a deixar o recurso, deserto, visto
não só de se tratar de uma causa perdida, como ao facto da Câmara
correr o risco de vir a ser condenada como litigiante de má fé,
situação que não só seria bastante desagradável para a Câmara, como
para o advogado que subscrevesse as alegações de recurso, no Supremo.
Perante este dado, a Câmara, delibera na sua reunião de 14 de Junho de
1972 deixar o recurso deserto, abrindo desta forma caminho para que a
construção da nova capela de Nossa Senhora de Fátima, fosse possível.
Em finais de
1974, a construção de uma nova capela é finalmente iniciada.
Apesar de
fisicamente humilde, a panorâmica que se pode desfrutar a partir do
seu adro é arrebatadora e por esse facto deveria obrigar os
responsáveis pela imagem turística madeirense a um contacto com a
Igreja, por forma a que sem prejuízo dos interesses eclesiásticos,
pudesse este local figurar nos roteiros turísticos regionais.
Para além do seu valor turístico, o
Cabo Girão tem o seu nome associado à extracção de cantaria mole, o
que se faz desde os primórdios do povoamento da Madeira, numa área que
engloba a base de quase toda a sua escarpa. A utilização da cantaria
do Cabo Girão no frontispício da Sé catedral do Funchal é uma das suas
referências históricas mais importantes. Contudo, outros a cantaria do
Cabo Girão encontra-se presente noutros importantes imóveis históricos
nomeadamente no convento de Santa Clara, no forte de São Tiago, o
edifício da Câmara Municipal do Funchal, no museu da Quinta das
Cruzes, no museu Frederico de Freitas, no Arquivo Regional, no museu
de Arte Sacra, no palácio de São Lourenço, no palácio dos Cônsules, no
palácio dos Ornelas, na capela do parque de Santa Catarina, na capela
da Boa Viagem e na Torre do Capitão
[21].
Para além da sua utilização na construção civil, o fabrico de fornos
de cozer pão, utensílio antes indispensável em qualquer habitação, o
fabrico de filtros, pias, etc. eram outras das aplicações da cantaria
do Cabo Girão, que ainda hoje continua a ser extraída.
A 4 de Março de 1930, foram estas
pedreiras responsabilizadas pela ocorrência de uma enorme quebrada que
caindo sobre o mar, provocou uma grande movimentação das suas águas,
movimentação essa desencadeadora de uma gigantesca onda que invadindo
a praia do Vigário em Câmara de Lobos, ceifou a vida quase duas
dezenas de pessoas.
Dias antes do acidente,
apercebendo-se da eminência desta tragédia, cerca de 40 operários que
lá trabalhavam tinham entretanto abandonado o local
[22].
De acordo com o Diário de Notícias de 1 de Fevereiro de
1953, o Ministério das Obras Públicas havia concedido à Delegação
de Turismo da Madeira uma comparticipação de 17.600$00 para os
melhoramentos no miradouro do Cabo Girão.
Cabo Girão, que futuro! - Apesar de todos os desaires
ocorridos e que nem pouparam o actual apoio turístico construído
em 1984 pela Secretaria de Turismo da Madeira e hoje encerrado, o
Cabo Girão continua a ser uma das mais importantes referências
turísticas madeirenses. Por esse facto deveria merecer outro
tratamento e estando ele dentro do concelho de Câmara de Lobos,
caberá à Câmara Municipal de Câmara de Lobos uma maior intervenção
no delineamento do seu futuro. Isto naturalmente não isenta de
responsabilidades nesta tarefa quem na Madeira assegura a imagem
do seu produto turístico. É chegada a altura de dizer de uma vez
por todas e antes que seja tarde: Afinal o que é que se pretende
do Cabo Girão? Não esqueçamos que a pavimentação do troço Cabo
Girão-Facho poderá desencadear um fluxo de construções no local
que se não forem disciplinadas poderão comprometer definitivamente
este ex-libris camaralobense!
VIEIRA, Pe. Agostinho. Fátima Madeirense. Tip. Escola de
Artes e Ofícios, Funchal, 1933.
GOMES, Celso; SILVA, João. Pedra Natural do Arquipélago da
Madeira. Câmara de Lobos, 1997.
ROSA, J Fernandes; FERNANDES J Pulquério. A Vaga da Morte.
Tip. Diário da Madeira, Funchal, 1930.
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