Ilhéu de
Câmara de Lobos
1 - A radiografia de um problema social
O
Ilhéu de Câmara de Lobos, ou simplesmente Ilhéu, como é mais
conhecido, situa-se na cidade de Câmara de Lobos. É um rochedo
sobranceiro ao mar, apresentando-se no seu aspecto global como uma
pequena ilha, ainda que só a sul e sudeste seja ladeada pelo mar. É o
local onde tradicionalmente vive a classe piscatória camaralobense.

A denominação de Ilhéu dada ao
rochedo sobranceiro ao mar, existente na baía de Câmara de Lobos,
deriva, segundo alguns autores, do facto de, primitivamente, estar
isolado relativamente à terra e totalmente rodeado pelo oceano.
Posteriormente, em consequência do deslizamento de terrenos
provenientes da encosta da ilha, ter-se-ia então estabelecido a
ligação hoje existente
[1].
Também segundo alguns autores, este
local teria constituído a primeira residência de João Gonçalves Zarco.
A corroborar esta opinião apontam, por um lado, o facto do navegador
assinar como João Gonçalves de Câmara de Lobos e não do Funchal ou de
outro sítio, o que é indicador de que residiria, em Câmara de Lobos e
depois o facto da opção pelo Ilhéu lhe dar maior segurança contra
eventuais ataques de animais selvagens
[2].
A propósito
desta morada de Zarco e pese o facto dela ser contestada por outros
autores, é curioso que na história da toponímica camaralobense
encontramos a denominação de Vila Zargo. Com efeito, por
deliberação camarária de 28 de Agosto de 1890 é dado ao antigo
Bairo Alto a denominação de Vila Zargo. Infelizmente hoje
não se sabe onde se situava esta Vila, uma vez que nenhuma destas
denominações chegou aos nossos dias, nem na deliberação em causa se
encontram justificadas as motivações que levaram a esta alteração
toponímica e por isso também a dificuldade em relacioná-la ou não com
a opinião daqueles que apontam o ilhéu como primeira morada de Zarco.
O forte de
São Sebastião
Em tempos esteve instalado no Ilhéu
um forte, denominado de forte do Ilhéu ou de São Sebastião. Segundo
Rui Carita, em 1724 este forte possuía três peças de artilharia de
ferro montadas, de calibre de duas libras até quatro e um pedreiro de
ferro com seu cavalete (lançava então balas de pedra). Contudo,
nos inícios do século XIX encontrava-se votado ao abandono. Em 1916,
um orgão de informação regional para além de confirmar a sua
existência, dizia que ela se encontrava
esburacada e carcomida pelo
tempo
[3].
Este prédio militar que possuía o número 39 é, contudo, a partir de
1937, alvo de negociações com vista à sua cedência, por parte do
Ministério das Finanças, à Câmara Municipal de Câmara de Lobos, por
serem os terrenos necessários para a construção do bairro dos
pescadores no Ilhéu. Depois de diversos contactos, na sessão camarária
de 4 de Julho de 1940 é presente um ofício da Secção de Finanças do
Concelho de Câmara de Lobos informando que superiormente havia sido
fixado em três mil escudos a compensação a pagar pela Câmara Municipal
de Câmara de Lobos pela sua cedência a título precário, tendo-se
realizado o respectivo auto de cessão, muito provavelmente, a 12 de
Abril de 1941.
O farolim do
Ilhéu
Ao que tudo leva a crer, o primeiro
farolim de Câmara de Lobos
[4] ter-se-á
localizado no Ilhéu, donde a sua denominação de farolim do Ilhéu, e
foi uma oferta de Ricardo Henriques de Freitas, tendo início os
trabalhos conducentes à sua colocação no decurso do mês de Outubro de
1929
[5],
tendo-se em finais do mês seguinte realizado experiências
relativamente ao posicionamento da luz
[6],
[7].
Todavia, em Julho de 1931, o tenente António Mendes Barata ao
inspeccioná-lo, encontrou-o em estado deplorável, pelo que o
encarregado terá sido demitido e o farolim desmontado
[8].
Em 1937 proceder-se-ia à instalação
de um novo farolim, mas desta vez, junto ao cais de Câmara de Lobos
[9].
Radiografia
de um problema social
Ainda que hoje
não seja possível fazer paralelismo com as situações que se
verificavam no século XIX e na primeira metade do século XX, não
podemos deixar de, nesta abordagem sobre o Ilhéu de Câmara de Lobos,
mergulhar um pouco na forma como viviam os seus habitantes.
Com efeito, o
conhecimento da forma e regras que pautavam a sua existência
permite-nos não só compreender alguns dos problemas que afligem, ainda
hoje, a população piscatória ou dela oriunda, como também termos uma
ideia de alguns aspectos de uma cultura, que apesar de se assemelhar
com a de outras comunidades piscatórias, tem todavia características
próprias.
Em 1865 o geólogo e explorador
Moritz Alphons Stübel publicou na revista alemã Globus um artigo
intitulado "Cabo Girão e Câmara de Lobos na Madeira", onde a
propósito no Ilhéu diz que a parte mais indigente da população ou
vive em cabanas pobres num pequeno planalto, próximo ao mar, ou
preferiu até cavar apenas cavernas no tufo mole a fim de as habitar. A
impressão que se leva dali é triste. Crianças nuas, mulheres
mandrionas agachadas, porcos, cães e galinhas, que procurando
custosamente comida, são incomodadas frequentemente por frequentes
pedradas. Sobre Câmara de Lobos diz que as ruas são estreitas e
sujas e as crianças pobremente ou não vestidas de todo cercam o
forasteiro pedindo dinheiro
[10].
Em 1904, o Heraldo da Madeira
[11] num
artigo que publica sobre Câmara de Lobos, diz a propósito do Ilhéu que
os pescadores viviam em paupérrimas habitações, algumas delas
ensossas, onde tudo cheira a ranço e peixe e garotinhos de tez
tisnada, em pelote ou semi-nus preparam à frecha do sol o engodo
nauseabundo com que o pai há-de iscar a rede ou o anzol. É de
facto curioso: respeitado foi este ilhéu pela epidemia de cólera
morbos (de 1856) cujos micróbios se não atreveram em entrar em luta
aberta com tamanha imundice. Com efeito, apesar de ser
significativo o número de vítimas mortais registado, na freguesia de
Câmara de Lobos, ao que parece, nenhum caso se verificou no Ilhéu.
Pior sorte tiveram contudo os seus
habitantes na epidemia colérica de 1910, pois casas houve em que
morreram todos os seus ocupantes
[12].
Em 1932, o jornal O Povo
sobre uma visita ao Ilhéu refere: O espectáculo arrepia. Imundice e
miséria: Vive-se ali na promiscuidade do porco e da galinha [...].
O interior dos casebres apavora. Nunca são lavados nem varridos. As
galinhas fazem parte da família, ali vivem e ali medram, e por vezes
rondando sorrateiras em volta dos berços, vão depenicar na cabeça da
criança adormecida, os parasitas e o casco das pústulas
[13].
Em 1933, na sua
edição de 11 de Outubro, a propósito de uma visita efectuada ao ilhéu
refere que por toda a parte existe pobreza, mas ali, a miséria
assume aspectos trágicos [...]. Algumas das habitações seriam
incapazes de servirem para pocilgas e têm três, quatro ou cinco
inquilinos [...].
As ruas são
estreitas e vêem-se ocupadas por dezenas de mulheres que bordam sem
cessar, na ânsia de ganharem mais alguns centavos, com que mantêm,
hipoteticamente a fome da família. Olhamos para as casas desta gente.
Todas denunciam privações, sofrimento, tuberculose. Há crianças com
cabeças disformes e olhar dos loucos. Outras têm crânio pustulento,
olhos vermelhos, os cantos da boca com chagas e os joelhos com
monstruosos nós no meio das pernas delgadas de esqueletos
[14].
Em 1920, num artigo publicado no
Diário de Notícias
[15],
o Dr. Eduardo Antonino Pestana, profundo conhecedor dos hábitos da
população, ou não fosse ele camaralobense, referia a propósito do
Ilhéu que a sua população
é maior do que a de qualquer das muitas freguesias desta ilha. Ali
grassa a prostituição aterradouramente: é sabido que há muitas mães
que vendem a honra de suas filhas, crianças ainda por uma garrafa de
aguardente [...]. A promiscuidade chega ao ponto de, num mesmo quarto,
sem a mais ligeira separação dormirem dois e três casais.
São antros
infectos onde nunca entrou o ar, nem água, nem luz, nem a religião,
nem a inteligência compadecida de quem queira bem fazer. Afora dos
seus moradores só entram lá dentro, nas madrugadas frias, os viciosos
da vida que vão ocupar o lugar dos miseráveis pescadores que, a essa
hora de infortúnio máximo, vão jogar a sua vida ao acaso das marés, no
encalço dum ganho precário que eles mesmos diluem no líquido venenoso
que os embebeda, durante dois ou três dias seguidos
[...].
[...] De
quando em quando há um ou outro que se lembra de morrer e legar aos
pobres desta miserável freguesia umas centenas de escudos ou mesmo
alguns milhares. Subtraindo o que a poeira da estrada some e nunca
mais ninguém vê, aquela gente vai receber o seu quinhão; uns mais,
outros menos, no meio de uma algazarra e uma briga degradantes que só
encontram smile nessa cena tão poética e bem mais simpática de quando
[...] jogamos uma mão cheia de grão às pombas do nosso pombal.
O dinheiro
distribui-se. E a miséria cavou mais um degrau: as vendas despejaram
mais um stock de aguardente; mas a honra, a fome e a nudez continuam
de todo desprotegidas!
Outros mais
prevenidos, especificam os seus legados em coisas úteis: em comer e em
roupamentos.
O quinhão é
recebido com a mesma sofreguidão: mas a honra, a fome e a nudez
continuam a ser desprotegidas pela mesma ausência de bem e de socorro.
Os comestíveis foram devorados
desordenadamente e as roupas foram trocadas, a um câmbio de usura
pelo mesmo veneno liquido que vem desvirilizando as gerações desta
ilha, pagando um tributo assustador aos asilos e aos manicómios
[...].
O
diagnóstico do problema
Apesar de
largamente conhecida pelas entidades governativas e da sua denuncia
pública, quer na imprensa regional, quer mesmo na imprensa
estrangeira, o combate à pobreza foi ao longo dos tempos
sistematicamente adiada. Em vez de medidas de fundo, fomentou-se
durante anos e anos o culto pela caridade, culto esse que obteve
resposta favorável, tanto por parte da sociedade de então, que, de vez
em quando, organizava uns bazares de caridade, etc., como por parte da
população carente. Com efeito, se já havia uma certa propensão
cultural, própria, ao que parece, de algumas comunidades de pescadores
para aceitarem esse culto, muito provavelmente enraizada à custa não
só dos fracos proventos do seu trabalho, mas também dos frequentes
naufrágios e desgraças, estas iniciativas de solidariedade, pela sua
frequência, acabariam por se tornar parte integrante da sua vida e
viriam criar condições favoráveis à eclosão de atitudes de dependência
caritativa, não só quando assolados por situações adversas como no seu
dia a dia. Para além de outros aspectos, assim se compreende a atitude
da pedincha que é característica desta população, e que não se
verifica em mais nenhuma outra zona da Madeira, apesar de existirem
bolsas de pobreza talvez mais graves noutros locais.
A propósito da mendicidade, o Padre
João Joaquim de Carvalho em 1933
[16] alertava
para os seus perigos morais. Dizia ele que embora houvesse gente que
dava esmola com espírito de caridade, outros havia que o faziam com
intuitos miseráveis. Tal como em 1933 esse perigo de aliciamento
sexual de menores, continua hoje a encontrar um terreno favorável
junto das crianças que pedem, seja com caixinhas ou com postais.
Voltando um
pouco atrás ao artigo já citado de Eduardo Antonino Pestana e
publicado em 1920, importante será dizer que ele foi escrito numa
ocasião particularmente difícil para a população piscatória
camaralobense, uma vez que na sequência de um temporal, mais um
naufrágio de pescadores havia ocorrido e, como de costume se iniciara
uma campanha de angariação de donativos para as suas vítimas. Contudo,
mesmo correndo o risco de ser mal entendido, não deixou, numa análise
profunda da situação, de exprimir a sua opinião relativamente à forma
como, de uma vez por todas deveria ser resolvido o problema da miséria
em Câmara de Lobos.
A propósito da
subscrição que se estava a fazer e que, ao que parece, estava a
encontrar grande eco junto da população citadina, Eduardo Antonino
Pestana neste seu artigo escreve: É visível
que as vítimas do temporal se concentram naquela desgraçada povoação
marítima, hoje enlutada pelo desaparecimento de algumas dezenas dos
seus mais destemidos marinheiros.
Porque não
se aproveitará a felicidade, o êxito da subscrição para fazer-se em
sua memória, como perpetuação do nome querido dos mortos, uma obra de
caridade, grande e perdurável: um asilo-escola ou uma escola-oficina
[...].
Só uma
campanha de saneamento moral e cívico pode iniciar com êxito a
transformação do estado de selvagismo e barbari em que se encontra e
vive parte da população camaralobense.
[...] Nas condições presentes, essa campanha de saneamento teria a
mais inteligente concretização na criação de uma escola-oficina
ou de uma escola asilo, destinadas: a primeira a tornar capazes para a
vida e úteis para a sociedade uma multidão masculina que cresce e se
desenvolve no meio hipervicioso em que nasceu; a segunda, a vales às
crianças vítimas das numerosos camadas do alcoolismo da sua numerosa
ascendência, que são uma percentagem de 70% no total da população
infantil [...].
A célula
seminal duma regeneração social é a salvação da infância: é a árdua
obra da educação das inteligências, dos corações e dos braços
[...].
A escola só,
onde a par das 25 letras do alfabeto, se ensinasse a obedecer e a
trabalhar, a reconhecer todos os princípios da hierarquia social e a
contrair hábitos de sacrifício e de esforço, só essa escola poderá ser
a primeira base de uma reedificação social.
Tudo o mais
é edificar sobre a areia, é construir sem ter encontrado os alicerces.
Antonino
Pestana, consciente de que a suas ideias não iriam ser partilhadas por
quem estava dirigindo a aplicação da subscrição, ainda lança para o
ar, sem sucesso, a hipótese dos donativos dados poderem ser utilizados
na construção de um pequeno bairro embrionário, onde os familiares das
vítimas tivessem um cubículo certo onde pudessem passar os restantes
dias da sua desconsolação e amargura, apesar de considerar que,
comparado com a necessidade da educação, a construção desse bairro
fosse secundária.
O diagnóstico e
a proposta terapêutica do problema social do ilhéu de Câmara de Lobos
estava, em termos gerais, feita. Era preciso construir um novo
edifício cultural, uma nova mentalidade.
Contudo só
depois de cerca de 46 anos, em 1966/67 é que se tomam, nesse sentido,
medidas com alguma profundidade, não só através do Programa de
Promoção Social Comunitária, infelizmente interrompido logo no início
da década de 70, como também de um abortado projecto, onde se
procurava simultaneamente implementar o turismo no Ilhéu e Espírito
Santo e Calçada Sul e promover a resolução de toda a problemática
social.
Em 1990 surge
um novo programa de luta contra a pobreza, denominado de "A Caminho do
Futuro", mas que apesar da boa vontade e dos montantes financeiros
envolvidos, se revelou insuficiente para resolver toda a complexa
problemática, que envolve a população piscatória de Câmara de Lobos.
2 - As iniciativas no combate aos problemas sociais
Ainda que as
iniciativas de carácter caritativo ajudassem a minimizar algumas das
carências do Ilhéu, não resolviam o problema. Como já o Dr. Eduardo
Antonino Pestana havia dado a entender em 1920, a resolução do
problema sócio-económico do ilhéu passava por transformações profundas
ao nível da estrutura cultural da sua população. Todavia só em finais
de Outubro de 1966 é que, nesse sentido, são implementadas, pela
primeira vez, algumas medidas através do Programa de Promoção Social
Comunitária e que haveria de levar à criação provavelmente, em Janeiro
de 1967, do Jardim de Infância do Ilhéu.
Sendo outrora
graves os problemas sociais no seio da classe piscatória de Câmara de
Lobos, é natural que no Ilhéu, esses problemas mais se fizessem
sentir, dado ser este o local onde se concentrava a maioria da sua
comunidade, pelo menos até à construção, na década de 80 dos chamados
bairros do Espírito Santo e da Torre ou Palmeira e, para onde muitos
dos seus habitantes foram transferidos.
Uma vez que,
por regra, ninguém é insensível à miséria, é de admitir que para a
minimizar, várias terão sido, ao longo dos tempos, as ocasiões em que
se terão desenvolvido, ou pelo menos tentado desenvolver uma ou outra
iniciativa, iniciativas essas que podemos agrupar em quatro grandes
níveis: 1) puramente caritativas, onde se integram os bazares de
caridade e as sopas ou cozinhas económicas. 2) visando única ou
predominantemente a resolução do problema habitacional, onde se
integra a construção do bairro piscatório do Ilhéu. 3) iniciativas
destinadas sobretudo a resolução do problema social, onde se integram
o programa de promoção social comunitária de 1966 e o programa de
combate à pobreza de 1990. 4) Iniciativas visando simultaneamente a
resolução do problema social e o aproveitamento turístico do Ilhéu e
onde se integra não só um projecto do Arq. António Teixeira Guerra,
elaborado em 1965 e, de certa forma também o projecto de recuperação
urbanística do Ilhéu que vem sendo concretizado desde 1982, como ainda
também outro datado de 1916 que até previa a construção de um hotel no
local.
De salientar,
são também outras intervenções que, apesar de pontuais e de não se
situarem no Ilhéu, se revelaram importantes no apoio a esta população
como foram: a Casa dos Pescadores do Funchal que, apesar de em 1940,
já possuir um posto médico a funcionar em Câmara de Lobos, vê a 13 de
Abril de 1941, as instalações da sua delegação local serem benzidas.
Mais tarde, estas instalações viriam a ser transferidas para o
edifício inaugurado em 27 de Maio de 1956 e que também albergava o
Dispensário Materno-Infantil e que também teve importante papel
formativo.
Perdida no tempo ficou a intenção,
formulada em 1937, por parte da Câmara Municipal, no sentido de
construir um jardim de infância com características de beneficência,
na vila de Câmara de Lobos e cujo projecto chegou mesmo a existir
[17],
como também, a iniciativa que teve, na década de 30, o padre João
Joaquim de Carvalho de construir uma escola no Ilhéu e para a qual
chegou mesmo a efectuar peditórios.
Relativamente à construção de uma
escola no Ilhéu, também em 1940, a Casa dos Pescadores do Funchal
tinha intenções de criar uma escola em Câmara de Lobos, recaindo no
Ilhéu, a preferências para a sua instalação
[18].
Na sua sessão de 7 de Janeiro de 1960, é presente um parecer da
Direcção Escolar do Funchal sobre a construção de um edifício escolar
no Ilhéu. Na sua sessão de 24 de Fevereiro de 1960 é presente a planta
para a construção de um edifício escolar do plano dos centenários a
construir no Ilhéu, tendo sido remetido ao arquitecto paisagístico
para parecer cuja informação negativa é conhecida na sua sessão de 23
de Março de 1960.
Por outro lado, em 1964 há
referências de que, em espaço cedido pela Câmara Municipal, havia sido
construído, pela Cáritas, um espaço para lazer, distribuição de
alimentos, etc., espaço esse mais tarde adaptado a escola de ensino
primário
[19].
Os bazares e
as sopas dos pobres
De entre as iniciativas puramente
caritativas, destacam-se a organização, por ocasião de algumas
festividades religiosas, tanto dos chamados bazares de caridade, como
das festas da flor. À sua frente estavam sobretudo as senhoras dos
mais elevados estratos sociais da freguesia ou dela originárias,
algumas das quais viriam a estar na origem da Associação Damas de
Caridade de Câmara de Lobos, com estatutos aprovados pelo Governador
Civil em 1929. O mesmo tipo de iniciativa, ainda que de uma forma mais
discreta, tinha também a Conferência de São Vicente de Paulo da
paróquia de São Sebastião, criada ao que se supõe a 25 de Março de
1914
[20].
Recitas infantis organizadas quer por algumas professoras primárias da
freguesia, quer pelas senhoras da sociedade, eram também utilizadas
como meios de angariação de fundos, que depois se distribuíam pelos
mais necessitados.
Este mesmo papel teriam também as
comissões de assistência existentes não só ao nível do Município e
denominada de Comissão Municipal de Assistência, como ao nível das
paróquias e denominadas de Comissões Paroquiais de Assistência
[21].
Donativos pontuais, provenientes de
casas de bordados ou de outras empresas sitiadas no Funchal, eram
outras das formas utilizadas para colmatar a pobreza e a fome, sempre
que uma calamidade de maiores dimensões batia à porta da classe
piscatória e a distribuição de sopas,.
Pese o facto de poderem ter
existido outras iniciativas similares, em 1919, a imprensa dá conta
não só da existência de uma cozinha económica em Câmara de Lobos,
destinada a matar a fome de centenas de pobres da localidade, em
virtude da guerra, como ainda da realização de récitas infantis e
quetes para a suportar
[22].
A 29 de Abril de 1939, é inaugurada
em Câmara de Lobos uma denominada sopa dos pobres destinada aos mais
necessitados e de uma "gota" de leite para as crianças filhas dos
humildes pescadores, numa iniciativa do então Governador Civil Dr.
José Nosolini, ainda que ao que parece com fornecimento a cargo da
Câmara e que, dois dias depois, já atingia as 120 sopas
[23].
Esta iniciativa é aliás comemorada no ano seguinte, a 27 de Abril de
1940
[24],
através de uma homenagem promovida pela Câmara Municipal de Câmara de
Lobos ao Dr. Oliveira Salazar e ao Dr. José Nosolini. Nesta ocasião,
era de 137, o número de sopas diariamente servidas.
Em Março de 1946, por iniciativa do
Dr. Vasco dos Reis Gonçalves, presidente da Câmara, é também criada,
em Câmara de Lobos, uma cantina escolar custeada em parte com o
dinheiro proveniente do Governador Civil e destinado à assistência e
em parte pela própria Câmara, beneficiando 100 crianças pobres das
escolas da vila e da Casa dos Pescadores
[25].
Todavia, neste caso, a sopa para além de constituir um suplemento
nutritivo, tinha também por objectivo estimular as crianças mais
pobres a frequentarem a escola. Desta forma, uma iniciativa até então
puramente caritativa passa a servir também de estímulo à formação da
criança. Aliás, o mesmo método já vinha utilizando, desde 22 de Junho
de 1933, o padre João Joaquim de Carvalho no seu Colégio da
Preservação, criado 10 anos antes junto à capela do Espírito Santo,
para proteger moralmente as filhas dos pescadores
[26].
A melhoria
das condições de habitação
Sendo antigas e
frequentes as referências sobre as miseráveis condições de habitação
da classe piscatória é também natural que tivessem surgido várias
iniciativas, propostas ou desejos expressos pelas autoridades no
sentido de as melhorar. Uma das primeiras iniciativas, nesse sentido,
de que temos conhecimento, pelo menos em termos de imprensa, data de
1913.
Com efeito, em Abril desse ano, um
jornalista, depois de uma visita ao Ilhéu, exteriorizando
publicamente, segundo diz, a voz de muita gente anónima, defende a
construção de um bairro para pescadores e em associação com ele um
hospital para os pobres, afim de que não morressem de fome e ao
abandono
[27].
Quando confrontado com a ideia da
construção de um bairro para pescadores no Ilhéu, o então presidente
da Câmara em exercício, Luís Soares de Sousa Júnior, dá conta da
preocupação da Câmara nesse sentido, defendendo a construção do bairro
não no Ilhéu mas na Trincheira. Contudo, lamentava o facto de a Câmara
não possuir disponibilidade financeira para o fazer.
Em 1930, José de Barros Júnior,
presidente da Câmara Municipal de Câmara de Lobos, em entrevista
publicada na imprensa, defende o saneamento do ilhéu através da
construção de um novo bairro piscatório, curiosamente, não no Ilhéu,
mas no sítio do Pastel, sobranceiro à ribeira dos Socorridos. Contudo,
volta também a referir os deficientes recursos da autarquia como
impeditivo a tal pretensão
[28].
Em Outubro de 1937, a Câmara
delibera finalmente no sentido da construção de um bairro piscatório
no Ilhéu, iniciativa que de resto o então capitão do Porto do Funchal
vinha já lutando há 4 anos
[29].
Depois de um longo e complexo
trajecto, com vários avanços e recuos, este bairro dotado de 28 fogos
de habitação é, a 2 de Dezembro de
1945,
finalmente inaugurado. Contudo, não passava de uma gota de água num
deserto cheio de problemas. Curioso é aliás, o facto de na respectiva
cerimónia solene, o Governador Civil ter anunciado que de imediato
seriam construídas no sítio do Pastel mais 200 casas para abrigo de
1.700 habitantes, originárias não só do Ilhéu, mas também de outras
zonas degradadas onde viviam pescadores.
Infelizmente, o
tempo foi passando e apesar de haver quem defendesse a utilização da
foz da ribeira dos Socorridos para as construir, dada a sua maior
capacidade, só quase 40 anos depois é que novos bairros foram
construídos, um no sítio do Pastel (Espírito Santo), tal como já havia
defendido em 1930 José de Barros Júnior e outro na Torre, denominados
popular e depreciativamente por Argentina e Malvinas, isto por serem
bairros completamente diferentes quer em termos de estrutura quer em
termos ocupantes e pelo facto da sua construção e inauguração ter sido
contemporânea ou próxima da chamada guerra das Malvinas que opôs
Inglaterra à Argentina.
Pelo meio
ficaria um curioso projecto elaborado em 1965 pelo Arq. António
Teixeira Guerra e defendido em 1967 pelo Eng. Rui Vieira, na
Assembleia Nacional, onde era deputado e que preconizava implementação
do turismo no Ilhéu e Espírito Santo e Calçada Sul, num projecto
harmonioso onde se integrava a resolução de toda a problemática
social, com passagem da sua população excedentária para bairros e
recuperação urbanística do ilhéu.
Aliás, ainda
que tardiamente, a ideia da recuperação urbanística do Ilhéu viria a
ser retomada em 1982, projecto que
acabaria por não ficar concluído.
Em 2004,
contudo um processo de requalificação social e urbanística do Ilhéu é alvo de implementação,
desta vez com nova dinâmica e novos projectos e, no dia 22 de Junho
desse ano, depois dos seus ocupantes terem sido transferidos para o
Complexo Habitacional Nova Cidade, teria inicio a destruição do
Bairro
do Ilhéu, construído em 1945, para no seu lugar surgir um jardim e
uma infra-estrutura de natureza cultural.
O programa
de promoção social comunitária
Ainda que as iniciativas de carácter caritativo
ajudassem a minimizar algumas das carências do Ilhéu, não resolviam o
problema. Como já o Dr. Eduardo Antonino Pestana havia dado a entender
em 1920, a resolução do problema sócio-económico do ilhéu passava por
transformações profundas ao nível da estrutura cultural da sua
população. Todavia só em finais de Outubro de 1966 é que, nesse
sentido, são implementadas algumas medidas através do Programa de
Promoção Social Comunitária e que haveria de levar à construção, em
1967, de um Jardim-de-infância no Ilhéu.
Ainda que a
imprensa da época não lhe tenha dado muito destaque, o Diário da
Madeira, na sua edição de 15 de Outubro de 1966 diz que ele visava
ajudar as comunidades de base, especialmente as mais carenciadas a
tomarem consciência das suas necessidades e recursos potenciais e a
despertar nelas o desejo de se organizarem de modo a poderem
desenvolverem-se em ritmo acelerado e forma orgânica.
Explicando as
razões do seu aparecimento, o mesmo orgão de informação referia que
era fenómeno corrente em todas as sociedades
em desenvolvimento o aparecimento de zonas geográficas e grupos
humanos que, por si sós, não são capazes de acompanharem o ritmo do
progresso, permanecendo em situação de subdesenvolvimento que, cada
vez se tornam comparativamente mais deprimentes.
Estas
comunidades não só não estão em condições de progresso
económico-social como, inclusivamente constituem, a longo prazo, um
factor entravante do crescimento económico-social das demais zonas
progressivas
[...].
As suas
populações
[...] absorvem, em regras, largas somas aos fundos de assistência
em virtude das situações carênciais em que se encontram e não raro,
tendem mesmo a converterem-se em factores de tensão e desequilíbrio
social e político.
Há pois que
chamar tais comunidades ao progresso, proporcionando-lhes os meios de
ultrapassarem os obstáculos com que deparam no seu desenvolvimento
designadamente procurando assegurar uma colaboração eficaz entre os
serviços públicos e a própria população pondo à sua disposição e
actuando junto daqueles para que correspondam, com brevidade e
eficiência às aspirações das comunidades
[...].
Ainda que o
Programa de Promoção Social Comunitária se destinasse a ser
implementado em todo o Distrito, o Ilhéu de Câmara de Lobos foi a
primeira zona escolhida. Justificando esta opção, o Diário da Madeira
adiantava ser onde vivem dezenas de famílias
cuja grande carência é sobejamente conhecida e cujas situações tenderá
certamente a agravarem-se segundo a lei do círculo vicioso de miséria
a menos que uma intervenção adequada se verifique em tempo oportuno.
O programa
para aquele ilhéu pretende quebrar este circulo vicioso e para tanto
há que actuar em várias frentes: a educação e alimentação das crianças
e adolescentes, o aumento do rendimento e organização económica
familiar, a formação doméstica das mulheres e raparigas; a higiene
pública do meio, incluindo a melhoria das condições habitacionais, etc.
Posteriormente
o programa estender-se-ia também ao Caniçal e à Calheta, onde em ambos
os locais, tinha em 1967 uma equipa a trabalhar.
Ainda
relativamente a este programa o Jornal da Madeira, na sua edição de 6
de Setembro de 1968 dá conta de que ele terá sido alvo de uma
abordagem numa reunião da O.C.D.E. realizada em França num seminário
sobre O trabalho interdisciplinar de desenvolvimento de uma região
e onde deveriam ser analisadas as experiências de Portugal sobre a
execução de um projecto de promoção social comunitária no Ilhéu de
Câmara de Lobos, no arquipélago da Madeira e a experiência do
desenvolvimento global do leste do Quebeque, no Canadá.
Infelizmente este programa que
parecia razoavelmente concebido, pelo menos pelos objectivos que se
propunha realizar e conteúdo de um dos relatórios publicado na
imprensa, acabaria por ser abandonado
[30].
Jardim-de-infância do Ilhéu
O
Jardim-de-infância do Ilhéu foi construído, no decurso de 1967, na
sequência de um programa de promoção social comunitária que nesse ano
teve início em Câmara de Lobos.
Em ofício
datado de 14 de Outubro de 1966, a Comissão de Assistência do Funchal,
envia o projecto do jardim-de-infância a construir e solicita à Câmara
Municipal de Câmara de Lobos a autorização para a sua construção. Na
altura, estando a Comissão Distrital de Assistência do Funchal, a par
da intenção da deslocação das populações do Ilhéu e do destino deste
para fins turísticos, na implantação e construção do
jardim-de-infância, fica assente a utilização de materiais
parcialmente recuperáveis e transferíveis para outro local, quando se
efectuasse a deslocação da população do Ilhéu.
Após a recepção
deste ofício, a Câmara solicita, em 29 de Outubro de 1966, um parecer
ao Director técnico de Urbanização do Funchal, que a 7 de Novembro,
sugere que a Câmara que remeta esse parecer para o Arquitecto
Urbanista e Comissariado de Turismo, uma vez que havia este
departamento tinha um estudo elaborado para o aproveitamento turístico
do Ilhéu de Câmara de Lobos.
Em consequência
desta sugestão, a Câmara pede, em 11 de Novembro, o respectivo parecer
ao seu Eng. Urbanístico, Nereus Fernandes, que em carta datada de 25
de Novembro de 1966 e presente na reunião camarária de 14 de Dezembro
refere: Em 3 de Fevereiro de 1960, quando
efectuamos uma visita técnica a Câmara de Lobos, conscientes da
gravidade da situação, chamávamos a atenção da DGSU, através de um
relatório então efectuado, para a necessidade urgente de promover
medidas de Saneamento Social para aquela vila.
Vemos pois
com bons olhos a promoção de um programa que, se não resolver
totalmente, pelo menos parcialmente procurará debelar uma ferida que
tem estado a minar muitos aglomerados da Madeira
[...].
Permitimo-nos contudo fazer dois pequenos reparos:
1º. Nota-se
no objectivo genérico da promoção, a falta de um programa baseado na
acção evangelizadora do espírito cristão português. Julga-se que
simultaneamente com o alimento do corpo se deveria tratar também da
higienização do espírito. A presença de um membro do clero na equipa
inter-serviços irá certamente preencher esta lacuna.
2º. Julga-se
que na equipa de inter-serviços - contida na alínea a) das linhas
gerais do programa - deveria figurar um arquictecto-urbanista, que
funcionaria como elemento catalítico e de ligação das várias
actividades intervenientes, salvo se tal técnico está contido no termo
"obras públicas".
Este
conceito é tão válido que em diversos países que visitamos, se torna
imprescindível na composição de equipas.
Quanto ao
aspecto urbanístico, embora se considere que o edifício ocupe uma
grande área em relação ao Ilhéu, não se julga de levantar qualquer
impedimento dada a finalidade social da obra, e até porque, mais cedo
ou mais tarde deverá pensar-se na demolição das construções do Ilhéu e
num melhor realojamento.
Perante este
parecer, a Câmara, na sua reunião de 14 de Dezembro de 1966 autoriza,
a título precário, a construção do jardim-de-infância, em conformidade
com o projecto, memória descritiva e com materiais parcialmente
recuperáveis e transportáveis, oferecendo-se a Câmara para dentro das
suas possibilidades financeiras prestar a melhor colaboração na
higienização do Ilhéu.
O
Jardim-de-infância do Ilhéu tinha assim luz verde para ser construído,
ficando implantado num terreno de que era proprietária a Câmara
Municipal de Câmara de Lobos, admitindo-se ter ficado concluído no
decurso de 1967.
O programa a
caminho do futuro
Abortada esta
iniciativa, surge em 1990 outra, ao que parece uma fotocópia da
anterior, em papel “couché”, ou pelo menos nela inspirada, ainda que o
Diário de Notícias na sua edição de 21 de Setembro de 1990, ao
anunciar a sua aprovação pelo Governo da República a considerasse de
características inéditas na nossa terra.
Visando não só o ilhéu como outras
zonas degradadas da freguesia e concelho de Câmara de Lobos, este
programa de luta contra a pobreza, denominado inicialmente de
Aprender a Viver acabaria por ser baptizado de A Caminho do
Futuro e terminaria passados três ou quatro anos depois
[31].
Infra-estruturas de âmbito sócio-cultural
Para além do jardim de infância que
surgiu integrado no Programa de Promoção Social criado pela Direcção
Geral de Assistência e hoje funcionando sob a dependência da
Secretaria Regional de Educação, o Ilhéu está também dotado de um lar
para a 3ª idade com capacidade para 12 pessoas, inaugurado a 30 de
Setembro de 1988 e de uma escola de ensino pré-primário, criada há
cerca de 3 anos
[32].
3 - Projectos turísticos
Apesar da pobreza e dos problemas sociais que têm ao
longo dos tempos marcado o Ilhéu, a verdade é que, é ele com o casario
trepando a sua escarpa, o núcleo e o segredo de toda a beleza que a
baía de Câmara de Lobos oferece ao visitante. Aliás, se fizermos um
pequeno exercício mental e tentarmos excluir do nosso campo visual
este rochedo, facilmente teríamos de admitir que sem ele,
provavelmente Câmara de Lobos, não se individualizaria, em termos de
beleza, de outras localidades situadas à beira mar.
Devido à sua
particular beleza, desde cedo Câmara de Lobos viria a se transformar
num importante centro de atracção turística, situação também
grandemente beneficiada pela facilidade de comunicação com o Funchal,
pese o facto do visitante ser constantemente importunado por bandos de
crianças que dependurados nas suas vestes ou nos seus meios de
transporte lhe pediam dinheiro.
Dado o seu
grande interesse turístico é natural admitir que vários projectos
tenham sido idealizados para esta vila, hoje cidade, uns envolvendo o
Ilhéu e outros não.
Projectos
turísticos para o Ilhéu e vila
Um dos mais
antigos projectos remonta a 1916 e envolvia o aproveitamento turístico
e resolução dos problemas sociais do Ilhéu. Outro, com os mesmos
objectivos, ainda que substancialmente mais bem estruturado surge em
1965 e envolvia não só o Ilhéu mas também a zona do Espírito Santo e
Calçada Sul.
Em 1981/82
surge um terceiro, denominado de projecto de recuperação do Ilhéu e
que tal como os dois anteriores procurava conciliar o turismo com a
resolução de problemas de índole social, ainda que aqui com os
aspectos turísticos relegados para um segundo plano.
Na Trincheira, as infra-estruturas
constituídas pelo forno da cal e salinas, encontravam-se em 1983, na
situação de cedidas à então Direcção Regional de Turismo que, na
altura estudava o seu aproveitamento para apoio a uma zona de lazer
.
Em Novembro de
1990 é apresentado na Câmara Municipal de Câmara de Lobos um projecto
da autoria do arq. Paulo Rosalino, não propriamente para o Ilhéu, mas
para o lugar da Trincheira.. Nele previa-se a construção de uma
infra-estrutura hoteleira denominada de Churchil Village. Esta
unidade, em forma de vila seria constituída por cinco blocos de 2 a 3
pisos superiores com uma capacidade para 120 a 130 quartos. Na sua
plataforma atlântica estava prevista a instalação de um solário,
piscina-mar, acesso ao mar, áreas e espaços de convívio e lazer para
hóspedes.
Nos primeiros
dias de 1991, era a vez do Arq. Tomás Taveira também apresentar um
projecto turístico, desta vez para parte oeste da praia do Vigário e
que previa a construção de um hotel de 5 estrelas, com 350 quartos e
mais 100 apartamentos destinados a time-sharing. Apesar de ter chegado
a haver celebração de um contrato-promessa de cedência de terreno, por
parte da Câmara Municipal de Câmara de Lobos, esta iniciativa viria a
ser fortemente contestada, pelo que, atrasos na apresentação do
referido projecto haveriam de ser aproveitados pela autarquia, para
romper o contrato que antes celebrara com o arquitecto e que tão
incómodo se havia tornado.
Já no decurso de 1998, curiosamente
a anteceder o concurso de ideias para a frente-mar de Câmara de Lobos
promovido pela Câmara Municipal, surge um outro projecto turístico.
Fortemente divulgado quer na imprensa escrita quer na televisão sob a
forma de publicidade, destinar-se-ia a ocupar o espaço onde funcionou
a Empresa de Serragens da Madeira junto ao varadouro, espaço acerca do
qual era voz corrente ouvir-se, durante muitos anos, dizer que se
destinaria a uma zona de lazer pública
[34].
O projecto
turístico de 1916
Segundo o
Diário da Madeira de 19 de Janeiro de 1916, a
primeira localidade que gozou do privilégio da viação
rápida, a vila de Câmara de Lobos, continua a ser, à parte de pequenas
modificações materiais, uma estância desprezada e é sem dúvida com
excepção do Monte a mais frequentada por turistas.
Câmara de
Lobos não tem hotel nem mesmo um restaurante, estabelecimentos que já
deviam ter sido criados para comodidade do estrangeiro e fomento da
indústria do turismo, único meio de tornar menos angustiosa e
miserável a vida desta pobre gente.
Como forma de
resolver este problema e, simultaneamente, também o saneamento do
ilhéu, o Diário da Madeira aponta como solução a aquisição dos
terrenos do Ilhéu pela Junta Agrícola, criando condições, por um lado,
para aí construir um hotel e, por outro, com a transferência dos seus
habitantes para outros locais, lhes resolver a situação degradante e
sub-humana em que viviam.
Nesta mesma
edição, o Diário da Madeira dá ainda conta de que para garantia da
higiene e da moral tinham sido apresentados vários alvitres à cerca do
caminho a seguir com respeito ao saneamento do bairro imundo do ilhéu,
ponto negro a enodar a vila de Câmara de Lobos. Contudo, esses
alvitres entre os quais havia um que propunha o arrasamento do montão
informe de rocha sobre que assentava o ilhéu não haviam conseguido ter
uma realização prática. Segundo afirmava ainda o mesmo orgão de
informação, ninguém queria ter a coragem de expropriar o terreno e
ir fazer sair lentamente dessas pocilgas infectas, os seres viventes
que quase nenhuma noção têm das coisas e que ali vegetam desprotegidas
socialmente, sem que no seio de qualquer corporação pública se lance a
iniciativa de um melhoramento material que vai beneficiar a existência
dos habitantes daquele morro. Contudo, adiantava ainda este orgão
de informação, que havia surgido outra iniciativa, ou seja, uma
proposta presente numa das sessões da Comissão Executiva da Junta
Agrícola da Madeira propondo a expropriação dos terrenos do ilhéu com
o acondicionamento de que dentro da sua área pudesse ser construído um
hotel ou um sanatório, melhorando-se desta forma a situação do local
sob o ponto de vista de higiene e moralidade pública.
No entanto,
pese o facto de pertencer a este organismo as questões relacionadas
com o turismo, o Diário ressalvava que não ia ao ponto de pedir que a
Junta Agrícola realizasse a ideia de construir com urgência um hotel
no cabeço do morro, não porque a situação do local não fosse
esplendida para uma obra desta natureza. Afinal, estes terrenos
gozavam de uma situação privilegiada, esplendida, dominando o mar e a
terra e recebendo a viração marítima. Essa expropriação segundo o
mesmo Diário, daria começo ao trabalho de ir fazendo afastar para
outros pontos, disseminados por aqui e por ali os seus habitantes,
podendo ao mesmo tempo a Câmara auxiliar a obra de saneamento
levantando em vários locais habitações higiénicas e baratas.
Provavelmente
para amenizar eventuais reacções a esta proposta o Diário da Madeira
adiantava que seria mais sob o aspecto de saneamento que esta proposta
havia sido efectuada à Junta Agrícola.
O projecto
turístico de 1965
Uma outra
proposta de aproveitamento turístico não só do ilhéu de Câmara de
Lobos como também do chamado Espírito Santo e Calçada Sul, onde se
inclui a Trincheira surge, em 1965, pela mão do arquitecto António
Teixeira Guerra para o Gabinete de Estudos e Planeamento do
Comissariado para o Turismo.
Segundo este estudo, defendido pelo
Eng. Rui Vieira a 21 de Março de 1967 na então Assembleia Nacional
onde era deputado, procurava-se implementar o turismo nestes locais,
num projecto harmonioso onde se integrava a resolução de toda a
problemática social do ilhéu e não só
[35].
Sem apresentar
o radicalismo do de 1916, o que também não era possível pelo número de
habitações que desde essa altura surgiram, este projecto tinha o
duplo objectivo de permitir, por um lado a oportuna imposição de uma
adequada disciplina de conservação e aproveitamento dos excelentes
recursos turísticos existentes nesta zona e, por outro lado, a
estruturação e promoção de medidas tendentes ao saneamento de
condições locais de ordem urbanística e social que além de serem
degradantes e já por esse motivo merecerem correcção representam
também para o turismo um factor repulsivo e impeditivo de um
aproveitamento condigno quer do ponto de vista local, quer das zonas
contíguas.
Adiantava ainda
o texto do Arq. Teixeira Guerra, transcrito por Rui Vieira, que a
necessidade e urgência de atender tanto aos aspectos negativos, como
positivos da situação existente logo se impôs ao verificar-se que,
estando situada a uns escassos quilómetros do Funchal, a vila de
Câmara de Lobos goza de uma posição privilegiada em relação à zona
turística de grandes potencialidades que se desenvolve ao longo do
litoral da Ilha, entre estes dois núcleos urbanos.
Na opinião do
Dr. Nápoles Sarmento dos Serviços Técnicos de Salubridade, da Direcção
Geral de Saúde que havia visitado a Madeira em Janeiro de 1967,
expressamente para apreciar os aspectos da insalubridade do Ilhéu e
Espírito Santo e Calçada Sul, o conjunto paisagístico oferece,
visto de longe, um aspecto de particular beleza e interesse para o
qual contribuem as próprias características de algumas das construções
habitacionais, e o seu arranjo no pequeno espaço que ocupam, pelo que
não causa realmente estranheza que a indústria turística possa aspirar
ao seu aproveitamento. Contudo paralelamente à beleza desta
localidade contrapõe os aspectos negativos em termos de salubridade.
Segundo ele, as condições de salubridade em que vivem estas
populações são particularmente deploráveis. Salientava ainda este
médico que conhecia muitos bairros miseráveis, mas nunca como neste
havia visto tão grande densidade populacional. A este propósito,
convirá referir que, nesta altura, no hectare de extensão do Ilhéu
viviam 1507 habitantes pertencentes a 230 famílias, o que
estatisticamente corresponderia a 7 habitantes por fogo e a cinco
habitantes por quarto.
Segundo o Eng.
Rui Vieira no seu discurso na Assembleia Nacional, partindo destas
duas realidades patentes na zona costeira da baía de Câmara de Lobos:
o seu alto interesse para o turismo e a absoluta urgência de dar aos
problemas sociais e demográficos a melhor solução, havia sido
arquitectado um esquema através do qual os sítios do Ilhéu e do
Espírito Santo e Calçada Sul seriam totalmente saneados e as
curiosas moradias higienizadas com o objectivo de aí se criar um
núcleo turístico de grande poder de atracção; e por outro lado, a
maior parte da população actual será transferida para novas moradias
mais numerosas e mais amplas num bairro social a construir nos
terrenos que a Junta Central da Casa dos Pescadores tem em vista para
esse fim, ou por ventura nesses e noutros terrenos, ainda mais
apropriados e extensos como os do espaçoso leito da Ribeira dos
Socorridos, quando devidamente protegidos e arranjados.
Entretanto,
segundo Rui Vieira, desde Outubro de 1966 uma equipa multidisciplinar
já se encontrava a trabalhar no Ilhéu com o objectivo de procurar
elevar o nível social e educacional da população. Por outro lado, na
altura, já se teriam mesmo realizado reuniões com representantes de
vários organismos no sentido de serem coordenados todos os esforços no
sentido de se avançar na melhor solução do problema social e turístico
de Câmara de Lobos. Alertava, contudo Rui Vieira, que este plano que
iria conduzir à criação de um centro turístico em Câmara de Lobos
destinado ao aproveitamento das extraordinárias condições daquela
pequena área que envolvia a baía, necessitava do bom acolhimento dos
governantes nacionais, uma vez que a dimensão do projecto excedia as
possibilidades locais.
A propósito do
trabalho de valorização humana que estavam a ser feitos no Ilhéu, Rui
Vieira dizia que era importante que fosse continuada, afim de que não
voltasse a suceder, quanto a promiscuidade e baixo nível educacional e
sanitário, o que se estava a passar no momento. Afinal, segundo ele,
não se tratava só de dar às famílias, novas e boas condições físicas
de habitação, mas sobretudo educá-las e prepará-las para que as
soubessem receber, usar e conservar.
Curioso! Trinta
anos depois, o pensamento do Eng. Rui Vieira. permanece ainda e
infelizmente, com toda a actualidade!
Relativamente a
este projecto turístico, Rui Vieira defendia que apesar de só se
tornar viável após a resolução do problema social, havia que tomar
algumas medidas como: defesa da paisagem e dos conjuntos urbanos
típicos enquanto que tal protecção não pudesse ser feita mediante
planos de regulamentação apropriados; início dos estudos sobre os
aspectos jurídicos de eventuais expropriações a efectuar nos sítios do
Ilhéu e Espírito Santo e Calçada Sul, bem como sobre a eventual
constituição de uma sociedade de capitais mistos tendo em vista a sua
exploração para fins turísticos, etc.
Relativamente à
constituição da empresa destinada à exploração da ALDEIA TURÍSTICA DE
CÂMARA DE LOBOS - empresa onde segundo admitia, poderiam vir a ser
accionistas os na altura proprietários das casas e terrenos, bem como
o próprio Município - haveria que realizar importante campanha
promocional por forma a angariar os necessários capitais.
Com efeito,
este empreendimento, que corresponderia a cerca de 50% da oferta
madeirense da altura, em termos de camas, envolveria no seu todo 650
camas nas casas dos pescadores do Ilhéu e Espírito Santo e Calçada Sul
e 300 camas em dois hotéis a construir nos mesmos sítios, para além de
piscinas, restaurantes, recintos de divertimentos, zonas comerciais
etc.
O projecto
de recuperação do Ilhéu
Abandonado o projecto de 1965, em
1981/82 com o advento da saída de inúmeras famílias para o bairro do
Espírito Santo e depois para o Bairro da Torre, tem início um projecto
destinado à recuperação do bairro do Ilhéu
[36].
Procurando recuperar algumas das suas habitações e simultaneamente
permitindo que se criassem algumas infra-estruturas de natureza social
e espaços de natureza turística, este projecto era, por assim dizer, o
retomar de velhos projectos, ainda que adaptados à realidade do
momento
[37].
WILHELM, Eberhard Axel. O Concelho de Câmara de Lobos entre
1850 e 1910 visto por alguns Germânicos. Girão-Revista de
Temas Culturais do concelho de Câmara de Lobos, nº5, 2º semestre
de 1990.
FREITAS, M. Pedro. Colégio da Preservação em Câmara de Lobos.
Girão-Revista de temas culturais do concelho de Câmara de Lobos,
nº8, 1º Semestre, 1992, 387-390.
FREITAS, M. Pedro. Colégio da Preservação em Câmara de Lobos.
Girão-Revista de temas culturais do concelho de Câmara de Lobos,
nº8, 1º Semestre, 1992, 387-390.
Uma opinião - Sendo o problema social de Câmara de Lobos um
problema cujas raízes mais profundas são de natureza cultural,
será para perguntar: Como é possível mexer na estrutura cultural
desta população com programas de três anos de duração? Se é
verdade que é de pequenino que se torce o pepino e se também é
verdade que burro velho não aprende línguas, nada mais obvio que
para actuarmos sobre as raízes destes problemas sociais temos que
fazer uma grande aposta nas crianças, nos jovens, ou seja na
geração que estará na origem dos adultos de amanhã. Ora isso
pressupõe um acompanhamento da geração alvo desde o nascimento até
à idade adulta, ou seja um programa devidamente estruturado com
uma duração de 15 a 20 anos.
Só desta
forma será possível fazer emergir de uma vez por todas uma geração
com auto-estima, que não se acomode nem se resigne à sua situação
de miserável, que consiga formular projectos de vida, etc. etc. e
que tal como afirmava o projecto "A caminho do Futuro"
deverão ser metas a atingir.
Caso
contrário, todos os anos haverá necessidade de construir bairros
sociais e implementar programas de combate à pobreza junto dos
bairros criados no ano anterior.
Naturalmente que, a par deste trabalho de raiz, é necessário
resolver problemas sócio-económicos pontuais e, na medida do
possível, integrar neste programa o maior número possível
população adulta. Afinal, também é certo que nem sempre os ditados
populares são dotados de toda a verdade!
A propósito
dos bairros sociais, para além do bom resultado verificado no
Serrado do Mar, através da integração de um deles numa zona
habitacional sem problemas, impõe-se a necessidade de se criar
gradualmente nesta população responsabilidades na aquisição ou
construção de casa própria. Para isso, haverá que implementar um
conjunto de medidas, entre as quais, talvez a criação de uma
cooperativa fortemente apoiada, em que sejam intervenientes quer
os actuais ocupantes dos bairros sociais quer outros provenientes
de zonas degradadas e que nutrindo o desejo de possuírem habitação
própria não dispunham de meios financeiros ou rendimentos
suficientes para o fazerem através do mercado de habitação ou da
cooperativa actualmente existente em Câmara de Lobos. Com uma
iniciativa deste tipo, provavelmente caminhar-se-ia no sentido das
pessoas acreditarem que um dia poderiam vir a ter casa própria, em
vez de se resignarem e assumirem uma atitude passiva e esperarem
que, perante a degradação das suas condições de vida, a
providencia governamental lhes resolva o problema.
Discurso do Deputado Eng. Rui Vieira sobre o aproveitamento
turístico de Câmara de Lobos. Jornal da Madeira, 30 de Março de
1967.
Pena é que, este processo de recuperação não se esteja a fazer com
a celeridade desejada e que, por esse facto, ainda não seja
possível explorar todas as suas potencialidades turísticas.
De qualquer
forma, enquanto não é possível imprimir na sua recuperação um
maior ritmo, talvez ajudassem a melhorar a qualidade das
fotografias ou a impressão que os turistas levam do ilhéu quando
nele entram, um pouco de tinta nalgumas das suas casas, maior
aposta na limpeza das suas ruas e menos fios eléctricos e de
telefone no céu. Isto naturalmente para não levantar a questão da
eventual necessidade ou não de, passados que são tantos anos, se
voltar a re-examinar todo o processo de recuperação e efectuar
eventuais acertos, até porque estão em concurso ideias para a
frente-mar de Câmara de Lobos onde se integra o Ilhéu. Afinal de
contas, infra-estruturas houve que tendo sido criadas no âmbito
deste projecto, nomeadamente as destinadas a apoio turístico da
rua Nova da Praia já se revelaram desadequadas.
Tudo
depende naturalmente da dimensão e do tipo de intervenção que se
pretende fazer na diminuta frente-mar camaralobense: se uma
profunda cirurgia plástica ou uma simples maquilhagem!
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