Levada
do Estreito
Em 1863
,
a levada do Estreito era descrita como tendo origem em três fontes
situadas no lugar dos Tis, no sítio das Romeiras, na freguesia do
Estreito de Câmara de Lobos, em terrenos que, pertenciam aos herdeiros
de Pedro Santana. Estendia-se por mais de uma légua e regava não só a
freguesia do Estreito, como parte da de Câmara de Lobos. Na altura
ignorava-se a data da sua construção, admitindo-se no entanto que
fosse mais nova do que as levadas Nova de Câmara de Lobos e de Braz
Gil
.
Os seus giros eram de 37 dias e,
por antigo costume, aos domingos e quartas-feiras as águas das três
fontes eram cortadas e aplicadas na rega dos terrenos dos herdeiros de
Pedro de Santana
,
situação que causava grande transtorno no regime de repartição, uma
vez que com frequência a água era cortada quando andava regando em
distância de légua e légua e meia e para lá tinha de voltar nas duas
vezes por semana.
Esta prática,
contudo, ter-se-á perdido no tempo, uma vez que em 1934, a quando da
aprovação de uns novos estatutos, ela não existia.
A levada em
1934
De acordo com o conteúdo de uns
estatutos aprovados aos 29 dias do mês de Julho de 1934
,
a levada do Estreito é
uma entidade jurídica formada pela associação de co-proprietários ou
heréus
das
águas captadas no sítio das Romeiras, freguesia do Estreito, concelho
de Câmara de Lobos, no local em que se juntam a ribeira dos Tis e a
ribeira do Foro, e que, ora através do leito da ribeira, ora através
de canais artificiais, a que afluem ou concorrem as águas de diversas
fontes e nascentes vêem irrigar terrenos daquela freguesia e da
freguesia de Câmara de Lobos.
Os prédios
da levada
[...] Além
das águas e dos canais em que derivam e decorrem, constituem objecto
desse património os prédios rústicos situados nas Romeiras, da
mencionada freguesia do Estreito, que confrontam: a) pelo Norte com a
estrada Distrital e Francisco Correia Afonso e outros, pelo Sul com a
ribeira dos Tis e a ribeira do Foro, pelo Leste com a ribeira dos Tis,
Manuel Pestana e Francisco Pinto Figueira e, pelo Oeste com a ribeira
do Foro e Joaquim Figueira de Barros; b) pelo Norte com a estrada
Distrital, pelo Sul com Francisco Correia Afonso, pelo Leste com este
Afonso e aquela estrada e, pelo Oeste com o Dr. Alberto Henriques de
Araújo.
A acrescentar este património a
Assembleia Geral de 29 de Julho de 1934 haveria ainda de dar
autorização para a aquisição de mais um prédio para a levada, situado
junto aos que já possuía e pertencente a Joaquim Figueira de Barros e
outros
.
Os corpos
gerentes
Segundo o
preceituado nestes estatutos a levada do Estreito teria sede na
freguesia de Câmara de Lobos e seria administrada por uma comissão de
cinco membros, eleitos de três em três anos, pelos respectivos heréus,
em Assembleia Geral.
Desde 1934
foram presidentes da assembleia Geral da Levada do Estreito, o padre
António Eduardo Henriques (1934); Cândido Augusto da Silva (1938);
Luís Maria Pereira (1942); António de Sousa Quintal (1959); ainda que
desde 1952, já tivesse vindo a presidir às assembleias gerais e
actualmente Fernando Gerardo da Silva Lopes.
No mesmo
período foram presidentes da Comissão Administrativa, João Policarpo
Pereira (1934), padre António Eduardo Henriques (1938), João Policarpo
Pereira (1943), João Ernesto Pereira (1969) e actualmente João Augusto
de Barros Figueira César.
Obrigações
dos heréus
Anualmente a
assembleia geral de heréus deveria, atendendo às despesas previstas,
fixar a importância a que os heréus seriam obrigados a pagar por cada
hora, sendo fixado o mês de Abril para o efeito.
No caso do não
cumprimento desta obrigação, os heréus seriam demandados judicialmente
pela Comissão Administrativa, que também poderia dar de arrendamento,
pelos giros suficientes para integral reembolso das quantias em
dívida, toda ou parte da água dos remissos, ficando assim esses heréus,
durante tais giros, inibidos de a receber. Nesta situação, o
arrendamento da água poderia ser feito em hasta pública, fixando a
Comissão a base de licitação, sendo a água adjudicada a quem maior
lanço oferecesse sobre essa base.
O caudal da
levada
Tendo em 1863
um caudal que só dava para regar singelamente, nos anos 40, a
levada do Estreito contabilizava quando em giro um total de 765 horas
de água, das quais 620 correspondiam a água de propriedade e 145 a
água de renda, o que se presume serem valores substancialmente
superiores aos de 1863.
Na realidade,
ao longo dos anos constata-se os esforços dos responsáveis pela levada
no sentido de aumentarem o seu caudal e de que é exemplo a criação de
um espaço popularmente conhecido por mantas, numa propriedade da
Comissão, situada nas Romeiras, para onde as águas das chuvas que
corriam nas bermas de alguns caminhos, situados a montante, eram
canalizadas e deixadas a se infiltrar nos terrenos, por forma a
reforçar o lençol de água onde tinha origem as nascentes que
abasteciam a levada.
Outros exemplos dos esforços em
prol do aumento do caudal da levada são: a exploração, em 1935,através
de túneis, de água no terreno que a levada possuía no sítio das
Romeiras
;
a aquisição em 1938 dos direitos de exploração de águas pertencentes a
João Policarpo Pereira e José de Barros Júnior sobre terrenos do Dr.
Alberto de Araújo
;a
aquisição em 1943 dos direitos de exploração de águas em terrenos
situados no sítio das Romeiras e pertencentes a Manuel Rodrigues Pita,
de José Joaquim da Costa e de João Figueira de Faria
;
a aquisição do direito de exploração e canalização de água do terreno
de Maria Manuela Macedo e Silva, situado no sítio das Romeiras
e
a canalização, em 1947, de água dos poços denominados do Andrade e do
Ricardo, para o túnel que a levada possuía num seu prédio no sítio das
Romeiras
.
Canais
comuns a várias levadas
Nalgumas
situações os canais da levada do Estreito poderiam ser comuns a outras
levadas ou poderiam eventualmente servir de passagem de águas alheias
às da levada, quer de forma gratuita, quer mediante determinadas
contrapartidas financeiras, que ficavam ao critério da Comissão. A
este propósito, refira-se que os estatutos da levada do Estreito,
aprovados em 1934, deixavam bem claro que, a partir do sítio da
Ribeira Fernanda, o canal em que as águas da levada do Estreito
corriam era comum, tanto às águas da levada do Estreito, como às da
levada dos Terços.
Os
rendimentos da levada
Para além da
chamada água de propriedade, inerente aos terrenos com direito a esta
água, a levada do Estreito também possuía água de renda, ou seja, água
que excedia a que por direito pertencia a cada heréu, como água de
propriedade. Esta água era então dada de arrendamento quer aos heréus
quer a terceiros, mediante uma contrapartida financeira, que em 1934
seria fixada em 80$00 por hora, chegando posteriormente a atingir
valores de 180$00.
A água de
renda, bem como os rendimentos provenientes dos terrenos que a levada
possuía e arrendados a mieiros e a colonos, constituíam as receitas da
levada, receitas estas que eram suficientes para suportarem os custos,
não só da sua manutenção como o pagamento de um levadeiro e de dois
vigias, ao longo de toda a duração dos giros de rega.
Condutas em
cantaria e emanilhamento
Em parte significativa da sua
extensão a levada apresentava condutas de cantaria lavrada, em "U" e
em 1928
terá
sido, nalguns dos seus segmentos emanilhada, com os consequentes
benefícios para os heréus, nomeadamente reduzindo os desvios e roubos.
A este
propósito, necessário será referir que, por um lado, sendo a água para
rega um bem escasso e dispendioso e, por outro, não havendo
abastecimento de água ao domicílio, a passagem da água na levada fazia
com que as pessoas aproveitassem para dela retirarem uns aguadores de
água com o fim de lavarem terreiros ou regar as flores, ou mesmo
regarem uma ou duas mantas de verdura etc., facto que pela quantidade
de pessoas que recorriam a tal prática, se reflectia no caudal final
da levada. Esta situação obrigava a que para além do levadeiro, a
Comissão da levada tivesse de recorrer a vigilantes, por forma a
impedir o roubo frequente de água. Sendo esta uma situação dispendiosa
é natural que a passagem da água em canais fechados, ou seja, o seu
emanilhamento, apesar de poder ser um investimento dispendioso acabava
por ser uma opção vantajosa, tanto para a Comissão da levada como para
os heréus.
Ainda
relativamente às condutas de cantaria lavrada em U que faziam parte da
rede de distribuição da levada do Estreito, refira-se como
curiosidade, que devido ao declive da levada, à regularidade da sua
superfície interna, ao efeito de polimento produzido pela passagem da
água e à formação de lodo, o seu leito tornava-se extremamente
escorregadio, particularidade que era aproveitada pelas crianças para,
colocadas no seu interior, se arrastarem ao longo dela. Naturalmente
que, pese o facto de se divertirem imenso, numa altura em que outros
tipos de diversões não abundavam, pela velocidade atingida, não raros
eram os acidentes traumáticos, isto para não falar no estado que
ficavam as suas roupas e nas tareias que apanhavam quando
chegavam a casa.
Percurso e
áreas de irrigação
A levada do
Estreito estendia-se por um percurso que compreendia a Azinhaga do Dr.
António Vitorino de Castro Jorge, entrando depois na rua Dr. António
Vitorino de Castro Jorge, onde fazia mover sucessivamente três
moinhos, os dois primeiros integrados na propriedade do Dr. Sabino de
Abreu e o terceiro pertencente a Manuel Justino de Jesus. Ao chegar ao
largo do patim a levada bifurcava-se em dois importantes ramais, um
que ia pelo caminho do cemitério, em direcção ao Pico do Rato e outro
que ia pela actual rua prof. José Joaquim da Costa, fazendo mover no
seu trajecto pelo menos três moinhos integrados na propriedade de
Francisco Figueira Ferraz. Ao nível do Jogo da Bola, deste ramal
seguia um outro que irrigava alguns terrenos na Vargem e Panasqueira.
Ao chegar ao chão do lugar do Salão a levada voltava a se bifurcar,
seguindo um ramal através do actual caminho de São João e outro ramal
através do caminho da Bela Vista, atingindo, tanto estes dois ramais,
como o do Pico do Rato, a freguesia de Câmara de Lobos, onde vários
terrenos eram irrigados pelas águas provenientes do Estreito.
O fim da
levada do Estreito
Com a
inauguração, em 1951, da levada do Norte, as águas bem como os canais
da levada do Estreito passaram para a posse dos Serviços Hidráulicos
da Madeira e, sensivelmente, a partir de 1952, a levada deixou de
existir como levada de heréus, mantendo-se, contudo em actividade a
sua Comissão Administrativa, dado o facto de possuir ainda no seu
património algumas propriedades.
De acordo com os estatutos aprovados em 1934, heréus desta levada
eram todos aqueles cujos nomes e moradas figurem no respectivo
cadastro, com a indicação do direito que lhes corresponde nos bens
ou no património da mesma levada.
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