Levada Nova de Câmara de Lobos
A levada Nova
de Câmara de Lobos recebe água da Ribeira dos Socorridos e regava até
à data em que foi integrada na rede pública de abastecimento de água
de rega, uma significativa área da freguesia de Câmara de Lobos,
nomeadamente os sítios da Lourencinha, da Torre, Palmeira, Serrado da
Adega, Pé de Pico e Espírito Santo e Calçada.
Ainda que se desconheça, tanto a
data da sua construção, como o seu construtor, um relatório elaborado
em 1863 ()
pelo então administrador do concelho de Câmara de Lobos, com base, ao
que se supõe, em informações verbais transmitidas de geração em
geração, esta levada por tradição se diz fora construída à custa do
Estado pouco depois que também pelo Estado fora aberta a dos Piornais
que lhe fica fronteira a Este e que toma também água na mesma ribeira
por cima da Nova em muito pequena distância e pensa-se haverá duzentos
anos que existem. Pertence a particulares denominados de heréus que
nesta freguesia têm propriedades em que rega, por conta dos quais são
feitas e pagas anualmente as despesas.
De acordo com o
relatório citado, na altura, a água quando estava em repartição, os
seus giros eram de 21 dias.
Aluvião gera conflito entre levadas
Depois da aluvião de 9 de Outubro
de 1803 (),
a quantidade de água que transportava viria a ser drasticamente
diminuída, em virtude de ter sido removida uma grande pedra que
regulava a água que deveria entrar tanto na levada dos Piornais como
na levada Nova. Este facto, teria levado os heréus da levada dos
Piornais, que tinha origem nas proximidades da levada Nova, a se
aproveitarem da situação criada pela aluvião e a usurpar um
significativo caudal à levada Nova, para a qual só deixavam, ao seu
arbítrio alguma escorralha e só à força de muitas reclamações é
que conseguiam os heréus da levada Nova de Câmara de Lobos algum
acréscimo de água, instalando-se um diferendo permanente e chegando
mesmo a se verificarem, ao que tudo leva a crer, confrontos.
Esforços para resolver o conflito
Este diferendo
chegou a ser tão grande e os prejuízos na agricultura de Câmara de
Lobos tão elevados, que um dos administradores do concelho terá feito
uma exposição ao Governador Civil, o conselheiro José Silvestre
Ribeiro, relativamente ao procedimento irregular que estava a ser
cometido pela gerência da levada dos Piornais.
Em resposta a
esta exposição, o Governador Civil haveria de intervir na reposição
dos caudais ao nível daquele que se verificava antes da aluvião, sendo
desse facto lavrado o respectivo termo e tendo ficado decidida a
construção, no local, de um sinal ou medida que determinasse a
quantidade de água definida e acordada para cada levada.
Com efeito,
tomando conhecimento do facto e procedimento,
conseguiu que se repusesse as coisas do transtorno causado pelo dito
aluvião, de que por convenção dos interessados foi lavrado termo e o
qual existia na Secretaria do Governo, extraindo-se nele a forma da
divisão da água para cada uma das levadas, constituindo-se no local
para isso capaz com sinal ou medida que determinasse a quantidade de
água a cada uma.
Contudo, esse
sinal até 1863, quando, ao que se supõe, teriam passado dez ou mais
anos, uma vez que o Conselheiro José Silvestre Ribeiro foi Governador
entre 1846 e 1852, ainda não havia sido construído, pese o facto de
ter deixado de se verificar a usurpação de águas até então existente.
Disso dá aliás conta António Francisco de Cairos Rego, que aproveita a
oportunidade para reforçar a urgência da realização da obra ao referir
no seu relatório que esta obra nunca se fez,
contudo observou-se a contento dos interessados de ambas as levadas a
que se pretendia, visto da levada superior logo botam para a de baixo,
a porção de água em forma suficiente, que já no ano findo e, no
corrente tem faltado anterior usurpação, a que de pronto se deve
obstar e pôr termo, fazendo-se construir essa obra que vai servir de
marcação e destruir as arbitrariedades, prejuízos e desgostos.
1898, o fim do conflito
Contudo, vários anos passariam até
que a caixa divisória das águas para as duas levadas fosse construída,
o que só viria a acontecer por volta de 1898. Com efeito, por
escritura do notário Alexandre Baptista Pereira, datada de 19 de
Dezembro de 1898, definida ficaria a divisão destas águas, ficando a
levada Nova com 1/7 e a dos Piornais 6/7 da água ().
Foram subscritores deste acordo, pela levada dos Piornais, o
Conselheiro Dr. Manuel José Vieira e pela levada Nova de Câmara de
Lobos, o conde do Ribeiro Real, Manuel Justino Henriques, Manuel
Joaquim Lopes, Francisco Eduardo Henriques e João Figueira da Silva.
De acordo com
conteúdo da
escritura do contrato estabelecido entre ambas as partes,
para além de ser possível confirmar a antiguidade do diferendo que
opunha a levada dos Pironais à levada Nova de Câmara de Lobos é
possível conhecê-lo de forma mais pormenorizada. Com efeito, refere a
escritura que entre as levadas [...] se tem de longa data
suscitado questões acerca da repartição das águas da ribeira dos
Socorridos, de que as duas se alimentam e da irrigação de uns tractos
de terreno acima e abaixo da madre da Levada dos Piornais, situados na
margem direita da ribeira. Relativamente aos terrenos situados
abaixo da referida madre, os problemas já haviam sido ultrapassados
com a sua aquisição por ambas as levadas. Relativamente aos terrenos
situados acima, o acordo a que refere esta escritura obrigava a que a
levada Nova adquirisse o moinho e terreno anexo situado na margem
direita da ribeira, acima da madre da levada dos Piornais. Contudo,
após a aquisição, deveria inutilizar o moinho e abandonar o cultivo do
terreno, passando toda a água a que o terreno em causa tinha direito
para o leito da ribeira.
Esta água
deveria depois ser encaminhada para uma sangria a fazer na ribeira dos
Socorridos, próximo à madre da levada dos Piornais e envolvendo toda a
largura do seu leito, de Leste a Oeste, de forma a represar todas as
águas e lançá-las no açude e caixa divisória que deveria ser
construída para fazer a repartição das águas entre as duas levadas. A
caixa divisória deveria ter sete aberturas iguais feitas em cantaria
ou em chapa metálica, recebendo a levada dos Piornais a água de seis
destas aberturas e a Nova de Câmara de Lobos a água de uma.
A propósito do
diferendo entre as levadas dos Piornais e Nova de Câmara de Lobos, e
da solução encontrada, o Diário Popular, em 1902 refere que
depois de tantos anos de lutas e questões judiciais em
que se consumiram inutilmente quantias importantíssimas, com as quais
cada uma daquelas levadas podia ter realizado obras importantes,
fez-se finalmente a paz entre elas, realizando-se um acordo de que são
monumento imorredouro as obras realizadas na Ribeira dos Socorridos e
suas margens, no sítio da Fajã, freguesia de Santo António, sob a
direcção dos Srs. engenheiros Trigos.
São dignas
de ser vistas e admiradas, em especial, a captação das águas e sua
distribuição e dignas também de serem imitadas por muitas outras
levadas que aliás, infelizmente, perdem o seu tempo e dinheiro sem
vantagem alguma, no meio de crescentes ódios.
Montaram
todas as despesas a reis 4:427.889, sendo de conta dos piornais
3:795.297 reis e de conta da levada Nova de Câmara de Lobos, 632.592
reis
.
Porquê o nome de levada Nova?
Relativamente à
denominação de levada Nova, dada a esta levada, parece-nos pertinente
interrogarmo-nos sobre o porquê desta denominação? Terá sido dada,
simplesmente porque, terminada a sua construção, passou a ser a mais
nova levada do concelho de Câmara de Lobos? Terá sido porque depois de
construída veio ocupar o lugar de outra ou outras levadas, que
irrigavam a mesma área? Se assim foi, que terá acontecido a essa
antiga ou antigas levadas?
Ainda que no campo da especulação,
não podemos deixar de considerar a hipótese da levada Nova de Câmara
de Lobos ter sido construída para substituir uma primitiva levada,
também com origem na ribeira dos Socorridos, construída por António
Correia, o Grande, filho de João Afonso, para regar as terras da
Torrinha, que estão sobre Câmara de Lobos (,
).
A este propósito refira-se que António Correia tinha grandes
propriedades em Câmara de Lobos, nomeadamente no sítio hoje conhecido
por Torre e Serrado da Adega ou seja na zona coberta pela rede da
levada Nova de Câmara de Lobos, possuindo ainda no centro do povoado
um engenho de açúcar ().
A levada nas últimas décadas
Como acontecia em algumas outras
levadas, em que a sua água era muitas vezes não só utilizada como
força motriz para moinhos construídos no seu trajecto, como para
alimentar lavadouros, a levada Nova de Câmara de Lobos, fornecia água
para um bebedouro destinado a animais (),
situado no sítio da Lourencinha e ainda para dois lavadouros ().
Com a
finalidade de distribuir a água possuía, também esta levada, em 1938,
dois levadeiros: José Garcia de Jesus e António Rodrigues de Aguiar.
Possuía esta levada dois tipos de água: a água chamada de propriedade
e que constituía um direito inerente a determinadas propriedades
agrícolas ou terrenos e a água de arrendamento, ou seja uma água não
estaria associada por direito a qualquer propriedade em particular,
mas à Comissão de heréus e que era arrendada a arrendatários sob
contrapartida financeira, perdendo os arrendatários direito a ela
sempre que não satisfizessem o respectivo pagamento, conforme
estipulavam os regulamentos.
A existência de
um livro de actas com início em 1933 e de um livro de registo de
receitas e despesas, com início no mesmo ano, permite-nos saber que em
1933 era presidente da Comissão Administrativa da levada Nova de
Câmara de Lobos, Francisco Firmino Henriques, cargo em que é
substituído, a 6 de Fevereiro de 1938 por João Ernesto Pereira.
A 5 de
Fevereiro de 1943, assume a presidência da levada o reverendo padre
António Eduardo Henriques, desconhecendo-se, no entanto, por falta de
dados, o que terá acontecido entre 1938 e 1943, relativamente a este
cargo. Em Setembro de 1943, na sequência do falecimento do padre
António Eduardo Henriques, viria a assumir o cargo de presidente da
Comissão Administrativa João Ernesto Pereira, que terá estado à sua
frente até, pelo menos, 1952 ou 1953.
Entre 1952 e
1969, os dados relativos à actividade da Direcção da Levada são
omissos, o que de certa forma se poderá explicar, pelo facto de poder
ter sido a partir de 1952/1954 que as águas e canais passaram para a
posse dos Serviços Hidráulicos da Madeira, numa altura em que a levada
teria, quando em giro, um caudal aproximado de 17,3 litros por
segundo, ou seja, 17,3 penas. Na realidade, a partir de Janeiro de
1954, dos relatórios de contas desta levada passam a constar
exclusivamente a referência à renda do prédio que esta levada possuía
no sítio da Fajã, a António Rodrigues de Aguiar, situação que se
mantém até 1987, altura a partir da qual deixa de haver qualquer
registo no livro de receitas e despesas. Relativamente a este livro,
onde se encontram registados sem interrupção das contas de gerência
entre 1933 e 1987, constata-se que João Policarpo Pereira foi
tesoureiro da Comissão Administrativa da Levada Nova, entre 1933 e
1968, sucedendo-lhe em 1969 seu genro, o Dr. João Marcelino Pereira,
que assina o último relatório de receitas de despesas de 1985 e onde
consta unicamente uma receita de 500$00 correspondente à renda paga
por António Rodrigues de Aguiar, relativamente ao prédio da Comissão,
situado na Fajã.
Em 1969, data
do registo da ultima acta da Comissão Administrativa da levada Nova de
Câmara de Lobos, era presidente da sua direcção João Izidoro
Gonçalves.
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