Manuel
Bandeira
1886 - 1968
"Manuel Bandeira (M. Carneiro de Sousa B. Filho), professor, poeta, cronista,
crítico e historiador literário, nasceu em Recife, PE, em 19 de abril de 1886, e faleceu
no Rio de Janeiro, RJ, em 13 de outubro de 1968. Eleito em 29 de agosto de 1940 para a
Cadeira n. 24, na sucessão de Luís Guimarães Filho, foi recebido em 30 de novembro de
1940, pelo acadêmico Ribeiro Couto.
Filho do engenheiro civil Manuel Carneiro de Sousa Bandeira e de
Francelina Ribeiro de Sousa Bandeira. Transferiu-se aos 10 anos para o Rio de Janeiro,
onde cursou o secundário no Externato do Ginásio Nacional, hoje Colégio Pedro II, de
1897 a 1902, bacharelando-se em letras. Em 1903 matriculou-se na Escola Politécnica de
São Paulo para fazer o curso de engenheiro-arquiteto. No ano seguinte abandonou os
estudos por motivo de doença. Fez estações de cura da tuberculose em Campanha, MG,
Teresópolis e Petrópolis, RJ, e por fim Clavadel, Suíça, onde se demorou de junho de
1913 a outubro de 1914. Em Clavadel teve como companheiro de sanatório o poeta Paul
Eluard. Sua vida poderia ter sido breve, face às lesões que tinha nos pulmões. Viveu
até os 82 anos, construindo uma vida de convivência com os amigos, escritores e
intelectuais do seu tempo e uma das maiores obras poéticas da moderna literatura
brasileira.
De volta ao Brasil, Manuel Bandeira iniciou a sua produção literária
em periódicos. Em 1917, publicou A cinza das horas, onde reuniu poemas compostos durante
o período de sua doença. Em 1919 publicou seu segundo livro de poemas, Carnaval.
Enquanto o anterior evidenciava as raízes tradicionais de sua cultura e, formalmente,
sugeria uma busca da simplicidade, esse segundo livro caracterizava-se por uma deliberada
"libertinagem" de composição rítmica. Ao lado de "sonetos que não
passam de pastiches parnasianos", segundo o próprio Bandeira, nele figura o famoso
poema "Os sapos", sátira ao Parnasianismo, que veio a ser declamado, três anos
depois, durante a Semana de Arte Moderna, pela voz de Ronald de Carvalho. Antecipador de
um novo espírito na poesia brasileira, Bandeira foi cognominado, por Mário de Andrade,
de "São João Batista do Modernismo".
Por intermédio do amigo Ribeiro Couto, Manuel Bandeira conheceu os
escritores paulistas que, em 1922, lançaram o movimento modernista. Não participou
diretamente da Semana, mas colaborou na revista Klaxon e mantinha amizade com os
modernistas. Colaborou também na Revista Antropofagia, Lanterna Verde, Terra Roxa e A
Revista.
Em 1927, viajou ao Norte do Brasil, até Belém, parando em Salvador,
Recife, Paraíba, Natal, Fortaleza e São Luís do Maranhão. De 1928 a 1929 permaneceu no
Recife como fiscal de bancas examinadoras de preparatórios. Em 1935, foi nomeado inspetor
de ensino secundário; em 1938, professor de Literatura Universal no Externato do Colégio
Pedro II; em 1942, professor de Literaturas Hispano-Americanas na Faculdade Nacional de
Filosofia, sendo aposentado por lei especial do Congresso em 1956. Desde 1938, era membro
do Conselho Consultivo do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e,
em 1942, foi eleito membro da Sociedade Felipe dOliveira.
Recebeu o prêmio da Sociedade Felipe dOliveira por conjunto de
obra (1937) e o prêmio de poesia do Instituto Brasileiro de Educação e Cultura, também
por conjunto de obra (1946).
Durante toda a vida, fez crítica de artes plásticas, crítica
literária e musical para vários jornais e revistas. Em 1925, colaborou na seção
"Mês modernista" do jornal A Noite, na revista A Idéia Ilustrada e na revista
musical para o Diário Nacional, de São Paulo; em 1930-31, escreveu crítica de cinema
para o Diário da Noite, do Rio de Janeiro, e para A Província, do Recife; em 1941, fez
crítica de artes plásticas em A Manhã, do Rio de Janeiro; em 1954, publicou De poetas e
de poesia (reunião de textos de crítica); em 1955, começou a escrever crônicas para o
Jornal do Brasil; de 1961 a 1963, escreveu crônicas semanais para o programa
"Quadrante", da Rádio Ministério da Educação; de 1963 a 1964, para os
programas "Vozes da Cidade" e "Grandes poetas do Brasil", da Rádio
Roquette-Pinto.
Como crítico de arte, Manuel Bandeira revelou particular afeição
pelas velhas igrejas coloniais da Bahia e barrocas de Minas Gerais, pela arte
arquitetônica dos conventos e dos velhos casarões portugueses da Bahia e do Rio de
Janeiro, e pelas formas singelas das mais humildes igrejas do interior.
Como crítico de literatura e historiador literário, revelou sempre
uma paixão de humanista. Consagrou-se pelo estudo sobre as Cartas chilenas, de Tomás
Antônio Gonzaga, pelo esboço biográfico Gonçalves Dias, além de ter organizado
várias antologias de poetas brasileiros e publicado o estudo Apresentação da poesia
brasileira (1946). Em 1954, publicou o Itinerário de Pasárgada, onde, além de suas
memórias, expõe todo o seu conhecimento sobre formas e técnicas de poesia, o processo
da sua aprendizagem literária e as sutilezas da criação poética. Sua obra foi reunida
nos volumes Poesia e Prosa, Aguilar (1958), contendo numerosos estudos críticos e
biográficos.
O
Último Poema
Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
Desencanto
Eu faço versos como quem chora
De desalento. . . de desencanto. . .
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia
ardente. . .
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
- Eu
faço versos como quem morre.
Noite
Morta
Noite morta.
Junto ao poste de iluminação
Os sapos engolem mosquitos.
Ninguém passa na estrada.
Nem um bêbado.
No entanto há seguramente por ela
uma procissão de sombras.
Sombras de todos os que passaram.
Os que ainda vivem e os que já morreram.
O córrego chora.
A voz da noite . . .
(Não
desta noite, mas de outra maior.)
Versos
escritos n'água
Os poucos
versos que aí vão,
Em lugar de outros é que os ponho.
Tu que me lês, deixo ao teu sonho
Imaginar como serão.
Neles
porás tua tristeza
Ou bem teu júbilo, e, talvez
Lhes acharás, tu que me lês,
Alguma sombra de beleza...
Quem os
ouviu não os amou.
Meus pobres versos comovidos!
Por isso fiquem esquecidos
Onde o mau vento os atirou.
Neologismos
Beijo
pouco, falo menos ainda.
Mas invento palavras
Que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.
Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo:
Teadoro, Teodora.
Tu que
me deste o teu cuidado...
Tu que me
deste o teu carinho
E que me deste o teu cuidado,
Acolhe ao peito, como o ninho
Acolhe ao pássaro cansado,
O meu desejo incontentado.
Há longos
anos ele arqueja
Em aflitiva escuridão.
Sê compassiva e benfazeja.
Dá-lhe o melhor que ele deseja:
Teu grave e meigo coração.
Sê
compassiva. Se algum dia
Te vier do pobre agravo e mágoa,
Atende à sua dor sombria:
Perdoa o mal que desvaria
E traz os olhos rasos de água.
Não te
retires ofendida.
Pensa que nesse grito vem
O mal de toda a sua vida:
Ternura inquieta e malferida
Que, antes, não dei nunca a ninguém.
E foi
melhor nunca ter dado:
Em te pungido algum espinho,
Cinge-a ao teu peito angustiado.
E sentirás o meu carinho.
E sentirás o meu cuidado.
A morte
absoluta
Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.
Morrer sem
deixar o triste despojo da carne,
A enxangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão - felizes! - num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.
Morrer sem
deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?
Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhum epiderme.
Morrer tão completamente que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."
Morrer mais completamente ainda,
-Sem deixar sequer este nome.
Os
Sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
>
- "Não foi!" - "Foi!&quoot; - "Não foi!"
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinqüenta
anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei" - "FFoi!"
- "Não foi!" - "Foi!&quoot; - "Não foi!"
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- "A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de
estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quando é vário,
Canta no martelo."
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
- "Sei!" - "Não sabe!&quuot; - "Sabe!"
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;
Lá, fugido ao
mundo,
Sem glória, sem fé,
No porão profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...