A região de Chapada dos Guimarães, de beleza singular e de grande valor ecológico, tem um histórico de iniciativas para conservação que consolida socialmente sua vocação como área de grande importância ecológica - só neste século, são cerca de 15 instrumentos legais expedidos pelo governo federal, estadual e municipal, objetivando sua conservação. Também a sociedade civil tem colocado em sua agenda, desde o início dos anos 80 a preocupação com a conservação da Chapada, sendo que o nascimento do movimento ecológico mato-grossense está intimamente ligado a esta questão, pois originou-se, em sua forma mais organizada e contemporânea, a partir da defesa de uma área de Chapada, a Salgadeira. Da mesma forma, a comunidade científica local, nacional e internacional tem evidenciado a importância da região, tomando-a como objeto de estudo e desenvolvendo inúmeros trabalhos científicos que corroboram seu valor ecológico.
Sendo assumida como ponto central da agenda ecologista estadual nos anos 80, conseguimos em 89 a criação de um Parque Nacional, abrangendo 33.000 hectares, sendo que 27.000 são no município de Cuiabá, em regiões de formadores da bacia do Paraguai. Da mesma forma que as iniciativas oficiais anteriores, o Parque ainda não saiu do papel. Como além dos problemas relativos a implantação do Parque - desapropriações, elaboração de plano de manejo, ordenamento turístico - tínhamos o aumento da pressão no seu entorno, muitas vezes comprometendo as áreas do interior do parque, o governo estadual criou uma APA - Área de Proteção Ambiental, procurando abranger todo o complexo de Chapada dos Guimarães, com uma área de 251.000 hectares, abrangendo 4 municípios, sendo a maior parte no município de Chapada. Mesmo assim, a destruição e o comprometimento da sustentabilidade dos ecossitemas continuam avançando numa velocidade e intensidade muito grandes, confirmando a incapacidade das medidas oficiais de fazer frente ao processo.
Desta forma, hoje há, em relação à conservação dos atributos cênicos, urbanos, ecológicos e culturais da região, se formos depender apenas das iniciativas e ações governamentais, uma perspectiva pouco alentadora. A percepção do perigo baseia-se nas seguintes evidências:
- à medida que Cuiabá, capital do Estado, situada a 27 km do início do Parque Nacional, cresce e se inviabiliza como espaço urbano com qualidade de vida, devido ao crescente caos urbano, as classes média e média alta, se transferem para Chapada, provocando grande pressão imobiliária, tanto na área urbana como na área rural, sem que o Estado e o Município consigam interferir no processo.
- grande desordem urbana em Chapada: inúmeros e incessantes loteamentos de extensas áreas rurais e urbanas, ritmos altos e crescentes de construção de casas para final de semana ( segundo levantamento do SEBRAE 100 novas residências por ano) criando uma demanda de serviços que a administração não consegue atender, prejudicando a populaçãp permanente.
- a conduta e o estilo de vida da população intermitente contrasta e agride as tradições culturais e espirituais da população permanente. A população intermitente reproduz em Chapada as mesmas relações desarmônicas e degradoras que constituem sua experiência de relação com o espaço urbano de Cuiabá.
- os turistas e usuários rotineiros das cachoeiras e áreas turísicas geram uma desordem ambiental catastrófica nas áreas de utilização pública.
- a ocupação recente, com fins agropecuários, de terras arenosas, com aptidão rural muito restrita mas de grande biodiversidade (cerrados). Os novos proprietários substituem extensas áreas de cerrado por pastagens, criando extensos ambientes frágeis e de baixa sustentabilidade agro-ecológica, desnaturalizando a modalidade tradicional de ocupação das paisagens por pequenas propriedades com atividade rural diversificada. Este processo resulta também na expulsão da população rural tradicional, pequenos sitiantes da Bacia Hidrográfica do Cuiabá que, expulsos de suas áreas, vão inchar a periferia de Cuiabá e da própria Chapada, onde o bairro com mais população é um bairro de periferia com origem num processo de invasão de população de baixa renda, expulsa da área rural.
- a cultura profissional do serviço público, autoritária, tecnocrata e fiscalizadora, inviabiliza uma percepção mais rica dos processos sociais em curso, não permitindo que se construam situações propícias para o ordenamento da ocupação. A APA, apesar de criar uma expectativa promissora, esbarra no fato de que não pode ser implantada burocraticamente, exigindo um profundo trabalho de informação e conscientização da população e usuários da região para que se tornem efetivamente envolvidos com a idéia da conservação e implantação da unidade de conservação. A APA é um unidade de conservação que é implantada pela população, pois a área não é desapropriada. Além disso, as ações do Governo sofrem uma descontinuidade crônica devido a permanente crise do Estado.
- a administração municipal não está adequadamente estruturada e qualificada para interferir e administrar o processo contemporâneo de ocupação.
- os novos proprietários rurais e urbanos, em sua grande maioria, fazem parte da classe política (deputados, vereadores, funcionários públicos de alto escalão, famílias tradicionais) o que dificulta a aplicação das leis.
- a população tradicional de Chapada viveu até hoje sob o jugo do coronelismo, sendo muito baixa sua capacidade organização e de interferência nos processos sociais e políticos.
- uma compreensão muito superficial do que seja o Ecoturismo, que é a grande alternativa econômica viável e compatível com as características da região. Mesmos as pessoas bem intencionadas e economicamente interessadas em conservar suas áreas carecem de orientação e conhecimentos que permitam um manejo adequado das áreas que pretendem explorar.
- as dificuldades que a visão ecologista mais tradicional, centrado em denúncias e que tem como eixo a conservação da natureza encontra, sem ser capaz de responder às necessidades sociais e econômicas de desenvolvimento da região.
- o baixo nível cultural e tecnológico da população rural ( 59% da população do município está na área rural)) criando uma situação de fragilidade econômico-social em que não há condicões de resistência ao processo de substituição/expulsão dos proprietários tradicionais. O índice de analfabetismo no município é de 45,40%.
As questões que este contexo coloca para as pessoas envolvidas no processo ou objetivo: desenvolver Chapada de forma socialmente justa e ecologicamente sustentável, são:
- pensar Chapada no contexto da expansão urbana de Cuiabá, sem reduzi-la a um bairro de classe média alta;
- pensar cenários de futuro para Chapada incluindo o crescimento econômico e desenvolvimento social e cultural da população permanente;
- pensar cenários de futuro incluindo a fixação da população rural numa perspectiva de desenvolvimento sustentável, com melhoria de nível cultural, mudança de perfil tecnológico na agricultura, acesso a serviços básicos de saúde, educação e saneamento;
- pensar estratégias de conservação que envolvam a população rural permitindo sua sustentabilidade social e econômica.
Chapada dos Guimarães, julho 98.
Vivianne Amaral
Coordenadora Geral
Instituto Bioconexão
Se não houver um frame à esquerda, visite a página de Chapada dos Guimarães: http://www.chapadadosguimaraes.com