Diante destas estórias fantásticas para minha compreensão de cientista social cursando o último ano, o que mais me fascinou foram as estórias de Mato Grosso, que desde pequeno ouvia de um amigo da família que era piloto de avião suas experiências no Pantanal, com luzes estranhas no meio do nada, e das fantásticas estórias contadas por Orlando Vilas Boas notório sertanista brasileiro que era cliente de meu tio oftalmologista, e meu pai tinha uma ótica que ele era cliente e de vez em quando o via em reuniões sociais, onde invariavelmente as conversas eram sobre suas aventuras com os índios mato-grossenses.
Julho de 1981, meu velho amigo paulistano Caio comprou a posse de um lote no bairro Aldeia Velha na Chapada, resolvi então passar minhas férias lá e ajudá-lo a construir sua casa. Numa fria noite embarco no trem da FEPASA na Estação Júlio Prestes em São Paulo, pretendia chegar na noite do dia seguinte em Campo Grande, e pegar um Ônibus para Cuiabá, e chegaria pela manhã para ir para Chapada, distante apenas 64 Km.
Durante a dia seguinte houve um problema na locomotiva e ficamos 12 horas parados, de noite recomeçamos a viagem num intenso frio, pela manhã quando acordo vejo uma fina camada de gelo na parte interna do vidro, o trem novamente parado e tudo geado do lado de fora. Descemos, havia uma fogueira e muito gelo. logo o trem começa a movimentar-se e 9:00h estávamos em Campo Grande com mais de 12 horas de atraso!
Comecei a pensar que se tomasse o Ônibus naquela hora, chegaria de “noitão” em Cuiabá, e naquela época a rodoviária era distante e não havia nenhum hotel por perto. Tive a brilhante idéia de ir ao aeroporto tentar uma carona com algum avião particular. Já tinha experiência disso. A manha era ir ao DAC onde os pilotos que vão decolar apresentam seu plano de vôo, aí é só perguntar se dão carona. Quando cheguei ao DAC apresentei-me ao sargento de plantão, apresentei minha carteira de estudante e de identidade e pedi para ficar lá tentando carona. Uma hora depois entra um senhor e começa a preencher o plano, quando vi a sigla CGB no destino me apresentei, conferiu o tamanho de minha bagagem, que felizmente era apenas uma mochila, e quando dei por mim estava a bordo de um Sêneca bimotor com um corretor que ia mostrar terras no norte mato-grossense para um cliente, o piloto sobrevoava o pantanal mostrando à todos nós, o céu era um azul gelado. 12:30 desembarco em Cuiabá. Feliz da vida pela belíssima experiência, fui para a rodoviária e peguei o ônibus para Chapada.
Cheguei na Aldeia Velha, alguns moradores me indicam onde o Caio estaria construindo a casa, chego lá e não tinha ninguém, mas já havia um belo telhado de sapé e um mezanino com sobre-teto de barraca segurando o vento na lateral. Acomodei minhas coisas e comecei a serrar e pregar tábuas na parte de fora da parede do mezanino, lá pelas tantas, escuto o barulho da velha CG 125 do Caio. foi uma festa quando nos encontramos! Ele disse que havia sonhado que tinha chegado, estavam acampados com uns amigos e umas gatíssimas campograndenses. Rapidinho fomos para a cachoeira das Andorinhas, não tinha estrada, a moto ia pelo cerrado até próximo, e o resto era caminhada. Foram momentos sublimes, havia o Cordeiro, um Índio Pareci que tinha nossa idade e conhecia toda a Chapada (mais tarde instituiu o nome Kioko, e saiu viajando pelo Brasil, quando voltou foi estupidamente atropelado, ninguém me tira da cabeça que a música Kioko do Almir Sater foi feita em homenagem a ele) junto com o Zé Guilherme, que nos ciceroneavam pelas inúmeras cachoeiras, montanhas e vales, nos apresentando a flora do cerrado e os "Aroe orubo" que significava "remédio para alma" uma combinação de raízes amargas do cerrado que segundo o Cordeiro fazia muito bem! E fez, foram dias inesquecíveis.
Pensei em morar na Chapada, mas iria viver de quê? Fui à escola estadual de Chapada ver se havia vaga, e conheci D. Isis Albernaz, delegada de ensino da cidade muito preocupada com a educação, e logo após ver meu certificado de conclusão com bacharelado e licenciatura na área de Estudos Sociais me conseguiu uma vaga, e com 3 semanas estava em sala de aula, com o dinheiro de minha volta para São Paulo comprei a metade da posse do terreno de meu amigo Caio e virei um Chapadense.
Nesta experiência tive inúmeros sinais positivos para ficar na Chapada,
meus pais acabaram entendendo e me apoiaram na decisão, existem momentos na
vida "que a carruagem passa, resta nosso livre arbítrio para tomarmos ou não".
Não me arrependo desta opção e hoje além de professor trabalho com ecoturismo
tentando mostrar com toda sua mágica para os visitantes.
Jorge Belfort Mattos Jr.