O trabalho pretende fazer uma análise comparativa entre a obra
do escritor Jorge Luis Borges e do arquiteto Peter Eisenman. Para
isto foram escolhidas: "La
casa de Asterión" que nada mais é que um conto
do livro "El Aleph" de Borges , e "Guardiola House"
, uma casa do arquiteto Eisenman.
A idéia do trabalho é encontrar
uma analogia entre ambas produções, idéia que
surgiu a partir da leitura da crítica aos trabalhos de Peter
Eisenman, onde se verificou uma similitude entre o pensamento deste
arquiteto com o do escritor.
Desta maneira se procurou fazer uma leitura
dos contos de Borges em vários livros buscando uma analogia
com o trabalho e o pensamento de Eisenman. Após passar por
vários textos do tipo "labirínticos
ou abissais" (como observou Otilia
Arantes ) chegamos a "La Casa de Asterión"
dentro do livro "El Aleph".
Os projetos da década de 80' tem sempre
uma forte chamada ao textual, tanto Eisenman como qualquer um que
trabalha dentro destes parámetros precisam necessariamente
iniciar as suas elucubrações a partir da escrita,
e encontraram na literatura do absurdo, em alguns textos teóricos
de autores Pos-Estruturalistas e até em textos escritos por
eles mesmos uma fonte inesgotável de recursos para aplicá-los
tanto ao ensino da arquitetura como as suas obras. Montaner
sobre o asunto diz que tanto Bernard Tschumi, como John Hejduk (os
quais classifica ao igual que Eisenman dentro da corrente da Nova
Abstração Formal) propunham aos seus estudantes a
criação de espaços a partir da leitura de Jorge
Luis Borges, Marcel Proust, Thomas Hardy e outros.
Já David
Harvey analisa mais a fundo esta questão ou mudança
de comportamento na literatura;
"O romance pós-moderno,(...)
caracteriza-se pela passagem de um dominante 'epistemológico'
a um 'ontológico'. (...) isto (...) quer dizer uma passagem
do tipo de perspectivismo que permitia ao modernista uma melhor
apreensão do sentido de uma realidade complexa, mas mesmo
assim singular à ênfase em questões sobre
como realidades radicalmente diferentes podem coexistir, colidir
e se interpenetrar. Em consequência, a fronteira entre
ficção e ficção científica
sofreu uma real dissolução, enquanto as personagens
pós-modernas com frequencia parecem confusas acerca do
mundo em que estão e de como deveriam agir com relação
a ele. A própria redução do problema da
perspectiva à autobiografia, segundo uma personagem de
Borges, é entrar no Labirinto: "Quem era eu? O eu
de hoje estupefato; o de ontem, esquecido; o de amanhã
imprevisivel...? Os pontos de interrogação dizem
todo."
Um exemplo disto é o texto explicativo do Museu de Artes
para a Universidade de Long Beach, California de 1986, onde a idéia
central de Eisenman parte da própria imaginação
deste, baseado num filme de George Orwell, onde imagina na obra
dele três tempos diferentes: o primeiro é em 1849,
quando da corrida pelo ouro, o segundo é o de 1949, quando
da creação do Campus, o terceiro e o mais insólito
é em 2049, quando o campus é redescoberto arqueologicamente
por uma outra cultura, a qual vai tentar a partir das ruinas determinar
o tipo de cultura em que viviamos. O resultado de estes três
tempos continua abordando principalmente a idéia da fragmentação,
dos traços, e agora da idéia de representação
da ruina. A excavação artificial, como Eisenman próprio
determinou não é outra coisa que uma imaginação
fertil feita a partir de textos literarios que são Não-Narrativos,
Atemporais, Ahistóricos, Atópicos, Atonais, e outros
A que pudessem Aparcer.
Assim para Harvey
"Dada a evaporação
de todo sentido de continuidade e memória histórica,
e a rejeição de metanarrativas, o único
papel que resta ao historiador, por exemplo, é tornar-se,
como insistia Foucault, um arqueologo do passado, escavando
seus vestigios como Borges o faz em sua ficção
e colocando-os, lado a lado, no museu do conhecimento moderno"
ou no caso de Eisenman um por cima do outro.
Otilia Arantes falando da arquitetura de Peter Eisenman faz referencia
especificamente à narrativa de Jorge Luis Borges quando diz
"Como resultado -se é que se pode falar assim-, ao contrário
de volumes fechados, uma arquitetura em abismo, labiríntica
(na mesma época a nova crítica literária francesa
reinventava Borges), espaços inconclusos, formas sem função,
quando muito destinadas a provocar no observador um sentimento de
estranheza." Esta questão da narrativa ou dos Não-Narrativos
nos levou a fazer uma análise de uma obra de Borges no caso
A Casa de Asterion para tentar entender esta relação.
O conto de Borges foi escrito em 1949, e é anterior às
teorías de Eisenman, as
primeiras casas do arquiteto datam de de 1967 , juntamente com
os seus primeiros escritos. No caso a análise foi feita a
partir de três fatores: Tempo, Sujeito, e Espaço.
A casa de asterión
e a rainha deu a luz um
filho que se chamou Asterión
APOLODORO: Biblioteca, III, I.
Sei que me acusam de soberba, e talvez de misantropia, e talvez
de loucura. Tais acusações (que eu castigarei no devido
tempo) são irrisórias. É verdade que não
saio de casa, mas também é verdade que as suas portas
cujo
número é infinito ) estão abertas dia e
noite aos homens e também aos animais. Que entre quem quiser.
Não encontrará pompas femininas nem o bizarro aparato
dos palácios, mas sim a quietude e a solidão. Por
isso mesmo, encontrará uma casa como não há
outra na face da terra. (Mentem os que declaram existir uma parecida
no Egito). Até meus detratores admitem que não há
um só móvel na casa. Outra afirmação
ridícula é que eu, Asterión seja um prisioneiro.
Repetirei que não há uma porta fechada, acrescentarei
que não existe uma fechadura? Mesmo porque num entardecer
pisei a rua, se voltei antes da noite, foi pelo temor que me infundiram
os rostos da plebe, rostos descoloridos e iguais, como a mão
aberta. O sol já se tinha posto, mas o desvalido pranto de
um menino e as preces rudes do povo disseram que me haviam reconhecido.
O povo orava, fugia, se prosternava; alguns se encarapitavam no
estilobato do templo das Tochas, outros juntavam pedras. Algum deles,
creio, se ocultou no mar. Não é em vão que
uma rainha foi minha mãe; não posso confundir-me com
o vulgo, ainda que o queira minha modéstia.
O fato é que sou único. Não me interessa o
que um homem possa transmitir a outros homens; como filósofo,
penso que nada é comunicável pela arte da escrita.
As enfadonhas e triviais minúcias não encontram espaço
em meu espírito, capacitado para o grande; jamais guardei
a diferença entre uma letra e outra. Certa impaciência
generosa não consentiu que eu aprendesse a ler. Às
vezes o deploro, porque as noites e os dias são longos.
Claro que não me faltam distrações. Como o
carneiro que vai investir, corro pelas galerias de pedra até
cair no chão, estonteado. Oculto-me à sombra de uma
cisterna ou à volta dum corredor e divirto-me com que me
busquem. Há terraços donde me deixo cair, até
ensangüentar-me. A qualquer hora posso fazer que estou dormindo,
com os olhos cerrados e a respiração contida. (Às
vezes durmo realmente, às vezes já é outra
a cor do dia quando abro os olhos) Mas, de todos os brinquedos,
o que prefiro é o do outro Asterión. Finjo que ele
vem visitar-me e que eu lhe mostro a casa. Com grandes reverências
lhe digo: Agora voltamos à encruzilhada anterior ou Agora
desembocamos em outro pátio ou Bem dizia eu que te agradaria
o pequeno canal ou Agora vais ver uma cisterna que se encheu de
areia ou Já vais ver como o porão se bifurca. Às
vezes me engano e rimo-nos os dois amavelmente.
Não tenho pensado apenas nesses brinquedos; tenho também
meditado sobre a casa. Todas as partes da casa existem muitas vezes,
qualquer lugar é outro lugar. Não há uma cisterna,
um pátio, um bebedouro, um pesebre; são quatorze [são
infinitos] os pesebres, bebedouros, pátios, cisternas. A
casa é do tamanho do mundo; ou melhor , é o mundo.
Todavia, de tanto andar por pátios com uma cisterna e poeirentas
galerias de pedra cinza alcancei a rua e vi o templo das Tochas
e o mar. Não entendi isso até uma visão noturna
me revelar que também são quatorze [infinitos] os
mares e os templos. Tudo existe muitas vezes, quatorze vezes, mas
duas coisas há no mundo que parecem existir uma só
vez: em cima o intrincado sol; em baixo, Asterión. Talvez
eu tenha criado as estrêlas e o sol e a enorme casa, mas já
não me lembro.
A cada nove anos, entram na casa nove homens para que eu os liberte
de todo mal. Ouço seus passos ou sua voz no fundo das galerias
de pedra e corro alegremente a buscá-los. A cerimônia
dura poucos minutos. Um após outro caem sem que eu ensangrente
as mãos. Onde caíram, ficam, e os cadáveres
ajudam a distinguir uma galeria das outras. Ignoro quem sejam, mas
sei que um deles, na hora da morte, profetizou que um dia vai chegar
meu redentor. Desde então a solidão não me
magoa, porque sei que meu redentor vive e que por fim se levantará
do pó. Se meu ouvido alcançasse todos os rumores do
mundo, eu perceberia seus passos. Oxalá me leve para um lugar
com menos galerias e menos portas. Como será meu redentor?
- me pergunto. Será um touro ou um homem? Será talvez
um touro com cara de homem? Ou será como eu?
E o sol da manhã rebrilhou na
espada de bronze. Já não restava qualquer vestígio
de sangue.
- Acreditarás, Ariadna? - disse Teseu -. O minotauro apenas
se defendeu.
Análise do Conto
O sujeito borgiano
A primeira impressão que temos logo
depois de ler o conto é que fomos enganados. Pelo menos no
desenvolver da história, porque o ASTERIÓN era nada
menos que o famoso MINOTAURO, quem nos foi apresentado na sua verdadeira
identidade unicamente nas quatro (4) últimas palavras do
conto. Esta situação nos demonstra o total desinteresse
pelo sujeito (pelo menos o verdadeiro), já que sendo um personagem
muito conhecido, Borges poderia tirar mais proveito disto, mas parece
que "o sujeito" , "o oficial" não interessa,
ele é, na realidade, negado até a última instância.
Borges inventa deste modo um novo personagem, "o outro"
, do qual nós não temos as referências suficientes
para poder identificar a verdadeira história que está
sendo narrada.
Um outro personagem que é distorcido é Teseu, que
é apresentado como o redentor de Asterión, ou em outras
palavras, o salvador do Minotauro. Isto é no mínimo
um paradoxo, porque se imaginamos um redentor, sem dúvida
que é o salvador de Asterión, mas nunca o assassino
dele. Desta maneira Borges trabalha o seu conto com uma ausência
do sujeito real, para fazê-lo com a presença do fictício.
O tempo borgiano
A ausência de sujeito real é
acompanhada de uma ausência de tempo real. Não podemos
esquecer que esta lenda do Minotauro tem mais de dois mil anos,
e aconteceu na antiguidade clássica, da qual nenhuma referência
é dada. Borges nega essa antiguidade clássica utilizando
todas as artimanhas possíveis para não identificá-la,
negando assim o tempo real em que aconteceu a lenda.
Um outro maneirismo, para confundir a noção temporal,
é utilizado nos tempos verbais da narrativa. O conto, curiosamente
começa sendo narrado no presente pelo Asterión, e
ainda acaba sendo narrado também no presente pelo Teseu,
o que nos dá a impressão que a temporalidade da história
é deixada de lado em favor da importância exata de
cada momento da narração. Assim se cria uma outra
história, a história paralela, com um novo tempo que
não pode ser muito bem identificado, porque é contado
no presente, aconteceu no passado, mas é verdade que poderia
muito bem se tratar da história de um Blade Runner num futuro
longínquo.
O espaço borgiano
Um outro aspecto interessante do conto é
o espaço, onde a não-referência continua sendo
a fórmula. Uma clara intenção de Borges é
o simulacro. Ele simula a casa de Asterión quando na realidade
se trata de seu próprio labirinto. Sem dúvida que
a intenção aqui continua sendo a de nos confundir,
intenção que se verifica em várias outras partes
do conto. Desta maneira Borges muda e falsifica a verdadeira identidade
dos objetos. Um labirinto nunca poderia ser confundido com uma casa.
Com as portas utiliza a mesma receita, dizendo que elas permanecem
abertas dia e noite e que ainda estas não possuem fechaduras,
quando na realidade estas fechaduras não existem porque tampouco
as ditas portas existem. No labirinto há sim entradas e saídas,
mas não portas.
Asterión conta que todos os lugares estão muitas vezes,
que são infinitos, situação que nos confunde
porque nos faz pensar em outra dimensão da realidade, já
que no nosso mundo todo é mensurável. Também
diz que qualquer lugar é um outro lugar, o que nos dá
a idéia ou que todos os lugares são iguais, ou bem
que não há lugares a serem reconhecidos ou identificados.
Podemos ver assim que a estrutura do conto de Borges se encaixa
perfeitamente com as idéias fragmentadas da Diferença
de Derrida, Superposições de Tempo, de História
e de Lugares, como assim também a desvalorização
do sujeito como intérprete de qualquer situação.
A Casa
O sujeito eisenmaniano
A leitura do sujeito poderia ser começada
a partir da negação deste. Poderíamos dizer
que não existe uma contemplação de diferentes
culturas. No caso da casa, temos que considerar que é uma
casa à beira-mar em Cadiz (local de cultura portuária
muito forte). Também não tem a preocupação
de um "homem tipo"como o tinham os preceitos do movimento
moderno. Eisenman não está interessado com a ergonometria,
nem com a funcionalidade dos seus espaços, o que implica
em não estar preocupado com o homem como sujeito.
O que interessa para ele é o valor autônomo dos objetos,
e não o sujeito. Para Montaner
, Eisenman herda do Pós-estruturalismo o anti-humanismo,
e cita uma frase de Claude
Lévi-Strauss que ilustra este pensamento: "O
mundo começou sem o homem e acabará sem ele",
definindo a condição efêmera do homem. Desta
maneira, sendo o homem um simples passageiro deste mundo, para que
se preocupar com ele? O objetivo da sua obra é a obra em
si, e não o sujeito. Desta maneira, Eisenman, ao igual que
Borges, nega o sujeito, o verdadeiro, propondo espaços cuja
única razão de ser são os próprios espaços,
suas formas e os seus desenvolvimentos.
Não sendo mais o homem o centro do universo, Eisenman ataca
a noção de centralidade: pode ser muito bem observada
a idéia labiríntica "dos
caminhos que se bifurcam " e que negam o centro. Desta
maneira, se explica o partido da casa em forma de L porque o "éle"
não representa em nenhum aspecto a centralidade, tão
depreciada por Eisenman.
O trabalho de Eisenman ataca as formas tradicionais de ocupação
do espaço pelo homem. Assim ele se preocupa em diferenciar-se
desta maneira de ocupação tradicional. Em uma das
suas casas ele coloca uma coluna no meio de um dormitório,
e diz à este respeito: "
tendo uma coluna no meio do quarto de maneira que não
se pode aí colocar uma cama, certamente atacará a
noção de como você ocupa um quarto".
Ora, esta visão anti-humanista sem dúvida põe
em jogo o verdadeiro papel do homem como intérprete da obra,
igual ao conto de Borges, onde esses personagens não são
os personagens tradicionais, e sim "os outros". Desta
maneira Eisenman está à procura desses outros, para
assim fazer uma nova maneira de interpretação dos
espaços.
O tempo eisenmaniano
Ao contrário de Borges aqui fica muito
mais difícil fazer uma leitura temporal da obra. Podemos
dizer que ela não tem intenção de representar
um tempo, no sentido de uma antiguidade clássica. Podemos
dizer que existe uma intenção de atemporalidade, no
sentido de não referenciar a sua arquitetura com as obras
históricas. Para Eisenman a arquitetura vale por si mesma,
pelo que ela é, e não pelo que ela quer representar.
Desta maneira detectamos essa atemporalidade, de não querer
ser passado. Para ele a história é uma
simulação de eternidade , porém sem preocupação
com o presente nem com o futuro. Assim, pode ser observada uma negação
da história, porque ele não utiliza uma linguagem
histórica, nem de arquétipos, nem de estudos tipológicos,
e nem sequer dos fundamentos da arquitetura moderna, situação
que o enquadraria dentro de uma arquitetura de vanguarda inovativa.
Isto não quer dizer que ele desconheça a história,
muito pelo contrário. Ao igual que Borges, Eisenman se utiliza
dela muito bem para poder elaborar a sua própria história.
Neste sentido a história não lhe serve. Os símbolos
e códigos estabelecidos são rejeitados, e ele reinventa
os próprios.
O espaço eisenmaniano
Sem dúvida que todo o conteúdo
da casa pode ser encontrado a partir da decomposição
formal desta, (lembremos que Montaner chama a corrente de Eisenman
de "Nova Abstração Formal").
A primeira impressão que temos ao observar a maquete da casa
(e que é característica de toda a obra dele) é
de uma total instabilidade da construção, simulando
desafiar a lei de gravitação universal. Desta maneira,
Eisenman nega as leis básicas da natureza. Esta idéia
de desafio vai acompanhada, de acordo com ele, de uma mudança
do paradigma mecânico para o eletrônico. Para ele, antigamente
a arquitetura deveria parecer estável, mas hoje, com o domínio
da natureza pelo homem, e o domínio do paradigma eletrônico,
esta simulação de estabilidade não tem mais
sentido . Seguindo esta linha de pensamento, podemos observar
no corte da casa um sistema estrutural completamente diferente dos
sistemas convencionais (coluna, viga, laje), apresentando assim
uma solução muito ousada, sem as referências
habituais do projeto.
Sobre o lugar, a idéia de Asterión que "qualquer
lugar é um outro lugar", se repete aqui e na maioria
dos desenhos de Eisenman, nunca existindo a preocupação
da representação do lugar. Assim,observamos em todas
as ocasiões o desenho dos objetos isolados, indicando no
máximo, os limites do terreno. Isto vai de acordo com o pensamento
de Eisenman voltado à uma mudança de paradigma, sobre
uma nova visão do mundo.
Ele expõe que na antiguidade clássica, "os Romanos",
assim como qualquer povo, tinham interesse em marcar "o lugar"
e que essa marca (ou lugar) os situava frente à natureza
selvagem. Mas atualmente esta visão do mundo não tem
mais sentido. A natureza está hoje dominada pelo homem, porque
o mundo está completamente marcado de lugares. Assim ele
não vê mais razão na preocupação
com lugar, propondo
então o não-lugar.
Um outro pressuposto que utiliza Asterión é que são
"infinitos os pesebres, bebedouros, pátios, cisternas".
Isto se repete na obra de Peter Eisenman (especialmente nas casas),
ou melhor, nos desenhos abstratos do tipo "metamorfoses",
onde estes uma vez que começam, não acabam com uma
lógica de produto terminado, mas sim em uma parada arbitrária
nesse processo de
metamorfoses infinitas. Os espaços são quase que
incompreensíveis para a mente humana. Podemos observar isto
nas plantas, fachadas e perspectivas, onde este jogo de infinitos,
de espaços incompreensíveis, de labirintos, e de cortes
que parecem plantas e vice-versa, nos determina uma nova maneira
de compreensão do espaço.
Ao igual que Borges, quando este desvenda no final do conto a verdadeira
identidade, e com isto nos obriga a voltar ao desenvolvimento do
conto, Eisenman também utiliza este recurso em sua obra:
começamos pelo seu desenvolvimento (metamorfoses), lêmos
os cortes, as plantas, e só quando vemos a obra construída
(ou a maquete neste caso) é que temos noção
da proposta. Porém o real sentido é compreensível
unicamente quando voltamos ao entendimento do processo, da mesma
maneira que no conto.
Conclusões
A leitura do texto e das obras, e a interpretação
destes, nos dá uma sensação de ausências.
Ausência de sujeito real, de tempo real, e de espaço
real, parecendo que tudo não passa de uma ficção
ou uma simulação. Estes elementos são negados
na sua verdadeira concepção. Tanto Borges como Eisenman
dão à eles um novo significado, elaborando assim uma
outra história diferente da que nós conhecemos. "A
história paralela", com um sujeito diferente, um tempo
diferente e um espaço diferente, e que ninguém a não
ser eles próprios, conceberam. Este tipo de leitura coloca
conto e obra como uma situação imaginária dos
autores: a casa de Asterión é vista como uma cidade,
uma cidade que limita externamente com o Templo das Tochás
e com os mares, e internamente com o infinito, e o incompreensível.
As obras de Eisenman são vistas como a concretização
dessa cidade imaginária, mas uma concretização
também textual.
Esta situação nos dá a idéia de uma
negação dos fatos reconhecíveis, o que nos
leva, no caso de Borges, à uma releitura do texto quando
a verdadeira identidade dos personagens é descoberta no final.
Isto origina um interesse maior no desenvolvimento da narrativa
e uma reinterpretação desta. Seria bem diferente se
o conto acabasse da seguinte maneira: "nem acreditarás
- disse o redentor - Asterión nem sequer se defendeu".
Este caso sem dúvida não nos levaria a essa releitura
do texto, o que também ocorre com os desenhos de Eisenman.
Pelos desenhos se chega ao produto final, e quando se descobre o
produto final, se mostra imprenscindível uma releitura dos
desenhos "conceituais" originadores deste.
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