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Um dos colegas de Neumann na RAND, John Nash, ampliou a teoria do jogo para abranger os jogos entre duas pessoas que não são tudo-ou-nada. Sua teoria era que, em tais jogos, existe sempre um "ponto de equilíbrio": uma vez que seu adversário não vai mudar de estratégia, você também não muda. Tomemos esse jogo como um exemplo:

 

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K escolhe cara 

K escolhe coroa

 Você escolhe cara

você ganha $ 1

você perde $ 1

K ganha $ 3 

K ganha $ 4

Você escolhe coroa

você ganha $ 2

 você ganha $ 1

K não ganha nada 

 K ganha $ 2

Neste jogo, o "ponto de equilíbrio" está na jogada coroa/coroa (bloco inferior direito). Isto acontece porque, a despeito do que K faça, é sempre vantajoso para você escolher coroa, e o mesmo vale para K. E mesmo se K tivesse tido a chance de mudar sua estratégia, você ainda assim escolheria coroa, e vice-versa.
O que Nash não percebeu a princípio, ou só veio a aceitar depois, é que o simples fato de existir um ponto de equilíbrio não quer dizer que, nos jogos da vida real, as pessoas vão escolhê-lo. É o que acontece especialmente nos casos de jogos "reiterativos"— jogos entre dois ou mais jogadores, que são repetidos vezes e vezes, com as mesmas estratégias e a mesma remuneração. Vamos analisar de novo o dilema do prisioneiro, que foi basicamente descoberto por dois outros cientistas de RAND, Merrill Flood e Melvin Dresher, em 1950. (Eles descobriram a forma do jogo; depois, foram introduzidos os prisioneiros e o dilema foi batizado, no final daquele ano, por Albert Tucker.) O ponto de equilíbrio é a defecção mútua: dado que seu parceiro/adversário escolheu a estratégia, e que ela não pode ser mudada, você está sempre em melhor situação se defectar.
Porém, vamos supor que você e seu oponente joguem um jogo do tipo do dilema do prisioneiro centenas de vezes seguidas. Digamos que os ganhos sejam os seguintes:

K coopera 

K defecta 

 Você coopera

$ 2 para você 

$ 0 para você

$ 3 para K

$ 4 para K 

 Você defecta

$ 3 para você

$ 1 para você

$ 1 para K

$ 2 para K 

Não importa o que K faça, você se sairá sempre melhor defectando — você sempre ganhará um dólar a mais. O mesmo vale para K: não importa o que você faça, ele sempre ganhará um dólar a mais defectando. Porém, a cooperação mútua é melhor para ambos do que a defecção mútua; o pior cenário para você é cooperar enquanto K defecta.
Se esse jogo fosse de somente uma rodada, e você e K não pudessem ter estratégias de antemão, então a coisa a fazer seria defectar, já que você não conhece a estratégia de K e não pode mudá-la. Mas em um jogo repetitivo, as coisas são bem diferentes. Digamos que K decida cooperar, esperando que você também o faça, garantindo o melhor resultado mútuo. Você, por outro lado, segue a lógica do jogo de uma só rodada e defecta. Você ganha uma bolada ($3), enquanto K recebe sua menor soma possível ($1) e, assim sendo, na próxima vez K decide "puni-lo", defectando por sua vez. Ao defectar, K está basicamente tirando de você os dois dólares — duas vezes o lucro extra que você ganhou ao defectar a primeira vez. Portanto, embora defectar seja seguro, você poderia potencialmente ganhar muito mais dinheiro se você e K cooperassem. É claro que, se K cooperasse a cada rodada em que você decidisse defectar, você terminaria com um ganho máximo de $300. Mas se K for racional, ele reagirá defectando também toda vez que você defectar, ganhando $100 a mais do que ganharia se cooperasse em cada jogada. Qual é, então, a melhor estratégia?
A teoria do jogo, graças à ajuda de modelos feitos por computadores, tem a resposta: é o chamado "olho por olho". Você começa cooperando. Se K também cooperar, você coopera novamente na segunda rodada. E continua a cooperar até o ponto em que K defecta, e nesse ponto você o "castiga" defectando na rodada seguinte. A razão pela qual essa estratégia funciona é que você está usando o jogo para mandar uma mensagem a K: "Eu vou fazer sempre o que você fez na última rodada; e como você nunca vai se beneficiar de minha defecção, você deve sempre cooperar comigo, garantindo o melhor resultado para ambos". Em outras palavras, você está convidando-a para se unir a você e ambos jogarem contra o próprio jogo, em vez de cada um jogar contra o outro.
Na vida real, "olho por olho" significar tratar as outras pessoas da mesma maneira que elas tratam você, mas sempre agindo da melhor maneira no início. Furar uma fila pode ser ótimo para você, mas é ruim para todos os outros e, se eles respondessem na mesma moeda, seria o caos, com socos saindo de todos os lados. Da mesma forma, todo mundo se beneficia quando você faz uma doação de sangue. Você pode até vir a usufruir desse benefício sem nunca ter doado, mas, se todo mundo agisse dessa forma, não haveria um banco de sangue. Claro, não adiantaria cooperar se ninguém mais o fizesse; mas, como todo mundo percebe isso, e ninguém gosta do caos, a maioria das pessoas coopera de fato.
Existe um outro dilema da teoria do jogo que também encontramos na prática. Ele é chamado de "galinha", nome cunhado por Bertrand Russell, acredite você, ou não. É o seguinte: você e um amigo montam em suas bicicletas e pedalam até às bordas de um despenhadeiro. O primeiro a parar ou a mudar de rumo é a "galinha". Se ambos pararem ("cooperarem") simultaneamente, então ninguém é a "galinha", mas também ninguém vence. O melhor resultado para você será se seu amigo parar primeiro: você vai vencer e ele vai ser a "galinha". O pior resultado para ambos é se nem ele nem você pararem — isto é, se os dois "defectarem": ambos cairão no precipício. O que você faz? (Este jogo difere do dilema do prisioneiro no fato de que a mútua defecção é o pior para ambas as partes.)
Como você deve ter notado, a teoria do jogo — embora matematicamente rigorosa — ainda não resolveu todos os conflitos humanos. Em primeiro lugar, para a teoria funcionar, tem que estar claro quem são todos os jogadores, e o rateio deve poder ser expresso em números (ou, pelo menos, em probabilidades). Esse não é sempre o caso nos jogos complicados da política ou da sociedade. Segundo, definir o que constitui "cooperação" ou "defecção" pode ser bastante complicado — existem muitos casos intermediários na vida real, e os adversários tendem a não concordar com os termos (o que parece bom para um pode não satisfazer o outro). Apesar de tudo, sempre é melhor ter ferramentas do que não ter, e a teoria do jogo é uma ferramenta notável e interessante, com aplicações reais na física, na ética, na engenharia e até mesmo na biologia. A evolução das espécies, por exemplo, pode ser entendida em termos de teoria do jogo, mas essa é uma outra e longa estória.

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