ELAS

A de calças entrou primeiro, sentou-se do lado direito, a de vestido no outro canto.

- Pra onde? perguntou o jovem motorista, olhos pregados no espelho. .. . nada mal, talvez dê samba, pensou.

Vestido falou:

- Pega a direção da Zona Sul.

O motorista arrancou sem pressa, olho ainda no retrovisor, a de calças sorria, a mão a caminho do canto oposto, a de vestido se encolheu, a mão parou o movimento.

- Amigas?

- Não muito - vestido riu - távamos atrás de azaração. Não pintou nada que prestasse. Só coroa barrigudo, caras de porre, detesto cara porrado, dá muito trabalho, nenhum sujeito com aquela ginga de macho, olhar de promessa, com aquela química, cheiro de tesão, tu sabe o quê e isso? Não sabe não, tu não é mulher. . .

- Sei, sim! Quando tô a fim sinto cheiro de xota, mulher com tesão tá molhada, dá pra sacar mesmo quando tá perfumada - fingiu fungar - tô sentindo agora.

- Tá querendo me engrupir? Todo motorista é broxa, os colhões sempre apertados nas calças. . . bem, não vem ao caso. . . ela tava lá, encostada no bar, puxamos conversa, dois, três drinques. Resolvemos sair pra outra - falou calças.

- Aonde?

- Não é de sua conta, cuida da direção e tira o olho dessa merda de espelho.

- Acha que devo ir ao apartamento dela?- perguntou vestido.

Que porra de pergunta. . . será que ela tá a fim de mim? Se eu fosse macho mesmo enxotava a outra e. . .

- Sei o que passa por essa tua cabeça de merda - falou calças - não se meta a besta!

O carro deixou a Rio Branco, pegou o aterro.

- Não liga pra ela - falou de repente vestido - é nervosa. Na casa dela até o cachorro toma Prozac.

O motorista ouviu um tapa.

- Merda, tu fala demais, vai contar tudo pro cara?

O carro parou.

- Podem saltar. Não precisam pagar a corrida.

Ouviu risadas, uma dela falou:

- Teu nome, cara?

- Não interessa. Não quero encrenca. Nada de porrada.

- Tu não entende nada de nada - falou calças - Vamos em frente e deixa de frescuras.

O carro continuou. .. . ela tem razão, melhor ficar na minha, mulher é bicho doido, sapatão então. . . , deve ser solidão, desespero, sei o quê w isso, estar solto numa cidade grande, mesmo dentro de um carro, gente entrando e saindo. . . não é isso, não com essas duas, é foda mal dada, como a daquele cara que peguei no ponto da Bolivar, contou que enfiou a pica de mal jeito, perfurou a parede daquilo, como se chama mesmo? droga, va. . . va. .. . vagina, isso mesmo, e logo na noite de núpcias, o cara ainda batia no peito: sou macho, sou macho paca, um filho da puta, isso sim!. .. . será que pergunto? merda, eu podia dar uma de. . .

Vestido beijou o rosto do rapaz, afastou-se.

- Ela quer coisa comigo - falou rindo - o quê tu acha?

Tão me sacaneando, entro no jogo, quem sabe. . .

- Eu diria que tem bom gosto.

O rapaz olhou pelo retrovisor, a de calças aproximava-se da outra, o beijo foi curto, indeciso. Afastaram-se.

- Tenta de novo. . .. talvez esquento ela pra você.

Vestido colocou a cabeça no respaldar do assento do motorista. Ele movimentou o pescoço sem tirar os olhos da pista, errou o beijo, a mulher jogou-se para trás.

- Otário! O quê você mais gosta em mulher? - falou calças.

- Bunda - respondeu sem hesitação.

Risadas.

- Falei ou não falei? São todos uns tarados - falou calças - Homens são porcos. Não apreciam a delicadeza das curvas femininas, o contorno das coxas, o colo, os seios, as carícias, mulher gosta de carícias, dedos, lábios na zonas erógenas. . . tu sabe o quê w isso, hem, garoto ?Aposto que não. Só mulher conhece mulher. . . até o calcanhar bem trabalhado desperta o tesão. . . babacas!

As garotas abraçadas.

Vestido gritou:

- Pára aqui! perto do gramado, debaixo do poste.

- O quê foi? Vai saltar? Aqui é perigoso - falou o rapaz.

Mais risadas.

- Tu é uma besta mesmo - falou calças - ela vai se mostrar pra gente, vai dar umas piruetas, vai levantar o vestido, coxas pra eu, bunda pra tu, talvez com sorte ela mostra até os peitinhos. Bota o teu rádio pra tocar, bem alto.

O carro estacionou, a garota saltou, no gramado iluminado parou por instantes, sorriu debochada, depois desfilou, indo e vindo, volteios, coxas apareceram, vestido levantado a la can-can, calcinha diminuta, bunda desenhada a compasso, passos de dança, acompanhou o ritmo da música, ensaiou movimentos de stripe, mostrou o seio esquerdo, mexeu no mamilo, mostrou a língua, voltou.

- Que tal? Gostou?- perguntou calças.

- Uma bunda e tanto - respondeu o rapaz, a voz rouca. Pigarreou: - Que tal a gente. . .

- Foda-se! - respondeu calças - a gilete encostou no pescoço dele - o show acabou, otário. Toca pra frente.

. . . droga dessas sapatonas, não dão nem uma beirada pra gente, ainda enfio a pica numa delas. . . olhou pelo retrovisor, as duas num beijo prolongado, a mão de calças entre as pernas de vestido, gemidos. . . dancei, já era.

O carro entrou no túnel.